Capítulo 12

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       O rosto do rei era puro ódio. Em algum lugar da minha mente eu sabia que já o havia visto em algum lugar. Ele nos olhou de cima a baixo com a cabeça repousada em sua mão.
        — Acharam mesmo que ninguém iria ver vocês lá em cima? — A voz do rei era gentil, mas meu corpo alertava perigo —, o garoto eu reconheço, é um Infeor.
        Minha cintura estava tão leve sem o cinto de adagas, que me sentia nua. Nossas armas haviam sido confiscadas pelos soldados.
        A sala em que estávamos era grande e bem decorada com tapetes e cortinas vermelhas. O rei tinha cabelos curtos, sua pele era escura e usava roupas da cor de areia.
       Foi desta maneira que fomos perseguidos sem vermos eles, suas roupas eram da cor predominante no deserto. Areia, que permitia boa camuflagem.
       Xinguei eles em minha mente.
       O homem que parecia comandante da tropa que nos pegou, deu um passo à frente e disse:
       — Eles estavam instalados no antigo posto de vigia, se renderam sem revidar — o rei olhou na direção dele.
       — Armados?
       — A garota de cabelos escuros estava com cinco adagas em um cinto, o Infeor com uma espada de mão, a loira com uma adaga semelhante à da outra.
        Os olhos do rei se voltaram para mim e parecia que olhava para dentro da minha alma. Meu continuava a alertar perigo, e eu só esperava uma oportunidade.
        Observei cada soldado na sala, o da esquerda estava com minhas adagas, o da direita segurava Marcus dois atrás, um segurando Amanda e outro me segurando.
       Três atrás do trono e um em cada parede. Treze homens. Lembrei do que Marcus me dissera antes. Lutam sem medo de morte, são brutais.
       — Matem todos — ordenou o rei.
       — Senhor? Eles podem ter informações privilegiadas — contestou o comandante da tropa.
       Senti o aperto em minhas mãos se afrouxar atrás de mim. Girei meu corpo e derrubei o homem que me segurava.
        Avancei contra o da esquerda e esquivei de sua espada, agarrei o cabo e torci seu pulso para um ângulo inexistente e retirei sua arma, depois cravei em seu peito sem hesitar.
        Peguei minhas adagas e as girei em minhas mãos. Marcus estava livre e protegia Amanda com seu corpo enquanto os soldados assumiam uma formação de defesa.
        Dois soldados avançaram contra mim, sem uma defesa montada e entendi o que Marcus quisera dizer com lutarem sem medo da morte. Avancei e esquivei para a direita, cortando a garganta do homem mais perto.
        Sangue espirrou em meu rosto e mal pude respirar, pois ataquei o segundo logo em seguida, seu corpo caiu com um baque no chão. Olhei para Marcus e o vi lutar com uma brutalidade nunca antes vista.
        Amanda estava atrás dele e percebi que em breve teria de ensiná-la a lutar. Avancei contra mais dois homens e eles caíram logo. Entretanto, eles não paravam de lutar, mesmo sendo feridos o bastante para desistirem.
        Me permiti pensar melhor do que aquela matança desnecessária e avancei contra o rei, que surpreendentemente não se mexeu. Coloquei o fio da adaga em seu pescoço e sussurrei para ele.
        — Não se mexa — voltei para os homens lutando —, parados! Não quero que ninguém mova mais um músculo.
       Todos os soldados pararam e ficaram lívidos ao me verem a poucos centímetros de cortar o pescoço do rei, aproveitei o momento de continuei:
       — Larguem suas armas, agora!
        Escutei o som do ferro contra o chão e os vi desarmados.
       — Se afastem dos meus amigos e deixem suas mãos à minha vista.
        Eles obedeceram.
       — Você tem um ar muito orgulhoso, menina — o rei falou para mim —, aposto que é uma Azarir.
       — Rigdor — respondi trazendo a lâmina ainda mais perto —, agora dê a ordem de saírem da sala.
        O rei riu, e senti meu braço ser agarrado. Fui erguida por detrás do trono e minhas costas bateram contra os degraus que levavam até ele.
       — Se fosse mesmo me matar, já teria feito — ele disse.
       Ergui os olhos e vi uma espada apontada para mim.
       — Silrur! — Uma mulher entrou na sala e ficou assustada ao ver os corpos no chão —, quem...
       — Intrusos, mas não são os Pesadelos — o rei interrompeu.
        Silrur! Era o nome que ouvi na minha visão, ele conhecia meus pais.
       — Esta garota diz ser uma Rigdor — continuou ele —, use suas habilidades para ver isso.
       A mulher fechou os olhos e senti como se algo entrasse na minha cabeça, observando e examinando tudo, depois saiu.
