Capítulo 55| Mathilde

32 1 0
                                    

'Somethin' 'bout you
Makes me feel like a dangerous woman
Somethin' 'bout, somethin' 'bout
Somethin' 'bout you
Makes me wanna do things that I shouldn't'

- Dangerous Woman, Ariana Grande

Terça-feira, 13 de fevereiro

Amanhã é o dia de São Valentim e eu não estou a conseguir lidar com a quantidade de falsidade que me rodeia. A universidade está toda decorada com corações e imagens de cupidos. Os casais estão ainda mais lamechas do que o habitual, embora metade dos relacionamentos sejam baseados em mentiras e traições. As redes sociais estão repletas de anúncios, desde lojas e restaurantes até hotéis, com ofertas absurdas.

"Os dias comemorativos são um produto do capitalismo", já dizia o meu pai.

É completamente ridículo alguém gastar tanto dinheiro para fazer uma demonstração de amor num dia em específico e não se esforçar minimamente para agradar o seu companheiro nos restantes dias.

Pessoalmente, não tenho nenhum plano para amanhã. Vou simplesmente cumprir a minha rotina habitual e evitar espaços com multidões carinhosas. Nunca pensei que a felicidade dos outros fosse aborrecer-me tanto, mas posso imaginar o motivo da minha mudança repentina de humor.

Ontem, eu e o Ian discutimos novamente. Eu estava exausta e acabei por descarregar a minha frustração nele. Sei que ele ficou magoado quando lhe disse que não conseguia confiar nele, mas não consigo simplesmente desativar o mecanismo de defesa que criei involuntariamente para me proteger dele.

Foi o moreno que se afastou, que desapareceu de um dia para o outro sem deixar qualquer rastro, que me fez passar noites em claro a pensar em algo que eu pudesse ter feito errado. Ele brincou com os meus sentimentos, de certa forma, e eu não poderia perdoá-lo tão facilmente.

Reconheço que tenho tentado evitá-lo ao máximo para impedir que ele tenha uma oportunidade de me reconquistar. Tenho fugido da reconciliação como o diabo foge da cruz, como o próprio disse durante a discussão.

Respiro fundo, aperto o robe contra o meu corpo com firmeza e abro a porta da casa de banho. O moreno está, como sempre, deitado na cama, a mexer no telemóvel, com o tronco nu. Evito olhar para ele, para a minha própria sanidade, uma vez que dormir ao seu lado todos os dias já é tortura suficiente.

Sinto o seu olhar queimar-me quando me viro em direção ao closet. Admito que deveria ter separado a roupa antes de ir tomar banho para não me submeter a este constrangimento, mas a minha intenção não era provocá-lo. Estava a analisar o armário onde guardo o calçado quando ele entrou no closet, tornando o espaço automaticamente claustrofóbico.

- Perdão. - o seu sorriso é convencido, mas eu encaro-o com indiferença. - Preciso de me vestir, vais demorar?

- Não. - respondo firme. - Tens o espaço todo para ti.

Estava prestes a sair do closet com a roupa, mas ele interrompe-me com uma voz estranhamente calma. Respirei fundo e voltei a fitá-lo, mas arrependi-me no exato segundo em que os nossos olhares se cruzaram. A imensidão das suas íris escuras libertou as borboletas no meu estômago e eu dei um passo para trás instintivamente.

- Vais sair? - sussurra.

Engulo em seco e recomponho-me. Não podia mostrar fraqueza, senão ele nunca desistiria.

- Não tens nada a ver com isso. - afirmo convicta.

- Claro. - os seus lábios curvam-se levemente e ele desvia o olhar, negando com a cabeça. - Sempre com a guarda levantada.

- Foste tu que me obrigaste a ser assim contigo. - cuspo com veemência.

- Quem é o sortudo? - pergunta.

- És mesmo um idiota. - pontuo com irritação.

Ian pensar que existe outro é uma ofensa para mim. Estive a sofrer este tempo todo, numa ansiedade interminável, a culpar-me pelo afastamento dele, enquanto ele pensa que ignorei simplesmente a sua ausência e encontrei alguém para o substituir.

- Eu sei que não há ninguém, morena. - aproxima-se. - Não por falta de oportunidades, mas porque és fiel ao que nós ainda temos. Se não tivéssemos nada, não estaríamos a dormir na mesma cama. E, lá no fundo, és tão apegada a essa pequena parte de nós como eu.

- Não estavas com pressa para te vestires? - tentei ignorá-lo mais uma vez, mas, aparentemente, o moreno cansou-se de ceder às minhas tentativas de o afastar.

Não tive tempo para raciocinar. Só o assisti arrancar a roupa dos meus braços, atirá-la para cima da cadeira e segurar o meu corpo firmemente. O seu perfume invadiu o meu olfato, ao mesmo tempo em que os seus lábios chocaram contra os meus. A surpresa fez uma sensação nova explodir dentro de mim e não resisti ao ímpeto de retribuir o beijo com a mesma intensidade.

De repente, o closet ficou demasiado quente e comecei a ficar tonta. Estava tão atordoada que não consegui conter um gemido quando o moreno deslizou a mão da minha cintura até o meu rabo, dando um aperto firme, enquanto me reivindicava para si, possessivamente.

Ian desce beijos pelo meu pescoço e abraça-me com força, repousando a cabeça no meu ombro.

- Amo-te. - ele solta um suspiro que faz um arrepio descer pela minha coluna.

Volto a encarar, finalmente, o seu bonito rosto. O brilho no seu olhar roubou-me a pouca resistência que ainda me restava e eu obriguei-me a falar, antes que fizesse algo de que me fosse arrepender mais tarde.

- O que queres? - disse fraca.

- Isto não é sobre o que eu quero. - a sua respiração era irregular, demonstrando o quão afetado ele ficou pelo nosso momento inesperado. - É sobre o que nós os dois queremos, amor.

- Ian... - suspiro, saindo do seu abraço.

- Só quero que me dês uma noite para te provar que é um grande erro continuarmos longe um do outro. - pede. - Só nós os dois, amanhã.

Mantenho-me em silêncio, avaliando a sua proposta sob o seu olhar atento. Fiquei sem reação, mas isso não o fez recuar. Esperou pacientemente pela minha resposta.

- Tudo bem. - suspiro.

Acabo por ceder, porque percebo que travar uma batalha comigo mesma será inútil. Teremos a casa só para nós, uma vez que Valentina e Thiago vão viajar e Francesca e Ricciardo vão passar a noite no hotel mais requintado da cidade. Ian com certeza apercebeu-se de que ficaríamos dois dias completamente sozinhos e quis aproveitar a oportunidade para, finalmente, conseguir o que tanto deseja: a reconciliação.

Não sei exatamente o que vai acontecer entre nós amanhã, mas espero que não me arrependa de lhe ter dado outra chance. Sei que o moreno não faria nada sem o meu consentimento, mas mesmo assim a ansiedade corrói-me por não saber o seu plano.

Resta-me esperar pacientemente.

Não me deixesOnde histórias criam vida. Descubra agora