Voamos por cima do mar. O dragão apenas planava suavemente, passando por dentro das nuvens que faziam cócegas nas minhas bochechas. Abaixo de mim eu vi uma criatura enorme nadando nas águas, tinha um corpo comprido e parecia uma serpente gigante e larga.
Eu não sabia para onde aquele dragão estava me levando, mas aquele voo me deixara tranquila. O medo havia desaparecido e só restara paz. Tinha uma breve noção de como pilotar um dragão, mas nunca havia tentado.
Segurei a corda e dei um leve puxão para a esquerda, mas ele não se moveu. Tentei novamente, desta vez para o outro lado, mas o dragão não alterou seu curso. Eu sabia que havia alguma coisa a ser feito. Mas o que?
Tentei falando, puxando mais forte, batendo as pernas em sua barriga, mas nada funcionava, pois o dragão continuava em seu curso original. Estava faltando alguma coisa.
O dragão fez uma curva e continuou planando com tranquilidade, ignorando qualquer comando meu. Eu precisava pensar, usar mais a cabeça.
A verdade era que eu ainda estava assustada, aquele dragão havia aparecido repentinamente, e subi nele sem pensar, agora estávamos voando por cima do mar para sabe-se lá onde.
Respirei calmamente, precisava me acalmar, parar de pensar em mais cedo e focar no presente. Soltei as rédeas e abri os braços, sentindo o vento contra meu corpo.
Pingos de água atingiram meu rosto, e senti o gosto salgado do mar. Olhei para o sol e pela sua posição deduzi que estávamos indo a Leste. Procurei em minha mente o que havia naquela direção, mas não conseguia me lembrar de nada.
Haviam mais terras para aquele lado, porém, nunca os estudei, sabia que tinha mais reinos além do continente. Joel me dissera uma vez que seguir a Oeste de Liceo sem parar, podemos alcançar um reino chamado Khatrul.
Pensei, pensei muito, buscando em minha mente algo que fizesse o dragão obedecer meus comandos. De repente, imaginei uma coisa rasa. E se eu precisasse me conectar com ele?
Fechei os olhos e encostei minha mão nas suas escamas cor de neve. Tentei não me distrair com os nervos de suas asas se tensionando sob a palma de minha mão.
Quando estava sentindo um puxãozinho leve me distraí com pingos de água do mar. Abri meus olhos a tempo de ver um verme do mar quebrando uma onda.
Voltei a me concentrar, respirei fundo e de repente minha visão correu por um túnel colorido como arco-íris. A sensação era estranha, como se meu subconsciente saísse de dentro de mim.
Minha visão alcançou conexões azuladas e continuou avançando para um outro espaço com mais dessas conexões que pareciam ser feitas de cartilagem.
Em seguida um brilho colorido veio em minha direção e tudo ficou branco por alguns minutos. Ali era silencioso, como se eu estivesse no meio de dois mundos.
Abri os olhos obrigatoriamente por uma força interior, eu sentia uma outra consciência dentro da minha, esperando sentada por alguma coisa. O dragão continuava planando, em uma velocidade menor.
Segurei as rédeas relutantemente e as movi para a esquerda. O dragão se moveu na mesma direção, mudei para a direita, ele obedeceu o comando.
Eu estava elétrica por dentro, sabia exatamente o que havia acontecido. O dragão de asas brancas estava em meu comando. De repente senti uma queimação na palma de minha mão e acabei me assustando com o que vi.
Nela havia o símbolo do dragão. Sua silhueta com uma humana em cima de suas costas envolto em um círculo. Olhei para ele e dei dois tapas em suas escamas.
— Vamos nessa! — gritei.
O dragão repentinamente ficou mais rápido, dando um rasante no ar, subindo logo em seguida. Nossa conexão permitia que tudo que era pensado por mim, ele fizesse.
Subimos bastante e descemos girando muito rápido. Quando estávamos prestes a mergulhar, o dragão abriu suas asas e cortou a superfície do mar, espirrando água para todos os lados.
Comecei rir de euforia, aquilo era muito divertido e agradável, parecíamos livres voando daquele jeito. O dragão fez um looping e continuou voando muito rápido, era incrível sua velocidade.
