Capítulo 26

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       Subir a colina estava sendo uma tarefa complicada. Maalavan e Yara seguiam ao meu lado, o vento era forte e a todo tempo jogava neve em meu rosto. Depois de alguns minutos comecei a sentir meus olhos arderem, culpa de flocos de neve e entravam neles.
         Meu traje estava bem preso, impedindo qualquer corrente de ar frio atingir meu corpo. A visibilidade era bem ruim, como se uma névoa branca pairasse por cima de nós. Percebi o quanto a montanha corta-vento era importante.
         Minhas pernas ardiam pelo esforço, afinal, ainda não tinham se recuperado pela contaminação da praga que esteve em meu corpo. Usei uma rocha para me impulsionar para cima e encontrei a mão de Gingar que me ajudou a terminar a subida.
        Embora fosse apenas uma colina, era alta. Não conseguia ver o rosto dos caçadores, pois usavam uma espécie de manto por cima das roupas. Não usavam máscaras, por estarem acostumados com a praga.
         Entretanto, eu podia ver em seus olhos a tristeza quando se moviam para trás na direção de um aglomerado de pedras e voltavam. Maalavan observou e baixou a cabeça.
         Fui até eles e vi quatro receptores caídos em uma poça de sangue congelada, haviam sido abatidos, os soldados imperiais souberam exatamente como atacar sem serem interceptados antes.
        Yara se ajoelhou perante os corpos e desenhou em suas peles um símbolo, quase desmaiei quando vi o dragão com uma silhueta humana em suas costas, era a mesma marca na mulher da visão que tive.
        — O que vamos fazer? — perguntei afastando a surpresa.
        — Prestar homenagem e os cobrir com neve, o povo não faria nada para demonstrar respeito — respondeu Gingar.
         Assenti e ajudei a preparar os corpos, estavam muito frios ao toque, senti através das luvas que haviam me emprestado. Yara encontrou algumas flores nas redondezas e as colocou ao redor deles.
         Em seguida, todos juntaram as mãos e abaixaram as cabeças, Yara começou um tipo de oração e os outros seguiram suas palavras como se ela fosse a líder.
        — Que Kristallrosa receba estas almas em seu reino de luz e paz, que ela os dê honra e descanso — disseram eles.
         Evitei pensar muito no termo Kristallrosa, eu mesma já havia sido chamada desse nome, e muito em breve seria chamada entre os Manak. O vidente me visitara um dia antes, e confirmou que havia algo dentro de mim que tinha saído da deusa Riviera.
         Depois de cobrirem os corpos, todos nós ficamos ali vigiando o posto por quase duas horas, esperando os outros caçadores. Meu coração batia devagar, mesmo que esrava prestes a conhecer um Halab, não me sentia preocupada. 
         Cerca de quinze caçadores apareceram, e então descemos a colina rumando Leste, na direção do território Halab mais próximo. Yara me explicara que eles ficam em montanhas.
         Por vinte minutos mantemos uma caminhada rítmica e acelerada, tínhamos que aproveitar a luz do dia para caçar, pois a noite, de acordo com Yara, era perigosa.
         Ninguém quis me explicar o motivo, mas se eles se preocupavam com a noite, não havia motivo para eu contestar. A montanha do território Halab não era grande, e notei que sua maior característica era o abrigo.
         Estava tão silencioso que minhas mãos gelaram, mesmo eu estando com luvas. Olhei para o topo, era pontuda e alta, mas não grande nem robusta como a corta-vento.
         — Preparem-se — disse Gingar.
        Todos, inclusive eu, pegamos ganchos e começamos a girar eles no sentido oposto ao sol. Um caçador segurou um objeto de ferro com uma espécie de pistão. Quando soltou uma trava, o pistão acertou a placa de metal, causando um som alto que ecoou montanha acima.
         A neve nas paredes começou a tremer e então três Halab saíram dela. Senti minha alma sair do corpo e voltar novamente, as criaturas eram grandes, com dentes afiados e pareciam ursos polares. Do outro lado alguns caçadores já içavam os Halab com os ganchos. 
