Capítulo 13

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       Acordei apenas no fim da tarde ao lado de Amanda. Um lençol cobria seu corpo despido. Fiquei observando sua respiração regular e calma, suspirei e pensei no que Silrur havia me dito. A possibilidade de uma guerra era muito grande.
       Me levantei e olhei pela janela, a tranquilidade daquela cidade me fazia lembrar de Millandus. Silrur afirmara que a situação era crítica, mas não queria pensar tanto naquilo.
       Eu apenas queria pegar o tecido e voltar para meu lar, e para mim não importava as circunstâncias, e decidi que faria o líder dos pesadelos cair aos meus pés.
        Vesti um casaco, embora ainda estivesse calor. Ao anoitecer a temperatura cairia bastante, então seria necessário.
        Amarrei o cabelo e quando saí, havia dois soldados do rei na porta, eles me olharam e começaram a andar. Eu os segui por intuição.
        Eles não me guiaram até o palácio de Silrur, mas seguiram para uma área afastada, bem longe dos olhos curiosos.
        Tateei minha cintura e meu coração gelou.
        Eu não estava com o cinto de adagas, o que significava que estava desarmada e potencialmente desprotegida.
        Entendi tarde demais o que aquilo significava. Senti minha cabeça girar quando um soco atingiu meu rosto. Usei a parede de uma construção destruída para me segurar.
        Os soldados não estavam mais trajando os uniformes do exército de Silrur, e usavam mantos escuros com os rostos cobertos por capuzes. Reconheci a vestimenta no instante que a vi.
        Pesadelos.
        Ergui meus punhos e assumi posição de combate, eu não me renderia fácil, eles teriam que me matar para tal.
        Eles sacaram espadas curtas de aço puro e se prepararam. Meu coração batia forte, e eu conseguia ouvi-lo nos meus ouvidos.
        Avaliei a situação e percebi o quanto os pesadelos eram corajosos, tinham se misturado com os soldados de Rubria para me capturar.
        Dois homens contra mim, eles armados e eu de mãos vazias. As circunstâncias levariam a minha morte eminente, mas se haviam vindo até Rubria para me levarem, provavelmente não me matariam, e esse fato era meu trunfo.
       — Não tente nada, menina, não iremos machucar você — falou um deles.
       Comecei a me perguntar onde estava Marcus, e como ele havia permitido que dois soldados escoltassem a porta, os Infeor sempre foram cuidadosos com a segurança, meu amigo não seria descuidado a ponto.
        Eu estava com medo, e não podia negar, a sensação de estar a ponto de morrer não se esvaía de mim em momento algum, e percebi que os dois homens estavam me cercando.
        Não sabia o que fazer, nunca havia ficado sem armas diante de uma luta, Marcus não tivera tempo suficiente para me treinar com maestria. Eu continuava inexperiente e os pesadelos sabiam.
       Eles sempre souberam, pois tinham atacado Millandus no momento mais oportuno. Percebi que nossos inimigos estavam em qualquer lugar e provavelmente até infiltrados no meio do nosso povo.
         E isso me irritava.
         Me irritava o fato de que sempre estivemos um passo atrás deles, que os inimigos estiveram a nossa frente todo esse tempo, esperando o momento certo para atacarem.
         Percebi que não haveria outra forma a não ser lutar, lutar para acabar com aqueles parasitas e derrubar completamente os rebeldes.
         Olhei ao redor e ouvi uma voz suave dizer uma frase que já tinha escutado alguma vez. A maior vitória não é vencer o inimigo, é vencer nossa mente para termos controle de nós mesmos, só assim teremos vitória.
         Era isso. Vencer a mente.
         Percebi então, que minha mente havia decretado minha derrota, mas se eu me acalmasse, facilmente poderia mudar isso.
          Respirei fundo e peguei uma pedra no chão, seria minha única arma, e me senti na primeira vez que matei um homem, quando eu era apenas uma criança.
          O medo desapareceu, e no lugar veio a determinação. Eu não morreria pelas mãos daqueles dois Pesadelos, não perdi quando era mais nova, e não perderia ali.
        — Se forem corajosos o bastante, me ataquem... — segurei a pedra com mais força.
         Eles vieram, com tanta velocidade que mal consegui esquivar. Senti o vento frio que emanava da lâmina inimiga, e não tive tempo de respirar, pois o segundo homem atacou logo em seguida.
         Havia apenas ataque do inimigo. Percebi que os homens não eram iguais ao que me atacou em Millandus, o padrão de luta deles era impecável, e não tinha nenhuma abertura em sua defesa.
          O medo novamente me atingiu, mas eu o engoli e continuei esquivando, pois sabia que em algum momento, eles se cansariam, e seria minha vez de atacar.
          Mas dez minutos se passaram, vinte, meia hora, e nada do ritmo deles diminuir, eles continuavam lutando com a mesma intensidade sem perder nem um segundo sequer nos ataques.
         Comecei a ficar nervosa, onde Marcus estava?
          Esquivei novamente e tentei atacar, mas senti a lâmina do outro me atingir no braço. Sangue, meu sangue agora pingava na areia.
          Recuei e instintivamente soltei a pedra, o corte ardia como fogo. Os dois Pesadelos pararam e me observaram, eu estava perdendo o movimento do braço inteiro.
          Fora um golpe bem aplicado, pois senti a falta de firmeza em meu braço, algum nervo meu havia sido partido no corte. Olhei para eles e vi a espada que portavam.
         Era uma lâmina extremamente fina, e não havia percebido antes, fui descuidada. Eles começaram a se aproximar, a cada passo deles, eu dava mais para trás.
          E então senti.
          Algo dentro de mim corria pelas minhas veias, como um leão atrás da presa. Uma fúria começava a me tomar e não tinha limite.
          A sensação era de poder, muito poder, como se minha existência se resumisse apenas naquela parcela de força.
          Meu braço ganhou firmeza novamente, foi como se os nervos cortados se refizessem. A vontade de me entregar àquilo era enorme.
         Fechei os olhos e vi um fio dourado tremeluzindo na escuridão, eu o agarrei e a sensação de poder explodiu dentro de mim.
         Quando abri os olhos, vi meus inimigos caídos no chão. Um deles havia sido partido no meio, e o outro tentava se arrastar para longe de mim.
         Olhei meus braços e vi escrituras marcadas na pele, como na visão que tive. Eu me sentia forte, sentia que era capaz de fazer qualquer coisa, tudo parecia ao meu alcance.
         Ergui minha mão na direção do homem se arrastando, e foi como se fogo saísse da palma de minhas mãos, pois ela queimava e ardia.
         Ouvi o homem agonizar e puxar o ar, tentando desesperadamente respirar, e então veio um som abafado, como se um galho tivesse sido quebrado.
         O pescoço dele pendia para um ângulo estranho, e seus olhos haviam sido tomados por uma cor avermelhada. Eu havia quebrado o pescoço dele sem ao menos tocá-lo.
        Mas meu ódio não parava, mesmo que eu tivesse sentido à vida dos meus inimigos se esvair, havia algo que me fazia querer mais.
        Eu não conseguia me mover.
        Continuei olhando para as escrituras em meus braços, que cresciam cada vez mais e comecei a ficar com medo.
         Queria me livrar daquilo o quanto antes, mas a cada minuto que se passava, mais eu tinha a sensação de o poder continuar crescendo dentro de mim, agarrado à minha existência como erva daninha.
         Então decidi liberá-lo. Uma aura dourada cobriu toda a cidade, destruindo as casas, matando inocentes e apagando Rubria do mapa do mundo.

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