Capítulo 28 - Você Morrerá Sozinho No Abatedouro

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"Torna-te aquilo que és!" 

— Píndaro

— Píndaro

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A noite o aterrorizava, era como um bicho papão aguardando seu sono para que atacasse sua mente com pesadelos. Carlos sequer conseguiu pregar os olhos naquela noite, talvez fosse por Alissa dormir na mesma cama que ele depois de semanas internada, por mais que fosse mais jovem que ele, as feridas da mulher o causavam repulsa, sequer sentia vontade de tocá-la, e muito menos dormir virado para o rosto dela; era como se os hematomas emitissem algum cheiro que o espantava, sem falar do odor de formol que impregnou-se na mulher. Sem dúvidas, Carl estava mais perto da morte em comparação a Alissa, mas parecia que dormia com um cadáver que virava-se de um lado ao outro na cama, como se aconchegasse-se no caixão. Até lembrava sua mãe com o rosto sempre abatido pelo cigarro, somado àqueles cabelos loiros, sem dúvidas, via em Alissa a maternidade escondida que sua mãe nunca lhe dera.

Ao menos a última dose de amor, ou seja lá o que corria no coração daquele homem, ainda o mantinha com empatia o suficiente para dormir na mesma cama que ela, visto que para ele, não seria problema passar o resto de sua vida dormindo no sofá ou em uma cama improvisada na hidromassagem da suite.

Carlos calçou suas pantufas e levantou-se cuidadosamente da cama, não queria acordar aquele cadáver de sono leve, se é que acordaria depois de chorar a tarde toda até cair no sono. O estômago do homem revirava-se, a tremedeira tomava conta de seus braços, enquanto sua cabeça ruminava pesada sobre os acontecimentos de sua vida.

Ele encarou o rosto sonolento de Alissa, que contraía-se em expressões de raiva e medo, certamente o bicho papão havia atacado-a, enquanto esperava que o homem caísse nos sonhos para que pudesse jogar todos seus medos em sua cara. Por mais que aqueles hematomas o causasse aversão, sentia dó pela mulher, mas acima de tudo, medo do que pudesse acontecer com seu castelo de cartas como governador.

Carlos cambaleou pela penumbra da casa, enquanto a tremedeira espalhava-se pelo resto de seu corpo. Ao alcançar o armário dos remédios no banheiro, engoliu logo dois comprimidos de uma vez só. O homem apoiou-se na pia, permaneceu encarando seu reflexo no espelho. Sequer acreditava que aquele fosse ele de verdade, as rugas estavam amostra como nunca, olheiras fundas que dominavam seu rosto e uma expressão abatida que sequer entendia o porquê estar vivendo aquilo.

Com o estômago embrulhado, ziguezagueou à cozinha, onde deixou a luz da geladeira banhar tudo ao redor, enquanto seus olhos procuravam algo que amenizasse as contrações na barriga. Carlos sacou uma maçã e, entre o som da borracha da geladeira selando o ar frio no interior, passos ressoavam pelas suas costas, ao virar-se, deparou-se com Ricardo esgueirando-se na escuridão com folhas amareladas em suas mãos.

Com um gesto para que fizesse silêncio, o homem de jaleco aproximou-se. O velho tentou gritar, mas somente um sopro emudecido saiu de sua garganta, enquanto suas mãos desesperavam-se ao redor em busca de algo para proteger-se.

O Abismo Temporal de Jack BruceOnde histórias criam vida. Descubra agora