Prólogo

306 33 64
                                    

      Eu corria, e corria sem olhar para trás. Meu coração batia forte, e sentia que não deveria parar.
     Minhas roupas estavam em frangalhos e o vento frio açoitava meu rosto. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo.
     Continuei correndo, até que meus pulmões começassem a queimar, mas me forcei a não parar.
      As lágrimas já congelando em minhas bochechas, meu fôlego curto, e o medo de ser alcançada.
      Não conseguia ver um palmo à minha frente, a noite caíra fazia vinte minutos, deixando-me a mercê da percepção.
       Norte, devo seguir ao norte, mas como saberia que estou na direção certa se já não havia mais sol?
       Percebi que estava no lugar errado quando uma cachoeira se seguiu à minha frente. Xinguei baixinho.
       A água estaria muito fria para eu atravessar o rio, mas se ficasse ali, facilmente morreria — todos foram mortos — malditos rebeldes.
      Tinha duas opções, pular cachoeira abaixo, ou tentar atravessar a correnteza. Nas duas eu tinha poucas chances de sair ilesa.
       Meu tempo estava acabando. O som na mata indicava que eles estavam se aproximando rápido. E então pulei.
       A queda foi demorada, mas tudo se escureceu quando afundei na água. Tive tempo de tomar fôlego, e fiquei submersa até que fosse seguro.
      Depois que tive certeza de que sairia da água, nadei até a orla. O frio me pegou com força, minhas roupas além de finas e rasgadas, agora estavam molhadas.
       Engatinhei para longe da água e deitei na areia cascalhosa. Olhei o topo da caída da cachoeira, e contei pelo menos dez metros. Foi um milagre eu ter sobrevivido.
      Respirei fundo e me levantei, seguindo para mais afundo na floresta. Eu tinha que encontrar alguma forma de conseguir me esquentar, ou morreria de frio.
       A floresta estava cada vez mais fria conforme as horas avançavam. Minha única fonte de iluminação vinha da luz lunar que ultrapassava a copa das árvores ao redor.
       Eu estava enfraquecendo, senti meu corpo se tornar mais pesado a cada passo. Esse seria meu fim, morrer de frio.
       Talvez esse seria a vontade do destino?

