Capítulo 22

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      Adentramos uma sala fria e mal iluminada, eu não conseguia ver muita coisa além de uma pequena cama no meio da sala. A única iluminação vinha de uma única tocha no canto direito do cômodo.
       Além da cama só havia um outro móvel, uma cômoda de madeira velha. Nos aproximamos devagar da cama, Yara me dissera no caminho que o Fath era muito velho, mas a sabedoria dele era excepcional.
        Ela explicou que a coloração dos cabelos e dos olhos se dava por conta da falta de sol, afinal, os que saíam mais eram os caçadores, os outros tinham o destino de ficarem ali dentro até que fosse seguro sair, em outras palavras, quando o império sombrio caísse.
        Na cama havia um homem, sua pele era enrugada e seus cabelos eram cinzas. Ele abriu lentamente seus olhos e me observou. Mais uma vez senti como se alguém observasse o fundo da minha alma.
        — Você é a moça que nossos caçadores salvaram — disse ele, sua voz era grossa, mas tremeluzante. O Fath tossiu duas vezes e continuou —, gastamos bastante dos nossos suprimentos com você, moça.
         Fiquei em silêncio, uma culpa enorme se instalou em mim, pois eu não havia pensado no quanto gastaram para que eu sobrevivesse.
        — Mas há um motivo, menina — o Fath continuou —, vejo em você, tristeza, mas esperança — seus olhos assumiram um tom brilhante —, consigo ver uma garotinha matando adultos com tamanha ferocidade e medo, mas, dormiu ao lado de uma fogueira sem se importar com um possível ataque noturno.
        Me assustei, o Fath estava contando meu passado como se lesse um livro.
         — Vejo, uma mocinha apaixonada, mas com medo do que tem em suas mãos, medo do futuro. Eu sei quem você é, menina, e sei o quanto está assustada com tantas coisas, consigo ver refletido nos seus olhos.
         Cerrei os punhos, não era possível que ele soubesse tanta coisa sem ao menos me conhecer.
        — Tenho apenas uma palavra para lhe dizer... está tudo bem — meu coração bateu forte, havia sido o velho que tinha dito, mas ouvi a voz do meu pai —, está tudo bem sentir medo, o medo é o que nos faz humanos.
         Comecei a chorar, era uma frase que meu pai costumava dizer o tempo todo. "O medo é o que nos faz humanos, sem o medo, somos apenas cascas vazias que servem para cometer maldades".
         Mas como? Como ele sabia daquela frase? Era como se tivesse acabado de ouvi-la. As lágrimas rolaram, não pela frase ser dita, mas pela voz do meu pai saindo de dentro do garganta do Fath.
        Eu sabia que quem estava ali era o Fath, mas sentia a essência do meu pai, e ouvia sua voz, como se ele estivesse ao meu redor, falando algo para me confortar.
        — Sei o quanto dói, sentir isso — Yara falou colocando a mão no meu ombro.
        Olhei para ela e depois para o Fath. Tudo ali dançar como reflexo na água. Voltei o olhar para Yara.
        — Vá, estarei esperando do lado de fora.
        Assenti e ela saiu. Me aproximei do Fath, ainda hesitante pelo que havia acontecido mais cedo. Ele era ainda mais velho de perto, e mal tinha forças para abrir os olhos, estava na beira de sua vida.
        — Sente-se — a voz dele voltara ao normal.
          Me sentei e ele ergueu sua mão com lentidão, eu a segurei e olhei para seu rosto. A expressão estampada era de tranquilidade.
        — Existem tantas coisas que eu já vi em meus noventa e oito anos, mas é a primeira vez que vejo uma garota tão triste, tantas coisas assolam seu coração menina — ele disse e abaixei a cabeça —, o que te aflige?
         — Eu... é só que...
         — Não consegue falar, não é?
         — Não...
         — Tudo nesta vida tem um curso, menina, todas as coisas acontecem com o mandato de uma linha tênue que nunca balança ou muda de direção, não importa o que faça para impedir.
         — Eu não consigo aceitar aquela tal lenda... nem a profecia, não são para mim, não tem como ser, sou apenas uma garota, normal.
         — Uma duquesa — ele disse, o encarei —, é... sei disso também.
         — Porque eu? Tem tantas outras...
         — Você pode não acreditar no que está diante dos seus olhos, mas um dia, verá o curso das coisas se realizando e então, no momento certo, você irá aceitar.
          — Eu... sou mesmo a...?
          — Você quer ser a garota da profecia?
          — Não...
          — Se você pegar uma pedra, e dizer a ela que não aceita que ela seja uma pedra, e dizer que é uma folha, ela será uma folha ou continuará sendo uma pedra?
          — Continuará sendo uma pedra — respondi.
          — Por que?
          — Porque foi criada daquela maneira.
          — Então com que direito você renega o que é? Com que direito renega o que há dentro de você? Com que direito renega como foi criada?
        Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Abaixei a cabeça e fiquei quieta, não havia o que responder para ele, eu não tinha o que responder.
        — No momento certo você aceitará, menina, pode não ser agora, mas uma hora reconhecerá seu chamado e o ouvirá.
         — Como vou saber?
         — Quando o dia se tornar escuro.

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