Subi com Marcus para o castelo e seguimos na direção da sala do conselho. Imaginei que estivessem em reunião depois de expulsarem os invasores do reino.
Assim que abri a porta, ouvi a voz de Callias dizendo:
— Não temos como arcar com os custos sozinhos.
Entrei em silêncio e me sentei na cadeira com o brasão da minha família gravada no encosto. Callias e Diana me encararam.
— Resolveu aparecer, senhorita Rigdor? — Provocou Callias.
— Desculpe, não achei que minha presença no conselho fosse tão importante para você — respondi com um afiado de sarcasmo —, por favor, continuem o que estavam dizendo.
— Estamos tentando entrar em um acordo entre as casas, precisamos de homens vindos de Liceo para reparar os danos causados pelo inimigo — disse o rei.
— Quanto é a taxa que pediram? — Perguntei.
— Vinte mil Moedas de ouro — respondeu Diana —, querem que a gente arque com todos os custos.
— A casa de vocês não foi destruída, então não tem ideia de como as vítimas se sentem — encarei Diana —, você e seu marido são podres de ricos, e não tem coragem de ceder vinte mil moedas de ouro, para concertar um reino que também são de vocês? Aposto que essa quantia você ganha em um dia, apenas um dia.
Callias parecia a ponto de pular na minha garganta quando um soldado da guarda real entrou na sala repentinamente.
— Houve um assassinato.
Me levantei e troquei olhares com Marcus, acenei positivamente e corremos porta afora. Meu único pensamento era Amanda, enquanto corríamos na direção de sua casa.
Atravessei a multidão de pessoas e quando entrei, suspirei aliviada. Amanda estava sentada com as costas na parede, e seu pai jazia caído, havia sangue para tudo qualquer lado.
Haviam homens da guarda real em toda a casa e ao redor, contendo o povo curioso que estava querendo entrar para ver. Amanda parecia em estado de choque, pois não se mexia nem falava nada.
Marcus ajudou os soldados a conter o avanço dos curiosos, enquanto eu tirava a mãe de Amanda da casa. Carruagens chegaram para levá-la dali, enquanto uma carroça levaria o corpo.
Depois, Marcus me ajudou com Amanda, eu a peguei pelo braço e caminhei para fora com ela. Os soldados da guarda real me escoltaram até o hospital.
Amanda não respondia aos chamados dos médicos, que a examinaram sem dificuldades e constataram que ela estava completamente bem, nenhum ferimento.
O rei ficou perto de mim, enquanto eu andava de um lado ao outro para ajudar em qualquer coisa a minha altura. Mesmo com a presença dele, as pessoas não paravam de querer descobrir o que havia acontecido.
Todos ficaram bisbilhotando conforme eu voltava para a casa de Amanda. Os soldados já haviam movido o corpo, que agora estava com o peito para cima. Um garfo despontava de seu olho direito, com tamanha brutalidade que duvidaria ter sido Amanda se não tivesse visto ela suja de sangue.
Ajudei a tirar o corpo da casa, ele estava coberto com um lençol de tecido denso e branco. Enquanto o tirávamos, sangue caía em abundância, deixando um rastro até a carroça.
Joel veio até mim e tocou meu ombro, parecia cansado, mas seus movimentos eram tão cautelosos que, quem não o conhecia bem dificilmente descobriria seu estado.
— Já conseguiu pegar o depoimento da mãe dela? — Olhei para ele, que acenava positivamente.
— Amanda o matou, foi legítima defesa por parte da filha. Os médicos fizeram uma checagem nela e descobriram diversos hematomas, Amanda não será presa por assassinato.
Suspirei.
Amanda teria que suportar o peso de uma morte, seria mais fácil para mim, afinal, tenho muitas, ela nunca havia feito algo igual, não tinha coragem de fazer mal a uma mosca, pensar em como ela deveria estar se sentindo apertava meu coração.
— O que vai acontecer com a casa? — Perguntei encostada na carroça, sentindo o cheiro de sangue fresco arder meu nariz.
— Provavelmente vão limpar, e se elas quiserem voltar, será escolha delas, caso contrário o conselho terá que decidir.
— Se eu entrar em outra reunião nos próximos dois meses, juro que derrubo aquele castelo com minhas mãos.
Joel riu alto.
— Isso que dá ser uma princesa Rigdor — zombou ele. Eu chutei sua canela de leve.
— Não sou uma princesa.
— Mas é nobre agora, amanhã é seu aniversário, lembra?
Meu aniversário!
Eu estava tão distraída com as coisas que andavam acontecendo, que esqueci do meu próprio aniversário.
— Lembro, claro, como esqueceria? — Menti, era óbvio que eu havia esquecido.
— Você está pronta para se alistar?
Abaixei a cabeça, eu sabia que Joel me colocaria dentro da guarda real, mas a ideia de ficar afastada dos meus amigos por dois dias não me deixava alegre.
