53. Aaron

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Estou olhando para Marie quando ela acorda. Ela se espreguiça devagar e quando me vê a olhando, ela sorri. Sinto meu estômago embrulhar porque não estava preparado para mentir para ela, mas eu amava a minha mãe, e tinha que esconder a verdade por ela. Faço meu melhor e abro um sorriso forçado, e a primeira coisa que ela pergunta é:

— Aconteceu alguma coisa? — Nego com a cabeça sem dizer mais nada e passo os dedos pelo seu cabelo. Apesar de parecer desconfiada, ela não contesta. Estava difícil fingir, mas dessa vez eu precisava, pelo nosso bem. Isso iria acabar de qualquer jeito, só estava acelerando um pouco o processo.

Esse negócio que as pessoas chamam de paixão é complicado. Existem pelo menos 11 definições diferentes —de acordo com o Google— e ainda assim, sabia que essa se tratava daquela que pode ofuscar a razão. É tipo saber que vai dar errado, porque é a razão, mas ter a esperança de que a gente vai poder ficar juntos, quem sabe. Era ridículo, isso sim. Mas eu tinha feito minha paz com isso. Não passava de uma paixão temporária, e isso já me servia como consolo. A gente sempre acha que estamos apaixonados, e que aquela é a pessoa da nossa vida, até encontrarmos outra, e entramos em um ciclo vicioso de ilusão. Pode ser terrível.

Ao contrário de paixões, família é para sempre, queira você, ou não. Era o que meu pai costumava dizer. Acho que sua morte nos impactou mais do que gostaríamos de admitir, mas se não enfrentarmos o luto, jamais vamos superar. É o que repasso em minha mente enquanto observo Marie sorrir.

— O que vamos fazer hoje? — ela pergunta, e sinto a culpa corroer meu corpo inteiro. Mesmo assim, coloco uma mecha de cabelo atrás de sua orelha, e peço que ela se troque.

Depois de um tempo, nos encontrávamos novamente no barco, navegando pelo Rio Senna. Eu estava mais quieto do que o normal, e Marie parece perceber isso, mas ela não tenta me pressionar, esse era um dos motivos por gostar tanto dela, ela me entende e compreende o suficiente para saber quando quero, ou não, falar.

— Se você pudesse descrever essa viagem em uma palavra, qual seria? — pergunto. Marie me olha surpresa. Estávamos em pé, bem perto da borda. Era dia de semana, e não estava tão cheio. Marie estava apoiada no corrimão, tentando absorver cada detalhe. Ela coloca o dedo no lábio como se estivesse pensando, porém não dura muito, ela responde com facilidade.

— Inesquecível. É clichê, eu sei, mas se soubesse o quanto isso foi importante para mim, provavelmente daria a mesma resposta. — A analiso por um tempo, e deposito um beijo no topo de sua cabeça.

Ia ser doloroso, não sabia como ela ia reagir, mas não sabia de que outra maneira fazer isso. E por isso eu a beijo. Ela fica surpresa, como se não estivesse esperando por isso, mas depois ela passa a retribuir. Levo minha mão até sua nuca, e ela segura minha blusa com força, para tentar se estabilizar. Eu estava pouco me importando com as pessoas que estavam no barco, e ela parecia não se importar também. Quando sinto que o ar está se esgotando, eu nos separo. Marie me olha com os olhos arregalados, e até mesmo ela parece saber que foi um beijo de despedida.


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Quando chegamos em casa, estávamos sozinhos. Minha mãe deveria estar no crossfit, e meu irmão fazendo qualquer outra coisa. Com sorte ele tentaria se matricular em uma faculdade, quem sabe. Esperava que a nossa conversa da madrugada servisse de alguma coisa, e que não tinha sido em vão.

— Aaron, o que está acontecendo? — Marie finalmente pergunta assim que entramos no meu quarto, como se estivesse impaciente, como se já tivesse esperado o máximo que conseguiu. Solto um suspiro sofrido antes de falar qualquer coisa.

— Marie, precisamos conversar. — Seu olhar não era de preocupação, muito menos medo, parecia até reconhecimento, como se soubesse exatamente do que se tratava. Me sento na borda da cama, e cruzo os calcanhares para me apoiar, mas ela não se senta, ela fica em pé e cruza os braços, me estudando atentamente. — Marie, eu preciso que você volte — falo simplesmente. Se ela fica chateada, não demonstra. A garota arqueia a sobrancelha e espera mais alguma explicação.