       Ela abriu os olhos e disse:
       — Ela... diz a verdade.
        O rei guardou a espada e caiu sentado no trono. Sua expressão era de incredulidade.
       — Não pode ser.… você sobreviveu... — ele me olhou e vi seus olhos cheios de lágrimas.
        Tudo ficou claro em minha mente, Silrur formara uma ordem com meus pais.
       — Ainda não consigo acreditar... como? Como conseguiu?
       — Eu... lutei... naquela noite, eu lutei...
       — Onde esteve esse tempo todo?
       — Em Millandus...
       O rei continuava incrédulo. E me senti observada, aquela mulher continuava olhando dentro da minha mente, mas então, algo respondeu a essa intromissão.
       Uma força poderosa a expulsou. A mulher cambaleou e se segurou na parede para não cair, lancei um olhar furtivo em sua direção.
        Silrur me observou boquiaberto, sabia o que eu tinha feito, havia percebido a presença de uma intrusa dentro do minha cabeça, e a expulsei usando aquela força estranha.
       — Temos muito o que conversar, Rosemary — disse o rei.
       Assenti e o acompanhei pelo castelo até uma sala grande com uma mesa comprida no meio, semelhante a sala do conselho em Millandus.
      Me sentei em uma cadeira enquanto ele mandava mensagens por águias sobrevoando o rei, aquilo seria como as reuniões em Millandus, percebi.
        — Conheci seus pais, pessoas formidáveis — disse ele —, ainda fico triste em saber o que aconteceu.
        Fiquei em silêncio, não sabia o que dizer.
        — Sabe, eles acreditavam bastante no seu poder, naquilo que nasceu para fazer, mas isto é assunto para outra hora, muitas das pessoas aqui acreditam em você, acham que é uma lenda.
       — Lenda? Como assim?
       — Então... você não sabe?
       — Não sei o que?
       Ele estava prestes a me dizer, mas muitas pessoas apareceram na sala e ficaram lívidos ao me verem, não reconheci nenhuma delas, mas vestiam roupas finas.
       — Nos convocou... o que houve? — Disse o homem.
       — Sente-se, temos várias coisas a discutir — o rei apontou para as cadeiras —, os Pesadelos se moveram finalmente, atacaram Millandus, a situação é crítica, uma batalha se instalou no reino, recebi uma carta do rei há alguns dias — ele olhou para mim —, a muralha não foi danificada, não sabem como os inimigos conseguiram adentrar esse lado.
        Alívio tomou meu coração. As pessoas ao redor mantinham seus olhos em mim, e tentei pensar no que eles pensavam, mas meus pensamentos foram interrompidos pela voz de Silrur.
        — Vamos manter vigia na fronteira com a floresta das lágrimas, e manter contato com Liceo, se os inimigos ousarem avançar mais, matem sem pena.
       — Quem é essa menina? — Perguntou um homem na beirada da mesa —, não a reconheço.
       — Sou Rosemary Rigdor — falei antes que o rei pudesse dizer qualquer coisa.
        Espanto tomou a expressão de todos, e era como se estivessem vendo um fantasma.
        — A menina das escrituras sagradas — murmuraram.
        Olhei para o rei e saí da sala, buscando um lugar para tomar ar fresco. Aquela história de menina da profecia estava me enchendo as paciências.
       Silrur veio atrás de mim e esperou até que eu parasse.
       — Quero que me fale tudo — pedi irritada —, não me esconda nada.
       — Certo... — ele suspirou —, sua chegada foi muito aguardada por seus pais, eles haviam recebido uma profecia de uma sacerdotisa, a profecia dizia "haverá uma criança, que herdará os poderes do céu, será poderosa e a única capaz de anular a praga lançada pelos deuses, esta criança será uma dádiva sagrada para os Rigdor, mas esperem muita dor e tragédia com sua chegada.
        Avaliei sua expressão e sabia que ele não estava mentindo.
       — A sacerdotisa disse isso na frente de toda a ordem de prata, os reis de todos os reinos a escutaram, e então você nasceu, mas não era uma criança normal, pois quando tinha quatro anos fizeram um teste em você — continuou ele.
        Imagens diferentes surgiram em minha mente, e pela primeira vez não veio acompanhada de dor.

Eu caminhava ao lado de minha mãe para um pátio com muitas mulheres vestindo trajes brancos e conservadores. Todas com expressões severas.
        Minha mãe me deixou ao lado de uma senhora, usando a mesma roupa das outras, mas haviam diversas marcas em seus braços. Ela colocou um artefato na mesa.
        Era um diadema em forma de constelação, com uma pedra escura no meio e dele emanava uma força, eu sentia o poder, o cheiro de flores em primavera, e a onda que fazia meu corpo arrepiar.
