Parte 02: Lenitivo

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No dia seguinte...

Despertei com o som daquela buzina estridente, Inácio continuou deitado no sofá e os raios de Sol invadiam o apartamento através dos vidros finos e claros da varanda. Bocejei algumas vezes, esfreguei meus olhos que estavam sensíveis a luz e ergui meu corpo indo até o quarto, destrancando o limiar cuidadosamente e de forma rápida apanhando um dos meus sobretudos que estava jogado em cima da escrivaninha e vestindo-o. Pude ver Celine ressonando só um pedaço de pano cobrindo algumas partes do seu corpo, virada com as costas nuas, o cabelo natural raspado e a pele tropical contracenando com o edredom branco, a fitei por um último instante e fechei a porta seguidamente com cautela. Desci os degraus e ultrapassei o hall de entrada principal do prédio dando de cara com Pierre ao lado da sua caminhonete avermelhada com um sorriso infantil estampado na cara.

-Bom dia, Aurora!

-Vamos direto ao ponto. - Falei arremessando o molho de chaves na sua direção. -A scooter está na garagem.

Ele se posicionou na direção do objeto e o pegou no ar com estilo, quase que meus olhos se reviraram de maneira involuntária.

-Como tem passado? - Pierre indagou se aproximando. -Você não me ligou depois daquele dia.

-Ando ocupada com o trabalho. - Menti com as mãos dentro dos bolsos do sobretudo cinza médio. -E você?

-Estou me adequando da melhor forma possível, o clima ameno de Roma...

-Seu pai te entregou a chave da casa? - Perguntei cortando sua fala na intenção de desviar do assunto.

-A-ah sim, é claro. - Respondeu desajeitoso enfiando uma das mãos nos bolsos da calça e caçando por aqueles pequenos objetos barulhentos. -Aqui estão para abrir a tiny house.

Pierre estendeu as chaves até mim que as agarrei sem pensar duas vezes, por pouco não suspirei aliviada, pois queria subir logo e tomar café ao lado de Celine, não estava nem um pouco com cabeça para conversas sem fins.

-Obrigada. - Agradeci com um semblante forçado. -Tenho que subir, depois nos falamos.

Eu sabia que provavelmente não nos falaríamos. Eu sabia que certamente não ligaria, que o papel com os números agora estava sumido pela casa e não havia coragem suficiente dentro de mim para dizer que tinha sido negligente ao ponto de perdê-lo. Nem culhões o bastante para tentar resolver uma transa casual de uma noite só que não deveria ter acontecido. Eu sei o que te disse naquele dia, me lembro perfeitamente, não quero te revelar isso, pois tenho medo que responda da mesma maneira e não posso negar que havia química. Foi uma ocasião interessante que serviu para me fazer entender que nem mesmo a noite que passei com você me fez esquecer ela, algo me dizia que nem mesmo se eu dormisse com metade da Itália conseguiria.

-Assim como nos falamos nos últimos dias? - Ele arqueou as sobrancelhas me observando.

"Engano meu achar que você não perceberia..."

-Sabe bem porque não nos falamos. - Retruquei de braços cruzados com os olhos fixos. -Já pode ir embora.

Pierre tentou não demonstrar frustração, mas seus contornos grossos não deixavam e os olhos claros escureceram bruscamente.

"Não quero continuar aqui, não quero dar falsas esperanças."

-Bom dia! - Era a voz de Celine logo atrás de mim.

Virei meu rosto na sua reta e a vi entre o limiar com um dos meus sobretudos de cor eucalipto, senti minhas bochechas quentes - provavelmente estavam vermelhas - e a lancei um sorriso envergonhado.

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