Mesmo as pessoas que dizem que tudo está predeterminado e que não podemos fazer nada para mudá-lo, olham para os dois lados antes de atravessar a rua.
— Stephen HawkingAs estrelas eram ocultas pelo brilho da cidade. Entre os prédios baixos das ruas adjacentes menos movimentadas, erguia-se pedante ao horizonte, o prédio negro da farmácia de manipulação.
James rompia a passos preocupados. Havia algo de errado naquela noite, a polícia que costumava rondar a porta da farmácia em que James trabalhava, não havia nem deixado o rastro de sua sirene, ou de suas luzes vermelho e azul.
O vento zumbia entre os prédios baixos, afastando as pedrinhas da calçada para longe, criando uma sensação de estar sendo perseguido. Ao olhar para trás, não havia nada além da breve escuridão.
A iluminação precária mostrava o descuido com as partes menos movimentadas e as mais pobres. Mesmo que ficassem ao lado da rua principal da cidade. O vento frio das noites de inverno sulistas circulavam por todo corpo do rapaz, o obrigando a parar por alguns segundos, tirar sua mochila e vestir uma blusa de frio.
Um passo ecoava atrás dele, seguido de uma voz masculina:
— James!
Ele virava-se. A adrenalina corria em suas veias, a sensação de querer correr dominava seu corpo, mas o medo o paralisava.
Ao olhar para trás, um homem alto trajado com um elegante terno preto e um chapéu Fedora cobrindo sua cabeça, projetando uma sombra sobre metade de seu rosto.
— já nos conhecemos antes! — O homem continuava — Preciso de uma ajuda sua...
— Eu lembraria se nos conhecêssemos... — Ele resistia em querer fugir.
— No dia em que você estava no hospital visitando a mãe do Rick! Não se lembra de mim no elevador?
James insistia na fuga, dava um passo para trás. Contudo, o homem segurava seu braço com força o suficiente para deixar um marca.
— Quem é você?! — James perguntava.
Gotas de suor brotavam em sua pele. Em sua mente ele quase estava implorando para que ele o deixasse ir, mas nem palavras cabiam em sua boca.
— Neste tempo, me chame de Viajante! Agora, venha comigo! — Ele puxava James para o caminho contrário ao que o garoto ia.
— O que quer comigo?! — Ele hesitava.
— Não vou te machucar! Apenas quero um favor!
— Socorro! — gritava com todo seu anseio de permanecer vivo.
Uma tentativa em vão. O Viajante pressionava o garoto contra o muro de uma casa, ele repousava sua mão sobre a boca de James, deixando a maleta cair no chão. Com a outra, fazia um sinal para que fizesse silêncio. Ao terminar, levava a mão ao interior do terno, de onde tirava um revólver.
— Não quero te machucar, mas você não está cooperando! Volte pra farmácia em que você trabalha, estarei bem atrás de você, não tente nada!
Ambos se dirigiam à porta.
Um carro preto virava a esquina logo atrás, faróis baixos e insulfilmes pretos assustavam o Viajante, que o apressava cada vez mais a abrir.
O trinco da porta destrancava, Ricardo rompia para o interior, escondendo-se atrás dos portões que protegiam a farmácia, apontando a arma para o garoto. O carro passava lento, como se o condutor procurasse algo, ou alguém.
James permanecia estático fitando o vidro com esperanças de que alguém percebesse que ele corria perigo. Contudo, o carro passava reto.
— Agora tranque a porta e me leve aos estoque de remédios!
James obedecia. As luzes quase apagadas da rua já não banhavam os dois rapazes. Prosseguiam pelo escuro, esbarrando em quase tudo que estava no caminho.
Ao chegarem no estoque, Ricardo retirava um celular do bolso do terno, ele apontava a luz intensa para James, quase cegando-o.
— Agora me dê todos os seus livros!
— O quê?!
— Ande logo! — O Viajante engatilhava o revólver.
O rapaz começava a retirar meia dúzia de livros sobre farmacêutica enquanto insistia:
— Por que está fazendo isso comigo?
— Apenas não tente nada, não quero te machucar! Coloque tudo dentro da maleta. — Ricardo abaixava o celular e estendia a maleta aberta ao garoto.
