1. Que sabe muito bem aquilo que faz.
Lá estava eu meio adormecida naquela poltrona confortável do avião, com os braços cruzados, pescoço caído e respiração regular. Estava indo de encontro ao meu antigo lar, minha cidade natal.
Aquele era meu terceiro voo, era óbvio que o cansaço habitava meu ser, porém permaneci alerta já que meu destino estava próximo. Estávamos sobrevoando o mar, ultrapassando as nuvens e a aeronave estava se preparando para pousar. Eu havia recebido o convite para o casamento não fazia nem duas semanas, então sem hesitar comprei a passagem. Havia uma pontinha amarelada na parte de trás do convite - o que me deixou bastante curiosa -, ao virá-lo pude ver que era um pedaço de papel grudado junto ao envelope salmão que dizia:
"Achei melhor outra pessoa ser minha madrinha. Espero que isso não te chateie. Beijos, Celine."
A questão é: me chateou? Digamos que sim, mas era melhor daquela forma. Eu ainda não sabia qual seria a minha reação nesse casamento. O jantar de noivado havia sido uma boa demonstração de como eu, Aurora, agia em momentos como aquele. Confesso que minha intenção dessa vez não é fazer uma cena dramática em cima do evento, tenho andado me preparando para esse dia, espero que esses ensaios valham de algo quando a hora chegar.
Perdida fitando o nada, com a visão desfocada senti o descer do avião, a ansiedade repentina invadir aos poucos meu peito em meio ao pouso, as rodas colidindo na pista e correndo por mais alguns quilômetros.
O meu corpo deslizou sutilmente em direção a poltrona da frente, me ajeitei no meu lugar e estiquei meu pescoço tentando visualizar a aeromoça baixa e ruiva que estava auxiliando um idoso encurvado a apanhar sua mala no bagageiro superior.
Quando desci do avião fui até o portão de embarque onde Francis já estava, encostada numa pilastra com os óculos escuros no rosto, a boca retorcida, uma bolsa de miçangas contra o corpo e um papel amarelado amassado nos cantos segurados pelas suas mãos. No papel estava escrito de canetão vermelho:
"Seja bem-vinda de novo ao lar, Aurora!"
Sorri e acenei na sua direção com a mão livre enquanto arrastava minha mala pelo piso liso.
-Feliz aniversário! - Ela sussurrou quando nos abraçamos.
-Oi, mãe - respondi sentindo seus cabelos vermelhos tocarem no meu pescoço e nossas bochechas quentes se encostarem.
-Senti sua falta. - Francis murmurou próxima ao meu ouvido, afagando minhas costas com seus dedos enrugados.
-É, eu também.
Em questão de um minuto rápido nos afastamos e um semblante amarelado se fez no rosto da minha mãe, ela posicionou seus óculos sobre a cabeça e com a mão dela em um dos meus ombros caminhamos até a saída lado a lado.
-Trinta e um?
-O quê? - Indaguei ouvindo o som das rodinhas da mala em contato com o chão.
-Já são o que? Trinta e um anos? - Mamãe franziu a testa e dedilhou suas digitais, como se contasse algo.
-Isso - retruquei afastando as mechas de cabelo que caíam sobre meu rosto.
-O que vai querer fazer? Podemos ir em algum pub, dançar a noite inteira, paquerar. - Francis enfiou suas mãos dentro dos bolsos da jaqueta marrom que não combinava nada com aquele seu vestido azul claro, me encarou como se eu fosse gostar da ideia e balançou sua cabeça dando a entender que uma batida bem demarcada batucava na sua cabeça.
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ENTRE NÓS| ⚢
RomanceUma série de cartas destinadas ao primeiro grande amor de Aurora. Cartas de amor, angústia, ira, boas e más lembranças. Seria o amor o único elemento capaz de sustentar relações? Seria o amor uma substância atemporal e isenta de interferências caus...