Capítulo 2

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       Me sentei na beira da cachoeira, vendo a água cair até embaixo. Não evitei que algumas lágrimas caíssem, acordei com um peso no meu coração, e percebi que era saudade.
        Ainda não havia parado para pensar em quanto tempo tinha passado desde aquela noite. Às vezes podia sentir o sangue em minhas mãos e o som que ouvi quando ataquei aquele homem com uma pedra.
        Sete anos, sete anos desde que meus pais morreram, não por causas naturais, mas assassinados. Ainda me pergunto o que eles fizeram para merecer tal destino.
        Sete anos desde que eu matei pela primeira vez e me senti forte. Sete anos da minha morada em Millandus. O que as pessoas pensam de mim?
        A garota assassina?
        Talvez eu fosse mesmo uma assassina, mas tinha matado para sobreviver, era eles ou eu.
         Olhei para o horizonte, conseguindo ver a extensão do reino até os muros que o cercam. A torre da igreja se destacava entre as construções médias.
          E então a vi. A unidade de iniciação da guarda real. Percebi que aquele prédio cor vinho era da guarda quando soldados saíram pela porta.
        Era grande e ficava no meio de um espaço aberto, longe da cidade, isolado do resto do povo. Ali seria meu próximo destino depois das provas finais.
         Se eu conseguisse.
        

Horas e horas se passaram, até eu conseguir ver o sol quase se pondo. Não tinha percebido o quanto tempo fiquei na caída dos cristais, mas me sentia muito melhor.
        Escutei barulho na mata de repente. Meu coração deu um salto e me obriguei a levantar. Busquei minha adaga presa ao cinto e a segurei com força.
         Observei a entrada da trilha que levava até ali, ouvindo meu coração bater no ouvido, a pulsação estava elevada.
         O barulho estava cada vez mais perto, como se alguém estivesse subindo a trilha em minha direção. Me coloquei em posição de ataque e esperei.
        Mais perto, mais perto, até que...
       — Rose? O que está fazendo com essa adaga? — Perguntou Amanda olhando diretamente para a arma em minhas mãos.
         Suspirei aliviada.
       — Que susto você me deu, Amanda.
       — Desculpa, Ed me contou que você estava aqui quando não apareceu.
        — Achei que os Rosário fossem inteligentes, não fofoqueiros — guardei a adaga e me sentei novamente.
        — Eu dei meu jeitinho — falou ela em um tom brincalhão e se sentou ao meu lado.
        — Perdi algo interessante?
        — Não, só o Marcus se gabando dos músculos de novo.
        — Entendi...
        — Você está bem? Parece um pouco triste.
        — Eu... estou sim, só... sinto falta deles — continuei olhando para o pôr do sol.
        — Ah... — ela fez um breve silêncio e continuou —, se precisar conversar estou aqui, prometo não contar para ninguém.
        — Eu estou bem.
        Me assustei quando Amanda colocou as mãos no meu rosto, forçando-me olhar para ela.
        — Conta comigo para qualquer coisa, está bem? Você não tem que lidar com isso sozinha — e me soltou.
        Senti meu coração acelerar e minhas bochechas queimarem.
        — Obrigada...
        Amanda sorriu para mim, o sorriso mais bonito que eu já vi.
        — Sabe, meu pai costuma dizer que as pessoas precisam de uma figura de apoio, de um ombro para chorar — Amanda desviou o olhar de mim para o pôr do sol —, serei seu ombro e seu apoio se quiser.
        — O que... você acha de mim?
        — Eu? Bom, você é uma pessoa legal, um pouco fechada, mas legal.
         Pensei se poderia contar a ela sobre o que fiz no passado, mas fiquei com medo.
         Então ficamos ali observando o sol se pôr até anoitecer.

Estávamos voltando pela trilha depois de descer a cachoeira quando Marcus e Edward nos encontraram.
         — Ei, Rose! — Cumprimentou Marcus —, não estava chorando lá em cima, estava?
         — Quer levar um soco? — Ele riu.
         — Onde você vai? — Perguntou Ed.
         — Voltar para casa — respondi.
         — Nem pensar, acabamos de chegar, você não irá para casa agora — Marcus interrompeu.
         — O que você tem em mente? — Amanda repousou suas mãos em sua cintura.
         — Vamos jogar um jogo — respondeu ele com malícia.
         — Aí não... — murmurei.
         — Está escuro demais para jogar O Canto da Sereia.
         — No escuro fica ainda melhor!
        O canto da sereia foi criado por Marcus. O jogo consistia em nos espalharmos ao redor do lago, éramos separados em dupla e tentamos pegar uma pedra no campo do adversário, e depois derrubar os outros na água. O vencedor seria a dupla que estivesse seca e em posse da pedra inimiga.
        A dificuldade do jogo não estava em derrubar o adversário na água, mas em conseguir chegar a eles. Edward sempre vencia por conta da sua inteligência.
        — Então... vamos jogar — sorri. Eu tenho que ganhar dessa vez.
        Nos espalhamos ao redor do lago, observei Edward e Marcus do outro lado, Amanda era minha dupla.
        Estratégia, o melhor jeito de jogar seria usando estratégia, e montei uma invencível com ela. Edward e Marcus correram em nossa direção, como em todas as vezes que jogávamos.
         Esperei um pouco, sentido a respiração nervosa de Amanda perto e mim. Esperei mais um pouquinho até que eu e minha dupla colocamos nossa estratégia em curso.
         Agarrei o braço de Amanda e girei meu corpo, colocando-a atrás dos meninos. Senti as mãos de Edward contra meu estômago e segurei seu antebraço.
         Passei minha perna pelo meio das dele e usei meu ombro para levantá-lo. Dobrei meu joelho esquerdo e flexionei meu corpo para baixo.
          Com toda a minha força eu o joguei na água, mas quando olhei para Marcus, ele já estava indo na direção de Amanda para impedir que ela pegasse a pedra.
          Avancei contra ele a tempo de agarrá-lo por trás. Entrelacei minhas mãos em seu estômago e tentei usar minha força para puxar Marcus para trás.
        — Vai Amanda! — Gritei movendo minha cabeça na direção de onde estava nossa pedra. O próximo passo do jogo, levar a pedra adversária para a nossa área e colocá-la do lado da outra.
         Marcus rangeu os dentes e começou a andar na direção de Amanda, me arrastando junto com ele, a força dos Infeor estava o ajudando.
         De repente me lembrei do que disse a ele no dia anterior. Ser grandão não é ser habilidoso.
         Habilidade, precisava de habilidade. Amanda estava hesitando a passar do nosso lado, mas então, dobrei meu corpo para a direita, colocando Marcus de frente para o lago e eu de costas para minha dupla.
        — Agora! — Olhei para ela —, vai agora!
          Amanda passou por mim correndo na direção do nosso lado.
        — Não! — Marcus gritou tentando se livrar de mim —, me solta!
        — Pode esquecer Marcus!
        E então me sacrifiquei no jogo. Empurrei ele para a água e me deixei ir junto, não poderia soltá-lo antes de cairmos no lago ou Marcus daria um jeito de escapar.
         A água estava gelada, e parecia que tinha saído de uma geleira. Subi para a superfície, vendo Edward sair do lago e ficar na borda. Amanda estava pulando e gritando, nós tínhamos vencido.
        

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