O Viajante rompia apressando James para fora da farmácia e completava:
— Você está contribuindo para um bem maior...
Cada um seguia para um lado, James ainda em choque, caminhava sem compreender muito o que havia acontecido.
Após caminhar por alguns quarteirões, ele chegava numa parte um pouco mais ao centro, rua bem iluminada, calma, deixava os prédios de dezenas de andares darem espaço aos mais baixinhos, fazendo emergir casar de muros altos por todos os cantos. As mesmas frentes sem graça padrões de moradias classe média: um portão branco com algum tipo de planta próximo a entrada.
Ao adentrar, ele cruzava o quintal gramado e chegava à casa. Seu pai estava a frente da televisão, sentado em sua cadeira de rodas a espera de James. Que abria a porta demonstrando seu olhar vazio e preocupado.
— O que aconteceu?!
Seu pai se preocupava, afinal, o garoto sempre chegava sorridente em casa, mas dessa vez, seu sorriso fora roubado por um homem que nem mesmo pertencia ao seu tempo.
— Não é nada, apenas vi uma mulher sendo assaltada e... Eu não pude fazer nada...
— E como foi na faculdade?
— Foi bem. — Ele dava um ponto na conversa e rompia ao seu quarto para trocar de roupa.
Uma suíte simples com estilo. Nas paredes alguns posters de bandas como: Kiss, Beatles e Black Sabbath. Seu quarto sempre permanecia organizado, afinal, não havia muitas coisas além da cama, um guarda roupa e uma cômoda onde ele sempre guardava seus livros da faculdade. Contudo, desse dia em diante, não passaria de mais um lugar vazio para acumular poeira, para sempre lembrá-lo do assalto.
James se despia e caminhava para o banheiro.
A água quente escorria pelo seu corpo, geralmente aquele era seu momento de relaxamento, contudo, ele se lamentava internamente:
“Por que não consigo ser como meu pai? Agir nas horas certas...”
Além de todo pragmatismo, as ameaças de Carl retornavam à sua mente, acompanhadas do sentimento de fragilidade que sentira com uma arma apontada para ele.
Com as dúvidas, seu olhar despencava junto à água do chuveiro. Seus soluços eram abafados pelo barulho de água.
Pouco tempo se passava após o choro e lá estava James, em pé na frente do fogão fazendo a janta para ele e seu pai. O garoto foi obrigado a fazer tudo desde cedo, afinal, seu pai já estava metade de uma vida preso na cadeira de rodas, impossibilitado de fazer a maioria das coisas.
— Por que você está tão calado, meu filho?
— Eu já disse...
— Ah! O assalto... Uma coisa que aprendi na polícia: é que independente do que aconteça, se nenhuma vida for perdida, você já fez sua parte! Deus vai punir quem causou o mal.
— Mas... Eu só fiquei parado olhando! Ela perdeu algo de valor sentimental, e eu... Poderia ter impedido!
— Como sabe que era de valor sentimental?
—... — James dizia pouco mais pausado, pensando em uma resposta. — O jeito que ela entregou a bolsa, parecia ter algo assim lá dentro...
— E você tentou confortá-la?
— Não... Fiquei com medo...
O rapaz remoía cada vez mais aquele sentimento de culpa, pensava que se nem mesmo conseguia se confortar minimamente, imagina se tentasse com outra pessoa.
— Essa é a parte mais importante depois de um choque como esses, mas tudo bem, você não sabia, é normal sentir medo!
Até quando ele iria esconder isso? Sabia que uma hora iria deixar escapar. Contudo, ele sempre tentava esconder seus problemas com um sorriso no rosto, sentia que seu pai passara por coisas muito piores e ainda tinha o peso de dormir com um vazio todas as noites por ser incapaz de quase tudo. Por isso deveria cuidar dos próprios problemas e não arranjar mais para seu pai.
No jantar: a mesma melancolia, olhares baixos nos próprios pratos e nenhum assunto, não naquele dia.
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O Abismo Temporal de Jack Bruce
Science FictionJack recebe uma ligação misteriosa de uma idosa pedindo para investigar um caso aparentemente banal, mas o rapaz descobre que o lugar de onde veio a ligação está abandonado há décadas, sedento por dinheiro para conseguir tratar o câncer de sua mãe...