Capítulo 4

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       Demorou três dias para eu conseguir ao menos me colocar de pé e caminhar pela casa de Joel. Amanda aparecia todos os dias para me ajudar com coisas básicas, enquanto os garotos tinham a importante tarefa de irem atrás de ervas medicinais.
        Eu não aguentava mais tomar chá, todos os dias era um diferente. Joel saíra cedo para lidar com problemas perto dos limites do reino, e me deixara aos cuidados de Amanda, a qual prometera a ele que cuidaria bem de mim.
         Pude tomar banho apenas no terceiro dia, antes disso eu me lavava sem entrar na água. Pela manhã esperei até que Amanda chegasse. A casa estava vazia e poderia ser uma ótima chance para eu fuçar em alguma coisa, mas andar era uma tarefa difícil por conta das suturas que Joel fizera.
          Meu pulso ainda doía um pouco, mas movê-lo era mais fácil do que caminhar. Eu estava pronta para voltar à escola de preparação, mesmo que tivesse que sair duas horas antes para não chegar atrasada.
         Tentei colocar minha roupa por conta própria, mas não conseguia curvar meu corpo. Precisava de ajuda.
         Ouvi duas batidas na porta e soube que Amanda já estava ali. Caminhei devagar até a entrada e a abri. Os cabelos claros dela brilhavam com a luz do sol, nunca tinha percebido o quanto era bonita.
        — Bom dia — ela sorriu —, como se sente?
        — Viva — respondi e Amanda riu um pouco.
        Dei passagem e ela entrou, colocando uma sacola de pano em cima do sofá, senti o cheiro de ovos e bacon fritos e meu estômago roncou. Amanda arrumou algumas coisas que estavam fora do lugar e voltou até mim e falou:
        — Trouxe café da manhã, coma antes que esfrie, vou preparar sua roupa.
       — Pode olhar como está para mim? — Apontei para o ferimento, já que eu não conseguia sequer dobrar o corpo para vê-lo.
        Amanda se ajoelhou e observou as suturas, fazendo toques suaves ao redor. Grunhi em dor, ela me olhou e se colocou de pé novamente.
       — Ainda está muito avermelhado ao redor e inchado.
        Suspirei e me sentei. Olhei dentro da sacola e vi uma pequena cesta aberta onde estava o prato com ovos e bacon. Comi rapidamente e esperei Amanda voltar com minha roupa.
         Ela apareceu com uma saia azul, um cinto de couro marrom e camisa branca. Certamente Amanda tinha um bom gosto para roupas, observei o cinto e já imaginei alguma coisa para me defender, todo cuidado seria pouco.
        Amanda me ajudou a vestir as roupas e colocou meus sapatos enquanto eu passava o cinto ao redor da minha cintura. Com muita insistência ela me deu uma faca, a qual coloquei entre o cinto e a roupa.
        Saímos minutos depois, à passos lentos e dolorosos para mim. Cada movimento era como uma picada no fundo da minha pele e o desconforto era tanto na parte detrás da coxa, quanto na parte da frente.
        Maldito caco de vidro.
        Demoramos cerca de vinte minutos para chegar à metade do caminho, e eu estava prestes a desistir. Mas como faria isso? Seria mais vinte minutos para eu voltar para casa.
         Mais meia hora se passou até finalmente chegarmos à escola de preparação. Marcus e Edward nos esperavam na entrada e me ajudaram a subir para o segundo andar, onde minha sala se encontrava.
         Vi Samuel abrir um sorriso satisfeito com minha situação, como se acreditasse que os deuses haviam me castigado. Eu queria estar bem para fazer ele engolir os dentes uma segunda vez, e tirar seu sorrisinho do rosto.
          O encarei e continuei entrando na sala sem falar uma só palavra, eu sentia os olhares de todos voltados para mim. Havia um hematoma em meu rosto, meus braços tinham cortes e estava usando saia, algo extremamente incomum para mim.
         Me sentei com dificuldade e respirei fundo. Minha perna continuava reclamando em dor, mas tentei ignorar o máximo possível. O instrutor entrou e olhou para mim antes de ir para a própria mesa.
        — Parece que aconteceu algo grave com você, Rosemary — escutei ele dizer e o xinguei diversas vezes em minha mente — entrou em uma briga?
        — Entrei sim, contra um centauro, ele veio atrás de mim para pegar meus olhos — o encarei irritada —, aí acabei apanhando dele enquanto tentava me defender — voltei meus olhos para o livro velho em minha mesa —, cuidado instrutor, ele ainda está a solta e pode ir atrás de pessoas que fazem perguntas imbecis.
        Sua expressão mudou na hora.
         — E adora acabar com esnobes que menosprezam os outros — encarei Samuel do outro lado da sala, mas desviei o olhar após alguns minutos.
         — Você nunca aprende a lição, não é? — O instrutor perguntou.
         — Aprendi uma lição há três dias, era sobre os centauros — voltei a encará-lo.
         A sala ficou em completo silêncio diante do meu desafio ao instrutor. Seu rosto era puro ódio enquanto me encarava, e eu fazia o mesmo, sem demonstrar nenhuma fraqueza mesmo estando tão machucada quanto estava.
         Vários minutos se passaram até o instrutor parar de me encarar e começar a falar sobre o que iríamos aprender. Samuel olhava para mim com raiva, entretanto, decidi ignorar, afinal, não poderia brigar com ele no meu estado atual.
         Amanda estava bem ao meu lado e quase não segurou a risada quando disse tudo aquilo, ela parecia incrédula sobre o que havia acontecido há pouco.
         Mais tarde Amanda contou tudo para Edward e Marcus, que quase morreram de tanto rir.
        — Não acredito que você disse isso! — Falou Marcus rindo.
        — Eu não estava com muita paciência — respondi.
        — Ninguém estaria — Edward falou. Me surpreendi por ele não ter dito alguma coisa a respeito, afinal, Ed sempre foi o certinho da turma.
        — Foi hilário — continuou Amanda. 
        — Ainda está ruim? — Marcus perguntou apontando para minha perna.
       — Continua feio, e dolorido, e arde como fogo — falei pausadamente —, mas vou ficar bem.
       — Joel já deu alguma notícia?
       — Ele saiu cedo ontem.
      Marcus assentiu concordando. Samuel continuava me encarando do outro lado do pátio.
       Perto do fim do intervalo, meus amigos decidiram ir pegar algo para comer, deixando-me sozinha até que voltassem.
        Vi Samuel começar a se aproximar com seus amigos e imediatamente levei minhas mãos ao cabo da adaga presa no meu cinto.
         Ele esbanjava seu sorriso sarcástico, o que me fazia ferver de ódio. Samuel se encostou na parede ao meu lado, enquanto seus amigos ficaram envolta de mim.
        — Então você lutou com um centauro? — Ele falou rindo —, deve ter sido difícil, não?
        — Se afaste de mim, Samuel — minha voz soou irritadiça.
        — Você é durona até machucada? — Samuel me avaliou com os olhos —, eu gostaria de retribuir aquele soco que me deu.
        Meu coração deu um salto. Samuel Iria se vingar sabendo que não estou em condições de brigar, desgraçado ardiloso.
         Antes que eu pudesse pensar em alguma coisa, os amigos de Samuel me seguraram pelos braços, meu corpo respondeu em dor e não evitei um gemido.
         Samuel me deu um soco no estômago, roubando-me o ar. Antes que eu tivesse chance de respirar, ele desferiu o segundo, e o terceiro, e o quarto.
         — Covarde desgraçado... — murmurei.
         Ele ergueu meu rosto para me olhar, e abriu um sorriso diante da minha expressão de dor.
         Gritei quando o amigo dele atrás de mim, chutou a parte detrás da minha perna, bem próximo ás suturas. Senti a mão dele cobrir minha boca enquanto sangue escorria pelo ferimento.
         Minha visão piscou e fiquei sem ar, a dor era insuportável. Não consegui evitar que lágrimas brotassem do canto dos meus olhos, mas além disso, ódio fervilhou dentro de mim.
         Movi minha cabeça para trás com força, acertando o nariz de um deles, não consegui ver quem era. Libertei minha mão e alcancei a faca, tirando-a com velocidade, senti a lâmina abrir um corte no garoto da frente.
         Samuel recuou com diversão nos olhos, pois sabia que eu não conseguiria avançar com ele, mas então o vi levar um soco, semelhante ao que dei alguns dias atrás.
         Marcus apareceu juntamente com Edward e Amanda. O Infeor se movia com velocidade, apesar do tamanho. Os amigos de Samuel logo ficaram no chão, um a um.
        — Seus covardes, é fácil bater em alguém que não tem condições de se defender, não? — Marcus chutou o rosto de outro garoto. Sangue espirrou do nariz dele.
        Enquanto isso, Amanda já cuidava das suturas que abriram por conta do chute, seria impossível fechá-las ali, mas rapidamente comecei a ser levada para a enfermaria.
      

