Os raios de sol de início de primavera invadiram a janela descoberta e vieram de encontro com meu rosto. Diferente de outras vezes, respirei fundo e me permiti sentir o lençol tocando minha pele, escutar os rangidos de madeira e a sensação do clima ao meu redor.
Lembrei-me do dia anterior, quando Cedric deixou meus pais e eu em casa. De primeira, meu pai ficou um pouco enciumado, mas agradecido por ele ter nos ajudado e, depois que soube que ele passou a noite comigo no hospital, disse que ele era bem-vindo na nossa casa desde que ele estivesse por perto.
Cedric riu com educação, mas eu sabia que ele faria piada assim que meus pais entrassem em casa e ficássemos a sós.
- Então- disse Cedric depois que ficamos do lado de fora sozinhos do lado de fora.- você e eu...? Como vamos ficar?- perguntou esfregando uma mão na nuca enquanto colocava a outra no bolso da calça.- Se for muita coisa de uma vez pra você, podemos ir mais devagar ou- cortei sua fala me aproximando e o beijando na ponta dos pés.
- Tivemos a vida passada para ir com calma.- falei separando nossos lábios, mas deixando um proximidade muito pequena entre nossos rostos.- Eu quero você, Cedric.
Um sorriso curto se formou na curva dos lábios de Cedric, os olhos brilhando para mim. Eu senti muitas saudades disso. Ainda sentia.
- Se quiser que seus pais gostem de mim é melhor entrar logo.- disse umedecendo o lábio inferior e pousando as mãos em minha cintura. Suas mãos encaixavam perfeitamente em mim.
Eu ri e ele fez o mesmo sem nenhuma vontade de conter a felicidade. Talvez, agora que eu o tinha, não sofresse mais. Ele era o que faltava para preencher aquele buraco em meu coração. Em minha alma.
- Eles já devem saber o quão feliz você me faz.- falei dando-lhe um beijo na bochecha e me desvencilhando de suas mãos.
- Ei!- puxou minha mão antes que me afastasse muito.- Te vejo amanhã às oito?- perguntou acariciando um pouco meus dedos. Seu toque era macio, aconchegante.- Da manhã.
- Eu madruguei no hospital, acho que mereço algumas horas a mais de sono.- falei fingindo uma careta. Ele riu.
- Às onze então? Sei de um lugar que vai adorar.- assenti com a cabeça e, quando já estava prestes a me soltar se sua mão, ele me puxou e deixou um beijo suave em minha testa.- Não gosto de despedidas, mas agora quero beijá-la ao menos uma vez antes de ter que me afastar.
- Desde que não vá para mais nenhum torneio mortal está tudo bem.- falei tocando sua bochecha.- Me desculpa de novo, queria poder passar o resto do dia com você.
- Vamos nos ver amanhã. Temos uma vida inteira, não há motivo para pressa, pequena.- seu tom de voz ficou mais suave na última palavra e senti meu coração aquecer um pouco. Ele era o fogo ardente que me curaria.
Após entrar em casa ontem, passei a tarde cuidando de meus pais e oferecendo o máximo de ajuda possível. Mas não podia negar que aquele sorriso acolhedor ficou em minha cabeça por horas e horas. Talvez, enfim, eu pudesse ter a vida daqueles sonhos. A vida dos meus sonhos.
Já estava descendo as escadas da casa depois de tomar um longo banho para acalmar minha pele e nervos. Eu vestia um vestido justo no tronco e mais largo no quadril. Era vermelho cor de sangue, fiz questão de me arrumar bem para nosso "primeiro encontro". Pelo menos ia ser o primeiro desde que nós dois nos lembramos.
Meu perfume era de ameixa, para ser tudo como antes. Como se voltássemos no passado. Como se fôssemos o passado.
Minha pele perfumada, macia e quase brilhando. Meus cabelos soltos, sedosos e cheirosos. Estava tudo perfeito. Exatamente como eu sonhava.