Capítulo 1| Ian

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'What makes a grown man wanna cry?
What makes him wanna take his life?
His happiness is never real
And mindless sex is how he feels, ooh, he feels'

I was never there, The Weeknd

Sábado, 30 de setembro

Embora sejam constantes, as mudanças na minha vida nunca foram algo simples. Nos meus dezoito anos de experiência, nunca consegui encontrar algo ou alguém que permanece-se por muito tempo comigo e fui perdendo qualquer resquício de esperança de que alguma vez isso viesse a acontecer. Nunca me contentei com pouco e sempre procurei melhor.

A mais recente mudança foi a minha entrada na universidade. Assim que terminamos o secundário, eu e o meu melhor amigo decidimos candidatar-nos à faculdade de engenharia mecânica devido à nossa paixão por Fórmula 1, mais especificamente pela composição dos carros, que atingem velocidades alucinantes. Não imaginávamos, contudo, que iríamos conseguir entrar numa das universidades mais prestigiadas da Europa.

Aguardo pela ligação de Ricciardo dentro do carro, no estacionamento da universidade. As colocações foram divulgadas hoje de manhã e, para nossa surpresa, fomos aceites no melhor estabelecimento de ensino superior da região. Mal recebemos a notícia, saímos definitivamente da casa dos nossos pais e viemos em busca da chave do nosso dormitório, um espaço onde pretendemos formar um lar nos próximos meses.

O meu telemóvel vibra e eu desvio o olhar da entrada do edifício para o ecrã. Deslizo o dedo pela tela e aproximo o aparelho da minha orelha, ouvindo a voz eufórica do meu amigo.

- Estamos incluídos na turma B do curso de engenharia mecânica na melhor universidade nacional. - Ricci informa.

- Sempre acreditei na nossa capacidade, parceiro. - demonstro confiança. - Vamos sair daqui licenciados e preparados para ingressar numa equipa de F1.

- Não aceito menos! - exclama. - Vou só recolher as chaves do nosso dormitório e já te encontro.

Desligo antes que ele se alonga-se demais. Ricciardo é um ótimo amigo e sempre me apoiou, mas devo admitir que é necessário interrompe-lo antes que comece a falar pelos cotovelos, na maior parte das vezes.

Pressiono o botão que automaticamente liga o meu Porsche GT3, fazendo soar o seu motor. Comprei este belo automóvel no meu décimo oitavo aniversário, há cerca de três meses atrás, presenteando-me a mim próprio.

Os meus progenitores são proprietários de uma vasta rede de imóveis e empresas. A mansão onde residem foi considerada a quinta maior propriedade europeia. De facto, a imensidão daquela casa auxiliou-me a esconder-me de todos e remeter-me ao meu gigante quarto. Eu tinha todo o conforto lá dentro, e preferia estar sozinho do que na companhia deles.

A minha relação com os meus pais nunca foi boa, particularmente devido à popularidade e grandiosidade da imagem deles. Na minha infância, raramente os via ou conversava com eles. Estava constantemente rodeado de empregadas domésticas e elas faziam o que podiam para me garantir conforto. Por esse mesmo motivo, estou a sair de casa na primeira oportunidade que surgiu. Cresci sendo pressionado pelos mesmos, que constantemente me diziam para ingressar pela carreira de empresário. Todavia, usar um terno e gravata nunca me agradou.

Sempre disse que iria decidir o meu futuro e não faria qualquer escolha em função do que agrada aos meus progenitores. Contudo, sair de casa contra a vontade deles deixou-me por conta própria, ou seja, terei de gerir o meu dinheiro com maestria.

Ricciardo foi o único indivíduo que não se aproximou de mim por ganância e, desde então, considero-o o irmão que eu nunca tive. Os pais dele também foram sempre muito carinhosos comigo, acolhendo-me de braços abertos independentemente das circunstâncias, e eu sou extremamente grato pela generosidade deles.

A porta do carro abre-se e o meu mais recente colega de quarto entra. Abandono os meus pensamentos e fito-o, constatando a sua animação.

- Desculpe-me por interromper os seus pensamentos profundos, senhor engenheiro. - indaga em tom de brincadeira e balança as chaves. - Isto é incrível, Ian.

Saio do estacionamento em direção ao bloco de dormitórios, ouvindo o seu relato pacientemente. Ricci enumerou todos os detalhes do edifício e deixou-me maravilhado com a sua descrição.

Chegámos ao bloco número três, relativamente pouco tempo depois. Estacionei o carro ao lado de uma BMW de modelo recente e saímos do veículo. Apreciei por breves momentos a viatura negra ao nosso lado mas rapidamente entrei no edifício, seguindo Ricci pelas escadas acima.

Identificamos o nosso andar e ficamos em dúvida sobre qual seria o dormitório reservado a nós, uma vez que haviam duas portas. Todavia, antes que pudéssemos pensar, duas jovens saíram de um dos dormitórios.

- Boa tarde! - cumprimentaram-nos, descendo as escadas posteriormente.

- Boa tarde. - Ricci abriu um sorriso, claramente interessado.

Eu não consegui formular uma palavra sequer, então mantive-me calado apenas a observa-las até desaparecerem do meu campo de visão, o que não demorou mais do que alguns segundos.

- Um pouco mais de simpatia era perfeito, mal-humorado. - comentou.

- Cala a boca. - respondi, abrindo a porta do lado esquerdo.

Fiquei estupefato com a qualidade do espaço. Normalmente, os estudantes que optam por se acomodar em sítios assim possuem duras críticas, mas eu escolhi minuciosamente este bloco por ter as melhores condições. Consequentemente, é o bloco de dormitórios mais caro de toda da universidade e acomoda estudantes de todas as faculdades. O poder económico dos hóspedes é evidente devido, essencialmente, aos veículos dispostos no estacionamento.

Explorei todo o pequeno apartamento, constituído por um espaço que inclui a cozinha e uma sala minúscula, dois quartos de tamanho médio e uma casa de banho. Em comparação com a minha antiga residência, é algo extremamente humilde, mas alguns detalhes como o ar condicionado, a tecnologia integrada em todos os cómodos e a arquitetura moderna, conferem um ambiente agradável.

A boa iluminação, a decoração simples e adequada, a neutralidade das cores, a organização e a higiene surpreendeu-me positivamente, além da sustentabilidade. Ricciardo também teve uma primeira impressão positiva, então apressámo-nos a organizar minimamente os nossos pertences nos quartos.

Hoje queremos sair para jantar e conhecer a cidade. Ricci fez uma lista dos estabelecimentos noturnos mais famosos e pretendo acompanhá-lo. Temos de ser responsáveis e priorizar os nossos objetivos académicos, mas não vamos deixar de aproveitar bastante. Somos universitários e sabemos exatamente como nos divertir. Os veteranos são especialistas em organizar festas e eu estou ansioso por conhecer pessoas novas.

- O nosso novo lar é confortável. - Ricciardo admite, quando nos encontramos novamente na sala. - Pelo menos, temos vizinhas interessantes.

- Sempre atento a tudo. - brinco.

O meu amigo nunca perde a oportunidade de apreciar as mulheres e as nossas vizinhas parecem ter chamado a sua atenção.

- Não me podes julgar. - ele nota e eu concordo. - Mas vamos ter bastante tempo para discutir sobre isso, espero eu.

Gargalho com a expressão que ele exibe, como se as duas estivessem incluídas na lista dele de diversão nos próximos tempos. Vou ter de ser bem firme para garantir que nenhum de nós reprova em alguma cadeira, pois isso atrasaria o nosso grande sonho.

Não me deixesOnde histórias criam vida. Descubra agora