        — Pegue criança — disse a senhora —, não tenha medo.
        Estendi a mão para o diadema e a senti formigar. Hesitei por um momento, mas continuei. Eu não tinha ideia do que queriam que eu fizesse com aquilo.
        Meus dedos roçaram a base da pedra escura e algo devolveu o toque, se agarrou a minha palma e continuou subindo por meu braço, a sensação era de fogo.
       Tentei me afastar daquilo, mas meu corpo não respondia, enquanto a sensação continuava correndo por dentro de mim, como se explorasse cada parte em busca de algo.
        E então me assustei. Escrituras de uma língua diferente começaram a se traçar em minha pele, nos braços e nas pernas, seguido de um formigamento que se espalhou por meu corpo.
        De repente me vi de pé com a mão repousada no diadema, era como se algo tivesse me puxado de dentro do meu corpo. Minha expressão era calma e vi que as escrituras continuavam se estendendo até meu rosto.
        Meus olhos estavam completamente azuis cintilantes, não havia mais branco. Eu conseguia ver uma onda azulada ao redor de mim que pouco a pouco montava uma camada de proteção.
        Escutei um sussurro, mas não consegui entender o que disse, e então, voltei para meu corpo com torpor. As escrituras começaram a desaparecer e então o diadema não estava mais emitindo aquela onda de poder.
        Senti meu corpo livre das amarras invisíveis e corri para o abraço de minha mãe, eu estava assustada e ouvi a senhora que estava do meu lado dizer com a voz trêmula:
        — É ela...

Olhei para Silrur, meus olhos estavam cheios de lágrimas enquanto escutava ele dizer que o teste havia confirmado quem eu era, uma enviada dos deuses para salvar a terra da praga.
       Comecei a perder fôlego, não queria acreditar naquilo, sou apenas uma pessoa normal. Mas então, lembrei da sensação estranha quando dei um soco em Samuel.
        — Quando os Pesadelos atacaram as terras dos seus pais, achamos que você estava morta, e nossa esperança havia morrido, esperávamos a morte eminente quando chegasse o momento, mas então você apareceu aqui — Silrur se aproximou —, Rose, você é a salvação deste mundo.
        — Eu não sou ninguém... sou apenas uma jovem adolescente que tem sonhos... não sou menina de profecia, e por favor, não refira esse termo a mim.
        Os olhos de Silrur perderam o brilho.
        — Preciso de um tecido... fiz um trato por ele, assim que o tiver, vou embora — terminei e comecei a andar para me afastar dele —, desculpe... — murmurei antes de ir.
        Encontrei Marcus do lado de fora do palácio de pedra, Amanda estava sentada em um degrau. Assim que me olharam e viram o sangue sujando meu rosto, os dois me levaram para uma pequena residência onde ficaríamos durante nossa estada.
        Mesmo eu relutando em ir, acabei indo por obrigação e porque eu precisava de um banho. Já não aguentava o cheiro de sangue e suor em mim.
       Depois de tomar banho e me vestir com roupas novas, encontrei Amanda na varanda, Marcus provavelmente estava dormindo, afinal, passamos a noite toda acordados.
       O sol começava a iluminar o céu. Observei o rosto de Amanda que parecia tão entretido no amanhecer, que esperei até ela dizer alguma coisa, eu não sabia o que, mas esperei.
        — O amanhecer aqui é mais bonito que em Millandus — disse ela —, não acha?
       — Sim — respondi.
       — Você já deve saber o motivo de tanta violência por parte do meu pai.
       — É.… posso imaginar... era por isso que ele queria fazer de você uma santificada?
        Ela concordou com a cabeça.
       — Quando descobriu que gosta de mulheres?
       — Quando tinha doze anos, foi com a filha de um fazendeiro, no estábulo da família dela — respondeu Amanda, tirando lascas finas de unha.
       — O que aconteceu com ela?
       — Viajou para o Norte com o pai, e morreu infectada pela praga dois anos depois.
       — Sinto muito...
       — E você? — Perguntou ela —, quando descobriu?
       — Há umas semanas, percebi que gostava muito de estar com você e fiquei preocupada quando seu pai te prendeu em casa — respondi sincera, na verdade, Edward havia aberto meus olhos, e só depois percebi.
      — Você... gostou? Daquele beijo?
      — Foi maravilhoso...
      — Você me beijaria de novo? — Ela me olhou.
        Não respondi nada e a beijei novamente, sentindo o corpo vibrar com aquela maravilhosa sensação. O sol atrás de nós saiu por completo, mostrando seu esplendor enquanto trazia o dia consigo.

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