Vorazmente o corpo que antes era apenas contornado por uma linha escura foi caminhando para perto da garota, os pés tampados pelos coturnos pretos e foscos foram os primeiros a darem as caras na claridade, seguidamente seus membros inferiores apareceram cobertos por um jeans pálido colado e rasgado em pontos específicos pela calça, as mãos negras e cheias de veias que prosseguiam pelos braços definidos dotados de melanina reluziram na luminosidade, o tronco vestido em uma blusa longa, branca e de mangas visivelmente cortadas à mão que tinha escrito "INFECTADOS" de grafite preto ao entrar em contato com o fulgor se destacou, porém, não mais que sua face que logo colidiu com a claridade e para mim roubou a cena. Ele estava sorrindo deixando à mostra o espaço entre seus dentes principais - que quase nunca os via, mas os sinto constantemente na minha pele -, os cachos castanhos soltos e as laterais da cabeça levemente raspadas e com o brilho do seu brinco dourado de uma orelha só.
-Quer dizer algo, novato? - A mulher questionou com uma das mãos na cintura.
Pierre foi chegando mais perto do microfone dando passos distraídos até que nossos olhares se cruzaram, meus músculos se contraíram e senti meu sangue gelar. Se ele sentiu o mesmo não sei, no entanto, não transpareceu nada, apenas continuou.
-Como a Itália é pequena. - Foi o que saiu da boca dele para todos ouvirem no microfone enquanto seus olhos permaneciam fixos sobre mim.
-Ele é hilário, né, pessoal? - Ela fez uma pergunta retórica. -Agora vai para o seu lugar que agora vamos começar! - Disse em tom de ordem empurrando Pierre para trás. -Infectados! - A mulher gritou no aparelho de som.
Depois o palco se clareou deixando visível os demais membros da banda com seus instrumentos, as pessoas começaram a esgoelar-se assim que a música começou, uma canção alta e cheia de gás que fazia ser quase impossível ficar parado no meio de todos que pulavam. Celine e eu fizemos como os demais e aproveitamos aquele metal cantado pela mulher loira, que não era nada mal. O som do baixo que Pierre tocava era o menos harmonioso - não me agradava, pelo menos - e na quinta composição que era extremamente austera pude ver o suor escorrer pelo seu corpo inteiro, molhando a camisa, fazendo com que ela colasse na sua pele e ficasse transparente, eu lembrava muito bem daquelas curvas.
-Eles são bons! - Celine comentou em meio aos nossos pulos.
-São mesmo. - Concordei estranhando o fato dela não ter reconhecido Pierre.
Minutos mais tarde o sonido dos instrumentos e do vocal cessaram e agora a grande multidão se espalhava pelas diversas localidades, mas o barulho de conversa e risadas ainda permanecia presente. Celine ao final da apresentação me beijou novamente animada, o saibo do rum misturado com o uísque sobre nossas línguas, a junção dos nossos esputos colididos com nossos lábios e a combinação perfeita entre serotonina, dopamina, ocitocina e álcool, me fizeram sentir que toda a dor que a distância e as cartas nos geraram havia passado, porém não durou muito - como sempre -, sucessivamente ao se dar conta do que estávamos fazendo ela se afastou com os olhos perdidos e envergonhada, me deixando ali sentimentalmente vazia e pela primeira vez, estando com vergonha do que eu era, como se fosse uma aberração e por alguma razão ela seguiu o aglomerado. Já os músicos exaustos, conversavam entre si sobre o tablado ao mesmo tempo que desmontavam os aparelhos, Pierre em especial estava sentado na beirada do palco com as pernas balançando e afinando o baixo vermelho escuro e opaco.
-Ei! - Falei num tom alto me aproximando dele.
Seu olhar se voltou em direção a mim e uma expressão leve de surpresa se fez na sua face.
-Não esperava te ver aqui. - Pierre respondeu abrindo um sorriso.
-Não, eu que não esperava te ver. - Retruquei frente a frente com ele de braços cruzados. -Não fazia ideia que participava de uma banda.
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ENTRE NÓS| ⚢
RomanceUma série de cartas destinadas ao primeiro grande amor de Aurora. Cartas de amor, angústia, ira, boas e más lembranças. Seria o amor o único elemento capaz de sustentar relações? Seria o amor uma substância atemporal e isenta de interferências caus...