Escutei um barulho alto e acordei assustada. Amanda ainda estava dormindo ao meu lado, consegui ver um feixe de luz percorrendo a cidade por cima e me preocupei. Vesti meu traje rapidamente ignorando a dor em meus músculos, prendi meu cinto de adagas na cintura e acordei Amanda.
Depois que ela se vestiu, nós corremos para fora e presenciamos algo que nunca pensaríamos em ver. Dragões sobrevoavam o reino, cuspindo fogo e destruindo tudo que viam. Caçadores de espalhavam para tentar derrubar os animais alados, mas sem sucesso. Aquilo era uma tremenda covardia.
— Amanda, siga para o lado Oeste do reino, é seguro lá — falei me preparando para o combate —, o rei tem um esconderijo naquele lado.
— Não vou deixar você ir sozinha.
— Não estou pedindo que vá, estou mandando!
— Mas e se algo acontecer a você?
— Nada vai acontecer comigo, eu estou acompanhada da luz.
Amanda me beijou e correu ainda relutante, enquanto via ela desaparecer entre as casas, tive a sensação de ser a última vez que a veria, como se algo fosse acontecer, algo grande. Afastei o sentimento e tirei minhas adagas diante dos soldados se aproximando.
Girei as lâminas nas minhas mãos e avancei, esquivando de dois ataques e devolvendo com a adaga cravada em seus peitos, até ver seus olhos revirando de dor. Abri caminho entre os inimigos, eu precisava encontrar Gingar ou o maior grupo caçadores.
Ou criar uma boa estratégia para derrubar aqueles dragões o mais rápido possível. Não havia maneira de derrubar aqueles animais, catapultas seriam ineficientes, e não tinha como acertar em cheio.
Um dragão passou acima de mim e precisei me esconder diante do fogo que ele fazia chover sobre o reino. Depois que passou, eu continuei avançando, pois se estavam ali, provavelmente fora do reino não havia batalha, mas dentro.
Desci três degraus da praça central e encontrei uma tropa de dez caçadores. Me juntei a eles e ajudei a eliminar os inimigos, com golpes rápidos e pouco cansativos. Unsan era o líder da tropa.
Embora fôssemos eficientes para eliminar soldados, mais chegavam e não paravam de aparecer. Mais um dragão passou acima de nós, fazendo chover mais fogo, não tivemos de encontrar um lugar seguro, então fui obrigada a usar os poderes de Riviera.
— Onde Gingar está?! — gritei diante do som incessante de batalha.
— Foi para o Leste daqui, proteger o alojamento dos soldados do rei. Zufreid foi encurralada à Sul, e todos os civis foram levados para o esconderijo. Tentamos falar com você quando o ataque começou, mas logo fomos interceptados, desculpe Kristallrosa...
— Está tudo bem, não se preocupe. Vou para Sul, ver se consigo ajudar, não deixem esses soldados passar dessa praça, minha namorada está indo para o esconderijo e está desarmada.
— Sim Kristallrosa!
Desfiz o escudo e comecei a correr para o Sul do reino, notei os olhares estranhos dos caçadores e já imaginava o motivo. Tinha sido a primeira vez que eu havia usado o termo namorada, e causava estranheza por eu ser uma garota assim como Amanda, não me importei e continuei.
O Sul do reino estava pior do que o centro. Todas as tropas de Zufreid estavam em combate, sem descanso. Alguns dos nossos soldados já estavam caindo, mas não achei o rei em lugar algum, nem Ron, e imaginei que tivessem ido para o esconderijo.
Minha adaga saboreou o sangue dos inimigos com uma facilidade admirável, dormir havia finalmente me dado mais energia, agora que meu braços e pernas funcionavam corretamente. Os soldados do rei não pareciam contentes com minha presença, gritando algo como "não precisamos de uma aberração que beija pessoas do mesmo sexo".
Não me importei com os insultos que pareciam cada vez mais ofensivos, afinal, para dizer aquilo eles tinham que tirar a concentração do inimigo, e então acabavam mortos antes que eu pensasse em responder. Mais e mais soldados foram caindo, até que restasse apenas eu, minhas adagas e corpos por todo o lado.
