Motivados a sair da cabana, Jack e seu avô conferiram o que restou da casa, contudo, agora aquele casarão de dois andares não passava de uma memória póstuma reduzida a cinzas. Apenas algumas armações e nada mais, o fogo consumiu cada pedaço de madeira que existia ali e ao redor, a floresta dava espaço para um corredor preto de cinzas e restos destruídos de árvores, uma vista ampla de quase dois quilômetros de pura madeira queimada, a sorte dos dois era que o vento soprou para o lado contrário da cabana, caso contrário, o destino seria o mesmo. Caso não morressem queimados na cabana, morreriam assados no subsolo.
Entre as cinzas, marcas de pneus estavam cravadas sobre a terra desnuda de suas gramíneas. O aspecto barroso tomava conta de tudo, a mera beleza que havia naquele lugar desapareceu com aquele cenário caótico de morte e desespero.
— Bombeiros? — Questionou Jack ao observar as marcas.
— Certamente, além da polícia e talvez alguns repórteres, tem várias marcas diferentes.
— "Repórteres"... — Jack lembrou-se de Melissa.
Ao caminharem pelo corredor morto de cinquenta metros de largura e quase uma infinidade de comprimento, pessoinhas surgiam no horizonte, catadores de pinhão que aproveitavam as árvores caídas e ainda inteiras para coletarem. Pessoas que dependiam daqueles frutos para sobreviverem, apenas um retrato da desigualdade do Brasil daquela época e que se estenderia para as gerações futuras, mas, lógico, longe do paraíso que Ricardo construía.
— Uns dez quilômetros para frente tem uma comunidade de catadores, ou é uma tribo indígena, eu acho, fico surpreso o quanto andaram para chegarem aqui...
Ambos começaram a colher os pinhões que não foram incinerados pelo incêndio, era a única escolha para que tivessem algo para comer, uma vez que ir à cidade era como aceitar a morte, Ricardo poderia estar em qualquer lugar, vigiando-os. Mesmo que passassem algumas horas coletando os frutos, não haviam muitos que poderiam ser aproveitados, as chamas devoraram a maioria. Ao menos, sobre a mesa da cozinha eles pareciam mais apetitosos, caso a fome do meio dia fosse muita, talvez até os que estavam com péssima aparência estivessem gostosos.
Jack foi ao banheiro para lavar as mãos sujas de cinzas. Diferente da casa que fôra ao chão, aquele banheiro estava incompleto, não era de grande importância, visto que antes tinham o banheiro daquela casa. Na cabana, sequer colocaram piso naquele cômodo, o chão era de concreto e o vaso era apenas um buraco no chão, porém, ao menos havia a pia, em que podia lavar-se, além do espelhinho de bordas de plástico ao lado da torneira, onde Jack podia ver seu reflexo. Seu sobretudo que sempre usava estava aos pedaços, repleto de buracos e queimaduras, era impossível usar aquilo que um dia era um reflexo da personalidade de um personagem fictício que almejava ser, Jack não era Sherlock, estava muito longe de ser. Com um olhar saudosista, retirou seu velho amigo trapo e agora só restava as roupas de época que seu avô o emprestou.
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O Abismo Temporal de Jack Bruce
Science FictionJack recebe uma ligação misteriosa de uma idosa pedindo para investigar um caso aparentemente banal, mas o rapaz descobre que o lugar de onde veio a ligação está abandonado há décadas, sedento por dinheiro para conseguir tratar o câncer de sua mãe...