Estávamos tão rápidos que a água do mar se movia com a gente. Repentinamente ele ergueu sua cabeça e subiu mais uma vez, soltando um fogo completamente azul iluminando as nuvens.
Era lindo, eu me sentia conectada com ele, todas as sensações que passavam por mim, passavam também por ele. O vento, a água espirrando em meu rosto, aquele fogo azul como o céu, tudo aquilo me deixou tranquila.
Então, finalmente consegui pensar em uma estratégia alternativa para o caso de os Rosário estarem aliados com o Império. Eu cortaria o caminho deles para o Norte, tapando o buraco da muralha.
Eu sabia como Edward costumava pensar, e sempre era em espaço aberto. Então eu iria pressioná-los no próprio território. A melhor estratégia é prender o inimigo dentro da própria área de domínio.
— Preciso dar um nome a você — falei para o dragão —, que tal... nuvem branca?
Ele resmungou de descontentamento, provavelmente não gostou do nome, então pensei em outro.
— Daruucad, gostou?
Muito melhor. Falou ele em minha mente, sua voz era grossa de um jeito suave. A conexão, eu tinha certeza que havia sentido uma consciência a mais em mim.
— Então você fala pela minha mente? — perguntei.
Um dragão tem que ter uma conexão mental com sua mestra, e você agora é minha dona. Ele me respondeu, era estranho sentir aquela voz, arranhava minha meu ser calmamente, eu devia me acostumar.
— O que te atraiu a mim?
A adaga. O símbolo nela é do casa Vifrar, dos montadores de dragões, uma casa extinta há muito tempo em Kyvar.
— Uma segunda casa?
O duque Daniel Cavir esmagou a casa Vifrar, para ter livre acesso ao trono de Kyvar, ele não queria dividir o governo do reino. Mas o imperador sombrio acabou com sua festa quando tomou o controle daquele reino, matou todos os Cavir.
— Então a casa Cavir caiu? O imperador era o único que governava o reino? Porque?
Ele queria tirar dos Cavir a habilidade de domar dragões, e conseguiu, menos a mim, o imperador me prendeu e impediu que eu usasse meus poderes para escapar. Apenas os Vifrar tinham capacidade de me domar.
— Então... como eu tenho essa capacidade?
Por causa do seu sangue, sinto em você o poder da sua mãe, ela também tinha a habilidade de se conectar comigo.
Eu era apenas um filhote quando os Cavir mataram meus antigos donos, mas nenhum deles tinha capacidade mental de manter conexão comigo. Mas um dia Riviera apareceu com seus poderes divinos e me dominou. Conseguiu manter uma conexão comigo, e depois que me tirou das mãos dos Cavir, permitiu que eu voasse livremente por toda a extensão do Norte.
— Mas aí o imperador apareceu.
Senti a confirmação pela conexão. Aquele dragão havia sofrido muito antes se tornar em um ser de infinita graciosidade. O dragão mais poderoso do mundo.
Fizemos uma meia volta ao redor de uma montanha enorme coberta de neve e voltamos para a muralha. Pelo caminho Daruucad me contou diversas coisas, além do motivo de uma tatuagem com o brasão dos Vifrar aparecer na minha palma.
De acordo com ele, enquanto não houvesse necessidade de estar comigo, ele estaria em um mundo paralelo, criado apenas para os dragões domados. Cada pessoa criava um mundo paralelo dentro de si, e era onde ficaria.
Ou seja, Daruucad ficaria dentro da tatuagem, em um mundo paralelo, mas permanecerá conectado a mim, e quando eu o chamar, ou conversar com ele, rapidamente responderá ou sairá do mundo
Fui deixada no topo da muralha. Darucaad deu uma volta no ar, se transformou em névoa e entrou na tatuagem na palma da minha mão. Eu estava mais tranquila, não podia negar, voar era muito relaxante.
Desci para dentro e percebi que Gingar e Unsan ainda não estavam de volta, estava um pouco preocupada com os dois, estavam demorando mais que o normal para voltarem de acordo com as contas de Joel.
Eu precisava falar com meu mentor, Joel precisava me liberar para ir até Millandus, passou do tempo que ele havia calculado. Caminhei em direção a sua sala e bati duas vezes.