— Como? — diz baixinho, foi quase difícil de escutar.

— Não acho que você deva ficar mais aqui em casa — explico. — Nosso tempo juntos foi ótimo, você sabe, mas nós dois sabíamos que isso ia acabar em breve, não sei por que continuamos a adiar o inevitável.

— Você só pode estar brincando, né? — fala de maneira cética, mas desvio os olhos para o chão, não conseguia olhar para ela. — Eu fiquei mais tempo aqui porque você pediu. Eu cancelei as minhas aulas da primavera porque você pediu para eu ficar, e agora, do nada, você quer que eu saia? — O pior de tudo, é que ela estava certa.

— Você está certa — admito, finalmente a encarando. — Mas, Marie, você sabia que isso poderia acontecer. Assim como você, tenho milhares de coisas para resolver aqui em casa, e eu não posso consertar as coisas se tiver você na minha cama — falo e ela parece se ofender.

— Não fale sobre a minha vida como se você soubesse o que preciso, ou não, consertar. Você me conhece a menos de três meses.

— Exatamente! Eu te conheço a menos de três meses, e ainda assim, aqui está você, morando na nossa casa, até onde sei, você pode ser uma assassina — digo tentando amenizar toda a situação, talvez um alívio cômico, mas ela apenas solta uma risada curta e sarcástica.

— Entendi. Então é isso? Eu vou embora com essa explicação de merda e acabou? — pergunta.

Dou uma pausa antes de responder. Levo minhas mãos as minhas têmporas e massageio em uma tentativa de diminuir a tensão. Isso era ridículo. Eu era ridículo, e é por esse motivo que solto a maior mentira que já falei em toda a minha vida.

— Não me arrependo do tempo que ficamos juntos, muito pelo contrário, me diverti muito, você é uma garota incrível, mas não é a garota certa para mim. Ficar todo esse tempo com você, só me fez perceber que eu ainda gosto de Katherine. — Isso parece acender uma chama dentro dela, vejo seus olhos ficarem mais escuros, e ela balança a cabeça sutilmente, como se não pudesse acreditar nas palavras que acabei de falar.

E é naquele momento, que soube que quebrei seu coração.

— Você é tão covarde a ponto de mentir na minha cara, Aaron — ela diz e quase me retraio com a verdade. — Você tem razão. Eu não sou a garota para você, e estou feliz que percebi isso antes de fazer qualquer coisa da qual pudesse me arrepender depois. Acho que tenho que te agradecer, afinal.

Marie vira as costas para mim e em passos largos vai em direção ao seu quarto. Eu a sigo, porque é tudo o que consigo pensar no momento.

— Marie — a chamo, e ela se vira bruscamente, para escutar o que tenho a dizer, e esse é o problema, eu não sei o que dizer. Quando ela percebe isso, ela solta outra risada sarcástica e se fecha no quarto. A porta bate com força, fazendo um som ensurdecedor na casa enorme e vazia.

Eu estava com raiva de mim mesmo. Tudo o que ela falou era verdade, mas o meu pensamento também era verdade, eu estava fazendo isso para proteger a minha família. Falei sério sobre precisar consertar as coisas em casa, e por isso não podia ter ela aqui, mas a mentira sobre Katherine foi totalmente descarada, e ela sabia. No entanto, não podia simplesmente falar que minha mãe estava tentando arrumar um jeito de pegar sua herança, não sabia o que ela poderia fazer caso descobrisse.

Frustrado, dou um soco na porta, e volto para meu quarto, não tinha muito o que fazer agora. Poderia focar em fazer uma mudança extrema, e quem sabe, até conseguir comprar a empresa do meu avô.

Se fosse para encontrar Marie no futuro, o destino iria arranjar um jeito de nos unir, de qualquer forma, eu seria eternamente grato por ela impulsionar essa mudança em nós. Nada do que eu fizesse seria o suficiente para agradecê-la, ainda mais depois de ter falado tudo o que falei em sua cara.

Eu poderia tentar ser melhor depois, mas agora, já era tarde demais.

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