Era eu contra muitos, se fosse para morrer, lutaria até o fim. Girei as lâminas novamente e avancei sem medo de morte, como os soldados de Rubria faziam. A cada esquiva e corte que eu dava, lembranças vinham a minha mente, as mortes e o sofrimento do povo por minha causa, eu não podia aceitar isso por mais tempo.
Deixei que meu corpo agisse sozinho, e decidi que nada mais fazia sentido a não ser matar. Fechei os olhos por um momento e vi novamente o sorriso da minha mãe, tudo o que houve se resumiria àquele dia, matar era o único objetivo.
Desviei, ataquei, desviei, desviei, ataquei, ataquei, ataquei. Em poucos minutos de batalha, eu parei de desviar, e apenas atacava mais rápido do que eles podiam, a luta se tornou um banho de sangue para mim.
Um por um começou a cair, os cortes em meus braços e rosto não me impediam de continuar lutando com tudo, nem mesmo meus nervos ardendo faziam com que eu parasse. Minhas adagas se tornaram o terror daqueles que tentavam me enfrentar.
Matei dois homens de uma vez, e quando olhei para os outros, vi medo em seus olhos. Alguns começaram a soltar suas armas, enquanto os outros persistiam em tentar me matar. Foi quando senti o toque do meu verdadeiro poder, aquela carícia suave em meu ser.
Escrituras apareceram em meu corpo e avancei novamente, ainda mais rápida que antes, matando com ferocidade, não me permitia pensar nem em como eu os mataria, nem mesmo aqueles desarmados escapavam de mim, eles não mereciam redenção.
Meu sonho se tornou realidade, o ódio se transformou em força, e em poucos movimentos eu transformei homens em crianças amedrontadas. O sangue escorria pelo chão em grande quantidade, e talvez fosse o rastro de morte que eu deixei que chamou a atenção dos montadores inimigos.
Um dragão surgiu do céu quando mais homens caíram. Suas garras perfuraram meus ombros e eu fui erguida do chão e jogada bem longe dali. O impacto da queda fez meu corpo amolecer, mas não era hora de sentir dor, a luta continuava.
O montador desceu do dragão, armado com uma espada de mão única, busquei mais duas adagas no cinto e avancei contra ele e, senti minhas lâminas se chocarem com a sua. Recuei sentindo o vibrar em minhas mãos.
Ele avançou contra mim e defendi dois dos seus ataques, mas o montador era muito rápido, e não me permitia tempo de contra-ataque. Esquivei e rucuei, tentei golpear, porém, quem acabou sendo acertada fui eu.
Bloqueei de novo, sentindo meus ombros falharem por conta da dor, eu conseguia sentir meu sangue escorrendo por dentro do traje, aquele dragão abrira feridas em mim. Me deixei falhar no bloqueio e movi meu corpo para a direita, dando-me mais liberdade.
Ergui minha mão e cortei seu pescoço com um movimento único, ele caiu agonizando e o deixei lá. Montei no dragão e puxei as rédeas, eu não sabia como controlar a criatura, mas tentaria.
O dragão subiu ao ar e voei na direção dos outros. Bati minha mão em seu pescoço e ele cuspiu fogo em um inimigo, a criatura caiu entre as casas, mas quando movi as rédeas para o dragão acertar o segundo, fomos atingidos primeiro.
Joguei meu dragão para o lado ouvindo-o grunhir de dor, uma de suas asas estavam queimando. Como se compartilhassemos o mesmo pensamento, ele mergulhou e planou meio penso por entre as casas.
Subimos por trás do inimigo e o derrubamos, e então, senti os pelos do meu corpo se eriçarem. Virei para trás e fui atingida por fogo negro. Meu dragão girou no ar e batemos contra uma casa alta.
Atravessamos a construção e nos chocamos contra o chão. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas meu corpo não respondia mais os comandos por conta do impacto.
Alguém agarrou meus cabelos e me arrastou pelo chão, eu estava fraca e a única coisa que via era o rastro de sangue que era deixado por mim enquanto me arrastavam.
O som da batalha havia ficado mais fraco, como se temessem alguma coisa. Meu corpo tentava me avisar, eu sabia que algo estava por perto, uma sensação estranha de medo.
Me soltaram no chão diante de uma multidão de reféns, Amanda estava sendo contida por Farwell, e eu podia ouvi-la gritar meu nome enquanto tentava se soltar para vir em minha direção.