Entrei e não o vi em lugar algum, era estranho. Perguntei para todas as pessoas que encontrei, todas afirmavam que Joel havia recebido uma carta e saira sem dizer para onde iria.
Para mim era a gota d'água. Desci as escadas depois de pegar uma túnica, montei no meu cavalo e disparei na direção para Millandus. Se Joel havia recebido uma carta de Gingar, algo errado havia acontecido.
As nuvens estavam carregadas, e no caminho para o reino uma forte chuva começou a cair. Em poucos minutos eu estava completamente encharcada.
Meu coração batia forte em meu peito, eu estava com medo do que poderia ter acontecido. Joel, Gingar, Unsan, meus amigos, pessoas importantes para mim, não podia perdê-los também.
Levou o resto do dia para eu chegar em Millandus. Haviam soldados protegendo a entrada, mas não me sentia calma o bastante para sequer tentar passar sem causar caos. Retirei minha adaga da bainha e escutei a lâmina cantar conforme saboreava o vento frio e os pingos de chuva.
Eles perceberam a ameaça rapidamente e vieram na minha direção. O medo e a raiva desabrocharam de mim, libertando um lado mais violento do que conhecia.
Esquivei do primeiro golpe, bloqueei o segundo e esquivei do terceiro. O outro soldado atacou logo em seguida, com o mesmo padrão que o seu companheiro. Desviei de mais um golpe e fiz minha adaga provar o sangue dele.
Usei seu corpo como escudo para o ataque do que restou, e seu sangue espirrou quando joguei o cadáver no chão e ataquei o soldado. Ele caiu agonizando e tratei de dar um fim nele.
Não fiz questão de esconder os corpos, pois logo sumiram quando Daruucad saiu da marca na palma da minha mão e devorou os corpos. Adentrei o reino andando de cabeça baixa e com cuidado para ninguém ver o brilho da minha adaga de prata que estava desembainhada.
Nenhuma taverna estava aberta, então eu não teria como me esconder lá, minha casa provavelmente estava com outra pessoa, talvez nem Amanda estivesse morando nela.
Eu precisava de um lugar calmo para pensar, ali no meio daquela rua não era seguro. Minhas roupas provavelmente chamaram atenção, pois mais soldados vinham em minha direção.
O primeiro caiu antes que pudesse falar algo para mim, minha adaga atravessou abaixo do seu queixo, partindo a jugular e qualquer veia importante daquela área.
Agarrei sua espada e a usei para bloquear o ataque do segundo soldado. Com a adaga eu abri um corte em seu pescoço. Me virei para o terceiro e a minha espada cravou em seu peito.
Caminhei a passos largos, as pessoas tinham visto eu matar aqueles soldados, e logo a informação iria se espalhar, seria questão de minutos até aquela rua estar lotada de homens do império.
Enquanto caminhava eu vi uma floricultura ainda aberta, mesmo ao anoitecer e com toda aquela chuva. Não me lembrava de haver uma floricultura em Millandus, mas agradeci aos céus por estar aberta.
Atravessei a rua, vislumbrando um rosto conhecido se despedindo de uma senhora. Meu coração errou as batidas e paralisei.
Me aproximei devagar, com passos lentos para não chamar sua atenção antes da hora. Eu precisava entrar e fechar a porta. Cheguei na calçada e coloquei o primeiro pé dentro da floricultura.
Um aroma agradável de flores subiu as minhas narinas, fechei a porta e escutei a voz suave da moça falando detrás de um balcão.
— Estamos fechando, o que precisar, seja breve por favor — ela ergueu o rosto e me olhou, assustada.
— Preciso de outra coisa, não é uma flor... — murmurei andando na direção dela.
— Quem é você? O que quer?
Provavelmente a túnica estava cobrindo meu rosto, pois o capuz cobria minha cabeça. Ela não usava máscara, talvez o imperador esteja controlando o contágio da praga.
Tirei meu capuz e a vi ficar pálida.
— Oi, Amanda...
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Os Ventos do Norte
FantasyEm um mundo assolado por uma praga, Rosemary cresceu sozinha, dentro de um reino selado pelo medo de serem contaminados. Decidida a ajudar o exército real na luta contra os rebeldes conhecidos por Pesadelos, Rose descobre que há uma maneira de acaba...