Pelo menos enfermeira fechou as suturas prendendo meu sangue, para não doer tanto quanto a de Joel. Amanda olhava preocupada para mim, cada vez que eu grunhia de dor.
        Edward me contou que Marcus quase matou os garotos de tanta pancada, mas não foi chamado para a sala do diretor, afinal, fora legítima defesa.
        Assim que a enfermeira terminou, ela me deu um líquido ruim. Seu gosto era pior que frutas podres. Mas garantiu que me ajudaria com a dor e a cicatrização. Entretanto, a notícia seguinte foi pior.
        Demoraria muito para que eu finalmente pudesse me mover normalmente, provavelmente um ano e meio ou mais, o que acabaria por me atrapalhar em diversas atividades, inclusive se acabasse entrando no treinamento da guarda real.
          Fiquei pensando em que velocidade as informações corriam dentro do reino, pois quando saí, Joel já me esperava com uma carruagem. Sua armadura reluzia por conta do pôr do sol, ele estava de braços cruzados e sua expressão não era feliz.
        — Os Azarir vão se arrepender — murmurou Marcus — agora a guarda real está no assunto...
        Percebi que ele dizia a verdade, quando olhei ao redor e vi pelo menos dez soldados próximos à carruagem. Todos observando cada pessoa que saía da escola de preparação.

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