Nefelibata

42 7 3
                                    

1.Pessoa que busca se esquivar da realidade.

Na segunda-feira fiz o que normalmente faço e sai mais cedo do trabalho. Não aconteceu nada fora do comum na universidade, dei aula e acabei optando por desmarcar com Pandora o nosso compromisso, lembro de vê-la concordar com a cabeça e se afastar, porém não parecia haver objeções.

Minha scooter em ótimo estado agora estava guardada, vamos dizer que acabei ficando com medo de que algo pior acontecesse e decidi que andar ou pegar ônibus não era algo ruim. O tempo estava agradável, nem frio e nem quente, apenas uma mistura equilibrada de ambos. O céu carregado de nuvens aflorava a imaginação, gerando inúmeras interpretações do que elas formavam, evitei olhar para elas, a última coisa que eu queria era quebrar algum osso e parar no hospital.

A calçada quente aquecia meus pés dentro daquele tratorado bordô que comprei em um brechó qualquer, a saia um tom mais escuro tinha caimento suave e batia nos meus joelhos, fazendo cócegas no mesmo quando andava. A camisa esbranquiçada de gola alta e mangas longas cobria minha pele e um simples colar ao redor do meu pescoço. Por algum motivo queria parecer bem na sessão, cheguei a passar um batom clarinho nos lábios, prender o cabelo cuidadosamente deixando somente alguns fios da parte frontal soltos e pequenos brincos na orelha. Fiquei ensaiando o que iria dizer quando chegasse ao consultório, um humilde "oi" não facilitaria as coisas, muito menos um "como tem passado?", era tão complicado saber quais palavras usar depois de tanto tempo, eu não fazia a mínima ideia de como ela poderia reagir. Enquanto pensava dava passos longos e precisos com os fones nos ouvidos conectado ao toca-fitas no meu bolso, eu já conhecia o caminho, a rua íngreme, os becos floridos, o aroma de café quente e pão assado e as crianças correndo de um lado para o outro. Mais a frente me deparei com aquela construção cheia de tijolos puxados para a cor dakota, respirei fundo e em seguida forcei minha mão sobre a maçaneta, adentrando o espaço silencioso com um balcão ao fundo e alguns bancos pertos de um limiar fechado escrito "ESPERE SER CHAMADO". Aproximei-me da recepcionista que anotava algum número em uma agenda pequena.

-Boa tarde! Como posso ajudá-la? - Ela indagou antes que pudesse direcionar seu olhar para mim, provavelmente havia me visto de esguelha.

-Boa tarde! Vim ver a Doutora Antonella. - Respondi retirando os fones.

-Qual o horário marcado?

-E-eu não marquei horário, eu só...

-Não atendemos sem hora marcada, senhora. Tenha um bom dia! - A moça disse por cima da minha fala.

-É que preciso muito falar com ela, é urgente. - Insisti com os cotovelos no balcão.

Ela fitou-me, apanhou um telefone e pressionou um único botão.

-Doutora, tem uma mulher querendo vê-la, mas não tem horário marcado. - A recepcionista assentiu com a cabeça ouvindo algo em silêncio. -Qual o seu nome? - Questionou.

-Aurora Tellei. - Falei enquanto enfiava os fones e o toca-fitas no fundo da bolsa.

-Ela vai atendê-la daqui a pouco - alertou encaixando o telefone no gancho.

Fui até os acentos e lá me aconcheguei esperando aquela porta se abrir.

-Aurora Tellei! - Antonella chamou com o limiar entre aberto.

Caminhei na sua direção de cabeça baixa entrando no seu consultório de tonalidades claras e que cheirava a incenso de camomila. Sentei em uma poltrona nova que havia no espaço, por enquanto ela permanecia em pé mexendo em uma das estantes.

ENTRE NÓS| ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora