Capítulo 14

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        — Como assim?! — Gritei diante do livro que me era apresentado.
      — O artefato que foi usado no seu teste, é sagrado, e provavelmente é a única coisa capaz de anular completamente a praga — Silrur fez um breve silêncio —, já deve imaginar porque os Pesadelos estão tão corajosos.
       — Eles querem que eu entregue o artefato? Mas... eu não estou com ele.
       — Exatamente.
        O livro que estava na mesa descrevia uma das profecias ditas por santificadas e sacerdotisas e dizia: "a menina cujo poder vem dos deuses, será capaz de usar o olho de Rilvera para anular a praga do mundo"
        Rilvera, a deusa da vida.
        Aquele diadema era chamado de olho de Rilvera. Não entendi o motivo, afinal nem parecia um olho na visão que tive.
        Se eu era capaz de usar o artefato sagrado, o único problema era onde encontrá-lo. Silrur me dissera que ele havia sido levado para o lado norte da muralha, o que obrigaria a me aventurar em terras dominadas pela praga.
         Não bastasse isso, o lado norte é tomado pelos Pesadelos. Apenas Kyvar e Vurian ainda tinham resistência contra eles. O que me colocaria em perigo.
        Me sentei na cadeira e analisei um desenho do diadema, tentando entender o nome. Me ocorreu que ele provavelmente ficava em um lugar alto, ou não. Aquele nome não fazia o mínimo sentido.
        — Para ir até lá, terei que treinar. O lado norte é mais hostil que seus desertos, devo imaginar — olhei para Silrur que concordava com a cabeça —, o que devo fazer?
        — Mandarei uma mensagem para o rei de Millandus, perguntarei qual é a situação lá, se tudo estiver bem, irei mandar você de volta, você se alista para a guarda real e passa pela iniciação, depois, desafie o comandante e monte uma tropa só sua, em seguida rume para o lado norte.
        — O comandante é meu amigo, não posso simplesmente desafiá-lo.
       — Então você terá que pensar em algo para convencer o rei a permitir a viagem.
       — Como vou saber onde procurar o diadema?
       — No centro do lado Norte tem uma caverna, bem funda, mas não há como descer. Pode ser que está escondido lá.
       — Porque não dá para descer?
       — Sem escada, você precisaria de um dragão.
       — Kyvar tem uma tropa de montadores.
       — Os dragões de Kyvar são pequenos.
       — Ou seja, terei que dar um jeito de achar um meio de descer até lá?
       — Sim... — ele sentou na mesa e cruzou os braços —, posso ver se encontro algo útil nos livros antigos desta sala.
        Balancei a cabeça positivamente. A porta se abriu e a mulher de antes adentrou a sala, trazendo uma bandeja com vários alimentos naturais de Millandus. Fiquei pensando em como conseguiram cultivar aquilo no clima desértico de Rubria.
        — Trouxe algumas frutas, querido — a mulher tinha cabelos escuros, pele morena e olhos pardos.
        — Obrigado, Maya.
        Ela me olhou e sorriu.
        — Foi incrível como me expulsou de sua cabeça antes.
        — Só não me pergunte como fiz aquilo...
        — Maya é uma Crucia, tem habilidades diferentes — disse Silrur.
        — Já ouvi falar delas, não achei que existissem — falei me ajeitando na cadeira.
        — Ela e nosso filho são os últimos.
        — Uau... — murmurei.
        — Rose, não tenha medo do que há dentro de você — Maya falou de repente e a senti dentro da minha cabeça, mas não a expulsei —, você apenas tem que entender isso aí.
        Assenti e Silrur me jogou uma maçã. Quando a mordi, senti saudade de Millandus, e comecei a torcer para que meu reino não tivesse sido reduzido a pó.
        Maya saiu da sala, nos deixando sozinhos novamente, Silrur olhou para mim e disse:
       — Desculpe pelo inconveniente, Maya ainda não consegue evitar o chamado de suas habilidades, ela me disse uma vez que é automático.
       — Não se preocupe, não há nada muito revelador aqui dentro — toquei minha cabeça com o dedo indicador —, apenas tive um pesadelo noite passada, não consegui esquecer, não é nada demais.
       — Se precisar conversar, Maya está sempre no palácio, ela é uma boa ouvinte.
        Assenti e me levantei. A porta se abriu e saí, voltando pelo mesmo caminho. Me lembrei de cada curva, degrau ou corredor, até finalmente obter o ar do lado de fora.
        Maya estava sentada em um parapeito, observando o céu, como se me esperasse ali. Caminhei até ela e fiquei em silêncio, olhando para onde Maya olhava.
         — Quer me contar sobre o sonho? — Perguntou ela.
        — Talvez, o que uma Crucia poderia fazer?
        — Deixar você mais tranquila quanto a isso?
        — Não preciso te contar meu sonho, você já viu — olhei para ela e a vi virar o rosto na minha direção. Seus olhos âmbar me observaram com meticulosidade.
        Ela respirou ofegante quando tentou adentrar minha cabeça, mas algo a impediu, eu havia sentido a sensação de estar sendo observada de dentro para fora.
        — Está aprendendo... — ela voltou a olhar o céu —, não sabemos se eu sou a última Crucia existente, o inimigo também pode ter mais da minha raça a seu dispor.
        — É por isso que tenta entrar na minha cabeça toda hora? Para eu aprender a manter esse tipo de poder longe de mim?
        Ela balançou a cabeça positivamente sem olhar para mim.
        — Seu medo é não conseguir se controlar quando se entregar ao poder. Porém, quanto mais você resiste, mais ele fica revoltado e potencialmente perigoso.
        — Não posso usá-lo, não sei como controlar isso, posso fazer besteira sem perceber.
       — O que você teme, é perder mais pessoas importantes.
        Fui pega de surpresa, o que Maya conseguira ver em minha mente?
        Não consegui evitar lembrar do beijo com Amanda. Senti minhas bochechas queimarem.
        — Não vou contar a ninguém, prometo — disse ela. Maya vira aquilo também.
        — O que mais você viu?... — Perguntei envergonhada.
        — Quando estava prestes a se tornar íntimo demais, eu saí.
        Suspirei aliviada e vi uma estrela cortar o céu. Aquilo me atraiu. Várias outras começaram a decorar o céu, era lindo.
         — Acontece dia sim, dia não. Chamamos de Aurora de Estrelas — explicou ela —, várias pessoas deste reino gostam de observar, é como se trouxesse calmaria para suas almas. Muitos acreditam que tem algo relacionado a mim, já que isso começou quando cheguei.
        — É lindo... nunca vi algo igual.
        — Antes de ir, traga aquela moça para ver, ela irá gostar, senti recentemente que ela anda preocupada e exausta.
        Concordei com a cabeça e continuei observando a aurora de estrelas, jurei para mim mesma que protegeria momentos de calmaria como este, mesmo que tivesse que derramar sangue para isso.
     