Ouvi passos e meu corpo entrou em alerta, alguém vinha em minha direção e trazia consigo uma sensação ruim que eu me lembrava de já ter sentido em algum momento da minha vida.
Seu poder acariciou minha bochecha e meu corpo se arrepiou, eu queria me levantar, precisava, mas por mais que tentasse, não conseguia, talvez fosse cansaço, ou ferimentos demais que eu não conseguia avaliar.
— Ora, ora, ora — uma voz suave, mas muito áspera disse em meio ao silêncio. Meu coração bateu forte e o medo correu pelas minhas veias —, vejam só o que temos aqui, a garota que coordenou uma retomada e quase conseguiu.
Ele parou na minha frente, suas botas era pretas e vi a barra do seu sobretudo, esvoaçante com o vento. A sensação era de estar perto da morte, como se ela me tocasse esperando o momento de agarrar minha alma e afundar nas profundezas do inferno comigo.
— Aquela que chamam de garota da profecia — ele soltou uma risada amarga —, e está aqui, diante de mim, fraca e ferida — estalou a língua e continuou —, que decepção para seus pais, menina.
Trinquei os dentes e tentei me mover, mas eu estava completamente travada, não conseguia nem erguer a cabeça para ver o rosto dele. Meu corpo continuava em alerta, mandando vibrações e contraindo todos os nervos.
— Quem diria que você estaria viva depois de tanto tempo, seus pais lutaram bastante para garantir que fugisse — o homem agachou, mas não consegui ver seu rosto —, Rosemary Rigdor... a garota da profecia, que andou com os Manak e derrotou vários homens meus.
Juntei toda a minha força e energia, meu braço estava do lado do corpo e eu sentia o cabo de uma adaga no cinto, minha sensibilidade estava fraca, mas senti o arranhão leve.
Ele se levantou e ia dizer alguma coisa, de repente senti uma corrente de eletricidade correr pelo meu corpo e sabia que era o poder. Agarrei o cabo da adaga e com um esforço rápido levantei o suficiente para tentar um único golpe.
O homem esquivou e minha adaga abriu um corte único e fino como fio de cabelo. Caí novamente e meu corpo voltou a ficar pesado. Ouvi a risada dele, parecia surpreso.
— Intrigante — ele disse —, corajosa, como uma Rigdor, mas, não foi o suficiente sabia?
Senti o bico de sua bota acertando o lado direito do meu corpo. Soltei um gemido de dor, sentindo o gosto de sangue subir a minha boca.
Ele me virou de barriga para cima e finalmente vi seu rosto. Cabelos escuros, expressão severa e um dos olhos era preto, o outro, totalmente branco, não havia iris, apenas um ponto negro que imaginei ser a pupila.
Vomitei sangue e o encarei, meu corpo todo estava doendo. Tentei avaliar meus ferimentos e só conseguia pensar em fraturas ou cortes, mais nada.
Eu estava diande do líder dos pesadelos, do imperador sombrio, daquele que ordenou a morte dos meus pais e quisera minha morte. Ele se virou para a multidão e procurou alguém com os olhos, mas não achou.
— Faça uma escolha menina, morrer pelas minhas mãos, ou ver todos morrerem e você ser a última — disse ele.
— Por favor... — minha voz saiu embargada —, não machuque ninguém... você quer a mim, então leve a mim...
— Não! Por favor! — gritou Amanda, mas o imperador sombrio não a respondeu.
Ele virou para um soldado e moveu a cabeça em minha direção, eles começaram a preparar os dragões para partirem comigo. Olhei para Amanda e mesmo com os lábios manchados de sangue, abri um sorriso e sussurrei.
— Eu te amo...
O imperador sombrio acertou um chute em meu rosto e tudo escureceu depois, trazendo uma sensação de tranquilidade e calma. Tudo acabaria, eu morreria em breve e então o sofrimento teria um fim.
Mas antes de morrer... eu levarei o imperador comigo para as profundezas do inferno.
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Os Ventos do Norte
FantasyEm um mundo assolado por uma praga, Rosemary cresceu sozinha, dentro de um reino selado pelo medo de serem contaminados. Decidida a ajudar o exército real na luta contra os rebeldes conhecidos por Pesadelos, Rose descobre que há uma maneira de acaba...