Ipseidade

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1. Aquilo que distingue um ser de todos os outros, características que tornam um indivíduo singular, único.

-Aqui está o pagamento do mês. - Disse recontando as notas e em seguida deixando-as sobre a palma encarquilhada da senhoria. -Queria pedir desculpa pelo atraso, as coisas andam difíceis...

-Aurora, você sabe que essa mulher velha aqui não se importa com isso. Se Giovanni confia em você, eu também confio. Não se preocupe com o pagamento da próxima vez! - Ela retrucou enfiando as cédulas em um dos bolsos e me lançando um sorriso sensível.

Alexia era uma mulher já da terceira idade de postura encurvada, pele avermelhada e inúmeros apetrechos espalhados pelo corpo, uma espécie de bandana de tecido fino e meio transparente com pequenas moedas romenas balançavam sempre que ela se movia e a saia longa decorada da mesma maneira, quando os objetos de aço inoxidável se colidiam me faziam reconhecer de longe a sua chegada. Ela era uma pessoa simpática, descontraída e que amava cantar e dançar. Giovanni me contou que ambos se conheceram na juventude em frente a uma fonte, onde viu uma figura feminina de vestido chamativo cheio de babados rodopiando enquanto a mesma cantarolava um cântico antigo que mais tarde ele descobriria que a língua desconhecida era o romani e conheceria pela primeira vez uma cigana. E logo assim que queixei precisar de um local que servisse de estúdio ele me apresentou a Sra.Vladimirescu que por coincidência estava prestes a se mudar novamente e assim fechamos negócio.

Havia feito o que escrevi a Celine que faria, vendi a scooter para o mecânico que nem esperou que eu fosse embora para começar a separar as peças boas para revendê-las. Saindo de lá fui encontrar a tal empresária que havia se interessado no restaurante de Inácio, mas sem fechar negócio já que algo em mim não me permitiu que o fizesse. Depois da resposta a minha última carta tive medo que meu desentendimento com Celine afetasse no favor que pedi a ela, então quando terminei de resolver minhas questões financeiras após o trabalho, retornei para o meu apartamento indo rapidamente em direção ao telefone e apertando número por número o contato dela gravado na minha memória. Aguardei o sonido que vinha antes da ligação completar e um pensamento pessimista se realocou na minha cabeça, me fazendo cogitar no "e se". E se ela não me atender?

-Alô, quem é? - Por um segundo ouvir sua voz me tranquilizou.

-O-oi, sou eu, a Aurora. Podemos conversar? - Escutei-a suspirar fundo.

-O que você quer? - Celine indagou abafando a fala que sairá das suas cordas vocais quase como num sussurro.

-E-eu gostaria de te perguntar se... - Fui interrompida pelo barulho do que parecia ser a porta que dividia a sala de estar e a cozinha se abrir do outro lado da linha e ouvir o barítono de Fergus perguntar a ela quem era.

-É engano, querido. - Aquele foi o último conjunto de palavras que meus ouvidos captaram antes da ligação se encerrar e o silêncio do outro lado se fazer.

"É, havia sido um engano..."

Eu não iria ligar novamente, havia entendido o recado, ou ao menos dessa vez pensava que havia entendido.

Distanciei-me dos meus pensamentos e retirei o aparelho do meu ouvido, voltando ele ao gancho e ficando submersa ao que acabará de acontecer. Ela estava ressentida, eu sabia bem, mesmo sem ter entendido o porquê, queria respeitar o espaço dela e ao escrever no papel amarrotado tentei ser coerente com o que estava sentindo e também deixar a situação clara sem que pudessem haver desentendimentos, pelo visto minhas boas intenções só serviram para me trazer até a atual conjuntura.

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