No dia seguinte, Silrur me chamou para avisar que a situação em Millandus havia sido controlada há dois dias, mas que apenas metade do povo não retornara ainda por conta dos estragos.
        O rei havia garantido que a muralha continuava selada, e acreditou que provavelmente os inimigos estivessem escondidos entre eles por um bom tempo. Não se podia confiar em ninguém.
         Silrur me mandaria de volta à Millandus assim que amanhecesse novamente, mas não tinha como mostrar a aurora de estrelas para Amanda.
        Marcus e eu reuníamos nossas coisas para partirmos, enquanto Amanda dava uma última volta por Rubria. Eu me sentia calma por conta do peso na minha cintura. O cinto de adagas estava ali novamente.
        Depois do pesadelo eu não me permitia esquecer de estar sempre armada, Amanda não gostava de me ver usando aquilo, dizia que eu parecia mais violenta do que realmente era.
        Amanda chegou no fim da tarde, com a expressão cansada e a testa molhada de suor. Depois que ela tomou banho, nos deitamos juntas para dormir, para ao amanhecer, entrarmos na carruagem de volta a Millandus.
        Eu realmente queria mostrar a ela a aurora de estrelas, mas como acontecia dia sim e dia não, o evento só poderia ser visto na noite do dia em que partiríamos.
         Observei Amanda dormindo, seu peito subia e descia suavemente, mas de alguma forma eu conseguia sentir seu cansaço, não havia percebido o quanto a amava até aqueles momentos.
         Cheguei a pensar que era algo da minha cabeça, desencadeado pelo beijo, mas eu me sentia calma ao lado de Amanda, sua alegria contagiava meu ser e fazia com que sorrisse mais que o normal.
          Comecei a pensar no que iria fazer quando visse o pai dela, não havia esquecido o que ele tinha feito. O hematoma sumira quase que completamente, mas ainda era possível ver traços distintos em seu rosto.
         Não fazia sentido seu pai fazer aquilo tudo apenas pela opção de sua filha, e foquei meu pensamento na vontade dele de transformá-la em uma Santificada. Havia um motivo por trás daquilo e eu descobriria assim que desse um jeito nele.
         Fechei os olhos e adormeci rapidamente.

Olhei uma última vez para Rubria, o reino em que descobrira mais sobre meus pais e o possível motivo de eu estar sendo perseguida pelos Pesadelos. Perto de Maya havia um menino de cabelos escuros e com a pele da mesma cor de seu pai, usava roupas pretas com detalhes em vermelho e tinha um ar de superioridade.
         Filho deles. Pensei, tem cara de príncipe, muito confiante, deverá ser um ótimo rei no futuro.
        Entrei na carruagem me sentei ao lado de Amanda. Agradeci aos céus por não precisar atravessar o deserto novamente, os Scors ficariam gravados em minha mente daquele dia em diante.
         Olhei para fora e vi um deles rastejando pelas areias. Ao redor do monstro havia uma tropa de Rubria, usando ganchos de ferro para prendê-lo. Era daquele modo que obtiveram o couro da criatura para fazer o tecido.
         Sorri diante da audácia daqueles homens, a coragem com que enfrentavam um predador vinte vezes maior que eles e, cheguei à conclusão que a vida para eles sempre seria divertida.
         Se arriscando todos os dias para abater um monstro daqueles e lutarem sem medo da morte, homens realmente admiráveis. Lutavam pelo bem do reino, sem se importarem com as consequências, faziam de tudo para manter a segurança da cidade, mesmo que significasse morrer no processo.
         Reconheci que não haveria nenhuma tropa militar como os homens de Rubria.  

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