       Mas enquanto tivesse fôlego em meus pulmões, eu caminharia, até não aguentar mais e morrer no meio das árvores.
       Mesmo que tudo indicasse o fim para mim, decidi acreditar que conseguiria sair dessa situação. A certeza de que o destino me reservara mais coisas veio logo depois.
       Luz, eu estava vendo luz, não de alguma lamparina, mas de uma fogueira, senti o calor vindo dela por entre as árvores.
        Caminhei em direção ao fogo e apanhei uma pedra no caminho, se precisasse matar alguém para sobreviver, eu mataria.
        Vi três homens ao redor da fogueira, todos vestindo roupas pretas, roupas que eles usavam — os rebeldes — e me aproximei com cuidado.
        Avaliei os três, eram altos e musculosos, matá-los seria uma tarefa extremamente arriscada, e cogitei desistir e simplesmente morrer.
        Mas eu não correra daquela casa apenas para morrer de frio aqui na floresta. Não, prometera a minha mãe que sobreviveria, que mataria se fosse preciso. Então era o que iria fazer.
        Segurei a pedra mais forte. Estratégia, eu precisava de uma estratégia. Afinal, era desprovida de força bruta.
         Olhei, avaliei, olhei, avaliei. Meu plano consistia em separá-los primeiro. Juntos não seria possível os matar, e quem viraria um cadáver seria eu.
        Peguei um galho e o joguei contra uma árvore ao meu lado, enquanto me movia mais para a direita. Os homens dividiram olhares, tentando decidir quem iria verificar o som.
        Para mim, não importava quem fosse primeiro, apenas que deveriam se separar. Um deles se levantou e caminhou em direção ao barulho. Era hora de iniciar a segunda parte do plano.
        Embora fosse uma pena a ação seguinte, não havia outra forma de assustá-los. Peguei outra pedra, menor que a que tinha em mãos, e joguei no fogo.
        As brasas se espalharam, e os homens se afastaram delas, para não serem queimados. Eu tinha de agir.
        Segurei a pedra em minhas mãos com força e avancei pelas costas do homem mais parto. Golpeei com toda a minha força, escutando um som abafado como se um galho tivesse partido.
        Acertei a nuca, o lugar mais fácil de ferir gravemente alguém. Ele ajoelhou e golpeei mais uma vez. Seu corpo caiu para o lado enquanto sentia minhas mãos trêmulas e um pouco sujas. Era sangue.
        O segundo homem me observou com assombro, ele não conseguia acreditar que eu havia derrubado seu comparsa e o vi avançar contra mim.
       Contei os passos, um, dois...
       No terceiro passo, eu me movi para a esquerda, tendo total visão da lateral de sua cabeça. Ele era mais alto, e só tinha uma coisa que eu podia fazer.
       Joguei a pedra nele e ia correr para tentar conseguir alguma coisa com que me defender no corpo do soldado caído, mas não tinha pensado no terceiro homem.
        Vi a sombra dele atrás de mim e tentei desviar, mas não consegui mover meu corpo o suficiente para escapar do golpe. Senti seu antebraço acertar meu rosto e desabei para o lado.
        Não havia tempo para sentir dor, e me levantei rapidamente. Meu corpo ardia com cada movimento, e sabia que morreria, mas pelo menos seria lutando.
        Cerrei os punhos, mas fraquejei. Não tinha como vencer esta luta, uma garotinha de dez anos como eu nunca seria capaz de acabar com dois homens adultos.
        Meus joelhos cederam enquanto eu o via se aproximar devagar, como um leão em busca da presa, mas senti algo ao meu lado.
       Tateei às cegas e senti o calor de uma brasa. Me queimaria, mas tinha com o que incapacitar aquele homem. Engoli em seco e a peguei.
        Ignorei a dor latejante e a arremessei contra ele. A brasa acertou um dos seus olhos, forçando-o a soltar uma faca que estava em suas mãos.
         Sem pensar duas vezes avancei sobre ela, cravei em seu estômago e a retirei. Quando o homem se curvou um pouco, direcionei a faca para seu pescoço.
        Eu havia vencido mais um. Meu rosto estava puro-sangue. Sangue. Sangue do meu inimigo.
        Sobrara apenas um, o último.
       — Sua vadiazinha! — Rosnou ele vindo em minha direção.
       Tive planos para dois deles, mas no terceiro eu teria que improvisar. Corri, contornando a fogueira. Suas pernas compridas o manteve sempre ao meu encalço.
         Mudei de direção, ele mudou também, repeti a ação, ele também, e então, me joguei à direita.
        O que o homem não sabia, era que o fiz me seguir, para no fim bater de frente com uma árvore. Escutei ele cair sentado.
        Minha faca havia caído de minhas mãos e se perdera na escuridão da floresta. Então usaria qualquer coisa que estivesse ao meu alcance.
         Apanhei do chão um pedaço de galho, grosso o suficiente para terminar com o último. Bati, e bati, e bati, tantas vezes que perdi o fôlego.
       No fim havia um ferimento em sua cabeça que sangrava muito e observei suas narinas. Quando dez minutos se passaram, percebi que ele estava morto.
         Desabei de joelhos e comecei a chorar, os Pesadelos haviam matado meus pais, o que faria? Para onde iria? Matei três homens, mas e depois?
         Me aproximei do fogo, que surpreendente ainda estava aceso e fiquei. O calor me consumiu, minhas roupas ainda estavam molhadas, mas não sentia mais tanto frio.
        Não consegui dormir. Qualquer som na mata me despertava, talvez por medo de que aparecessem mais membros dos Pesadelos. Quando consegui pregar os olhos, o sol já clareava o céu.
       

Quando acordei, havia um homem de armadura agachado sobre um dos corpos. Assustada me coloquei de pé e recuei, mas ele não parecia estar interessado em mim.
       Olhei ao redor e percebi que ele colocara os corpos dos homens perto de uma árvore, no qual encontrava-se. O que ele estava fazendo agachado daquele jeito?
        Pilhando os corpos, percebi.
       — Fiquei preocupado, Rose — a voz dele era suave e grave.
       — Quem é você? — Perguntei. Minha voz estava trêmula.
       — Me chamo Joel, sou do reino de Millandus.
       — O que você quer comigo?
       Ele se levantou e virou para mim. Sua expressão era calma e gentil.
       — Vim para te buscar.
       — Me.… buscar? — A confusão devia estar estampada em minha cara, porque ele me respondeu.
       — O rei me deu a ordem para vir te buscar, procurei você durante a noite toda.
       Eu ficaria segura. Millandus era um reino no qual meus pais foram aliados enquanto vivos. Meus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar o que havia acontecido a eles.
        — Vamos, meu cavalo está bem próximo daqui.
        — Como posso confiar em você? — Perguntei voltando à guarda alta. Meu pai sempre me instruía a não confiar em estranhos.
        O homem se aproximou e ajoelhou, mostrando para mim uma insígnia gravada na armadura. O chifre da cabeça de cervo da insígnia era decorado com pequenos flocos de gelo.
        — Você pode confiar em mim, Rose — disse ele suavemente.

Os Ventos do NorteOnde histórias criam vida. Descubra agora