          Um dos monstros veio em minha direção, eu o contornei ainda girando o gancho pronta para içar ele. De repente percebi que todos os caçadores estavam ocupados com seus próprios Halab e me vi sozinha.
         Eu tinha que agir por conta própria, não podia esperar que os caçadores me ajudassem sempre. Olhei ao redor e vi uma rocha média enterrada pela metade na neve. 
         Corri em sentido horário e joguei o gancho nas costas do Halab, as pontas afiadas cravaram em sua pele e o escutei uivar de dor. Avancei na direção da rocha puxando a corda do gancho com força.  
          Amarrei a corda na rocha e rumei na direção das paredes, usei minhas pernas como impulso para ficar mais alta e pulei por cima da criatura. Ainda no ar, retirei uma adaga do meu cinto e cravei no meio da cabeça do Halab.
         A criatura tonteou e caiu comigo por cima dela. Olhei ao redor, respirando ofegante e, vi que todos os caçadores estavam observando tudo, com seus Halab já contidos e mortos. Suas expressões eram curiosas.
        — Parabéns senhorita, você matou seu primeiro Halab — disse Maalavan vindo em minha direção —, extremamente inteligente a sua tática, morte limpa e rápida.
         Ele se virou para os outros.
        — Eu a declaro Manak agora, alguém contra?
        — Ninguém contra — disse Gingar —, aceitamos a moça como uma do nosso povo, mesmo que tenha que voltar para casa um dia.
         Voltar para casa, eu teria mesmo que voltar, precisava ver Amanda, tocar seu rosto, beijar seus lábios, não aguentava mais ficar tão longe dela. Abaixei a cabeça, eu só tinha mais uma coisa a fazer, visitar o portal da morte.
         — Agradeço a consideração, espero que me aceitem no meio de vocês — me curvei —, que sejam iluminados — levantei sem entender o que eu havia dito, saíra involuntariamente.
         Os caçadores me olharam e de repente começaram a se curvar diante de mim. Fiquei nervosa, mas não conseguia me mover, era como se algo dentro de mim agisse daquela maneira.
         — Que a graça de luz mantenham acesa a chama da esperança em você — outra frase involuntária.
         Yara se curvou, juntamente com Maalavan e Gingar.
        — É a menina da profecia... — murmurou Gingar —, porque não nos contou? Maalavan.
        — Não tinha certeza até hoje...
        Droga, droga, droga, agora vão me tratar como menina da profecia. Pensei e decidi me impor.
       — Por favor, não quero que me chamem assim.
       — Você é Kristallrosa... é impossível não te tratar como a reencarnação da deusa Riviera.
        Agachei e peguei um punhado de neve, ergui ao céu e falei em alto e bom som, já estava na hora de aceitar isso, não tinha como eu tirar de mim, nem afastar.
         — Certo, se é para eu aceitar, então aceito. Sim, eu sou a Kristallrosa, a menina da profecia, e serei quem vai acabar com a praga e salvarei este mundo — soltei a neve, fazendo cair sobre mim uma névoa fina e branca.
         No mesmo momento escutei a voz do Fath — Agora posso finalmente descansar —, ele disse. De repente, foi como se amarras tivessem se soltado de mim. 
        Senti o poder correr pelas minhas veias, semelhantemente a levar um raio. Aquela sensação era incrível, era como se todo o poder definitivo estivesse em minhas mãos, e eu fosse capaz de fazer qualquer coisa.
         Fechei os olhos e vi o sorriso da minha mãe. Uma lágrima caiu e congelou em meu rosto, eu estava finalmente aceitando meu destino, e não era ruim, eu tinha total controle sobre o que estava dentro de mim.
         Quando abri, todos já haviam se levantado, e eu sentia como se duas consciências estivessem comigo. Guardei minha adaga e ajudei os caçadores a embrulhar os Halab capturados. E então voltamos.

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