Entretanto, eu havia ido até Rubria, para impedir que Lincoln me delatasse ao diretor, causando minha expulsão, claro, não tinha sido apenas por esse motivo, mas de qualquer forma eu fui.
— Estou sim — falei olhando para a porta da casa de Amanda, aberta e com as luzes desligadas —, quando irei para lá?
— No primeiro dia do ano que vem.
Balancei a cabeça. Quatro meses para o fim do ano, dois meses para a festa de aniversário do rei, se ele fosse fazer uma. Eu devia preparar Amanda para minha partida o mais breve possível.
— Vou até o hospital, preciso falar com a mãe de Amanda — me afastei de carroça —, é você quem vai guiar esse aí?
— Bem possível — ele me respondeu —, juízo.
Assenti e comecei a andar. Seria complicado dizer a Amanda que eu ia me alistar, não saberia dizer isso a ela, e uma carta faria com que tudo piorasse.
Caminhei a passos rápidos até o hospital. A mãe de Amanda esperava sentada em uma cadeira enquanto terminavam os exames e a checagem em sua filha.
Percebi o quanto Amanda era parecida com sua mãe, o mesmo tom de pele e cabelo, os olhos eram diferentes, mas mesmo assim, era muito mais semelhante a ela.
— Eu devia ter feito alguma coisa... — lamentou ela —, permiti que minha filha se destruísse assim...
— Podemos nos culpar por muitas coisas, menos pelo curso do destino, acredito que seu marido tinha assinado a sentença de morte dele mesmo, quando começou a fazer o que fazia — falei baixinho para ela —, o que aconteceu foi apenas uma cobrança pelas maldades que ele cometeu, a vida tem seus próprios meios de cobrar as pendências.
— O que quer dizer com isso? — Me perguntou ela.
— Não é culpa sua, nem de Amanda. A culpa foi toda do seu marido, ele fez com que ela agisse daquele jeito, e sendo sincera, se Amanda não tivesse feito, eu faria — a encarei em silêncio.
Foi como se a mãe de Amanda entendesse a situação. Ela apenas baixou a cabeça e ficou quieta.
— Vou levar Amanda para minha casa, vai ser melhor ela ficar comigo até se sentir bem, você permite?
— Não entendo porque me pedir permissão, você faria mesmo se eu impedisse.
Ela tinha razão. Eu faria.
Mas por respeito a ela, decidi perguntar primeiro. Violenta sim, mal-educada nunca.
— Bom, eu espero que você fique bem... — me levantei para receber Amanda que saía da sala acompanhada por uma enfermeira.
Assim que chegamos eu coloquei Amanda sentada no sofá e tomei um banho, já não aguentava mais o cheiro de sangue em mim.
Amanda continuava onde deixei quando terminei, seus olhos fitavam no nada. Temi que ela pudesse ficar naquele estado para sempre.
Me sentei de frente para ela depois de colocar uma xícara de chá perto dela.
— Beba... sei como se sente — falei me lembrando de sensação que tive na primeira vez que matei alguém — Não se culpe, ele teve o que mereceu. Conversei com sua mãe e ela deixou eu te trazer para cá. Peguei algumas roupas na sua casa, tome um banho e descanse, vai precisar.
Amanda continuou em silêncio e isso cortava meu coração. Me levantei e fui até ela. Dei um selinho e disse:
— Ei, está tudo bem. Você está livre dele agora.
Ela me abraçou e chorou. Talvez de alívio, ou culpa, mas finalmente tinha feito algo além de ficar parada.No dia seguinte levantei mais cedo. Embora não quisesse, seria obrigada a comparecer na reunião daquele dia, afinal, a de antes fora interrompida pelo incidente com Amanda.
Os rostos dos nobres estavam horríveis. Alguns cansados, outros bocejando. Eu era a única totalmente desperta, e imaginei que eles provavelmente tinham ajudado nos reparos do reino.
— Podemos retomar nossa discussão de ontem? — Pediu o rei.
Diana e Callias eram os únicos com roupas impecavelmente limpas, o que já me dava uma noção do que andaram fazendo. Nada.
Porém, meu puxão de orelha funcionou. Os Azarir em conjunto com Bellarim doariam a quantia em dinheiro para os reparos do reino. Os Infeor ajudariam com o trabalho braçal.
Os Rosário estariam lidando com a parte diplomática de uma nova tentativa de aliança com Rubria. E eu, estaria livre para cuidar de Amanda tranquilamente. Marcus me chamou de sortuda.
Eu era mesmo.
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Os Ventos do Norte
FantasyEm um mundo assolado por uma praga, Rosemary cresceu sozinha, dentro de um reino selado pelo medo de serem contaminados. Decidida a ajudar o exército real na luta contra os rebeldes conhecidos por Pesadelos, Rose descobre que há uma maneira de acaba...