Capítulo 31

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        Ela usava um vestido bege, diferente de qualquer um que já a vi usar. Seu rosto era o mesmo, angelical como nos meus sonhos, talvez estivesse ali para me levar ao descanso, afinal minha vida tinha chegado ao fim, ainda conseguia sentir a dor e o frio.
        — Você cresceu tanto... — disse ela tocando meu rosto —, está tão linda.
        — O que vai acontecer agora? Para onde irei?
        — Para onde? Como assim?
        — Eu estou morta, para onde meu espírito irá agora?
         Minha mãe ficou em silêncio, pensando no que me dizer. Senti uma estranheza em seu modo de agir, como se quisesse contar alguma coisa para mim.
        — Você lembra do dia em que fez uma promessa para a árvore solitária? — me perguntou ela.
        — Sonhei com isso momentos antes de morrer.
        — Lembra quando eu disse que não era hora de contar para você o que tem dentro do seu corpo?
        Concordei com a cabeça.
        — Bom... chegou a hora de contar.
        — Qual é o sentido de contar agora que estou morta?
        — Você vai saber — ela começou a andar e involuntariamente a segui.
        Torres começaram a tomar forma, e de repente um palácio enorme surgiu naquela imensidão branca, era lindo e parecia ser feito de nuvens.
        Entramos a construção e rumamos para um jardim lindo na parte traseira do palácio. Minha mãe se sentou em um banco e eu me sentei ao seu lado, observando as borboletas e pássaros diferentes.
        — Este lugar é o meu preferido — disse ela —, não é lindo?
        — Onde estamos?
        — No Palácio do Céu.
        — Mas... isso não é apenas uma lenda? Assim como o Palácio das Águas Salgadas e o Palácio do Fogo Vivo?
       — Não, todos eles existem, só são difíceis de chegar, o Palácio das Águas Salgadas é o mais fácil dentre os outros, acredite.
       — Então... os Siefes existiram?
       — Existem.
       — Mas... se você está no Palácio do Céu, onde está o que rege os ventos?
       — Em algum lugar daqui, provavelmente governando a força dos ventos.
        — E o papai?...
        — Deve estar com ele.
        — Ele, está com o Siefe? 
        — Depois que morremos, eu não deixaria que ele fosse tirado de mim, então eu o trouxe para cá. Sabe, seu pai se tornou mais poderoso quando eu apareci, ele já era nobre, mas ficou ainda mais rico quando se casou comigo, bençãos dos Siefes. O sobrenome Rigdor ficou bem conhecido.
         — Mas... porque os Siefes abençoaram o casamento de vocês? 
         — Antes de conhecer seu pai, eu vivia entre os três palácios, fazia companhia aos Siefes, eles eram como pais para mim, todos os três. Então, um dia vi seu pai brincando sozinho perto de um lago, não aguentei ver aquilo e falei com ele. Todos os dias eu ia brincar com ele, e então, os Siefes notaram que eu sentia algo mais forte que amizade, e sabiam que seu pai também sentia.
        Fiquei observando a fonte jorrando água enquanto os pássaros se banhavam nela. Continuei ouvindo o que minha mãe dizia.
         — Quando comecei a namorar seu pai, os Siefes disseram que concordavam com o casamento, e que eu podia ir viver o amor em paz, mas voltaria quando meu corpo físico se desfalecesse. Então me casei e tive você...
         Aquela história não era estranha para mim, já havia ouvido ela em algum lugar e, quando me lembrei onde vi, fiquei boquiaberta sem acreditar. Olhei para minha mãe, contemplando sua imponência e não consegui falar. Ela percebeu e disse:
        — Sim... eu sou a deusa que rege a vida e o universo ao lado dos Siefes celestiais — ela se virou para mim —, sou Riviera, e você é minha filha.
        — A profecia...
        — Exatamente, a profecia não falava de uma simples menina. Falava de você, previa que eu teria uma filha, e ela seria a salvação do mundo.
        — Mas... porque você não pode acabar com tudo?
        — Tive algumas condições a cumprir para poder casar com seu pai. Guardei sentelhas do meu poder em alguns objetos, ou ele não aguentaria ficar ao meu lado. Criei o Trino Etéreo. O diadema, o anel e o colar, cada um desses artefatos contém uma parte de mim. Sem eles, meu poder não está completo, e não tenho como voltar a terra. É por isso que não tenho como acabar com a praga e lidar com aquele homem.
        — Onde estão os outros dois?
        — O anel está em uma cidade no meio do Oceano, o colar está em uma montanha tomada pela lava.
        — Um que representa o Siefe dos Ventos, o outro representa o Siefe dos mares e o último...
        — O Siefe do fogo, exatamente.
        — Devo acreditar que você não sabe a localização exata...
        — Foram eles que esconderam os outros dois, o diadema ficou no templo de Rison.
        — Porque o diadema tem consciência...
        — Todos os três tem consciência, mas o diadema é o mais fácil de ter em mãos.
        — O colar deve ser violento, e o anel selvagem.
        Ela concordou com a cabeça.
        — Você é muito inteligente, já disse que está linda? — ela voltou a olhar a variedade de pássaros.
        — Sim, você disse — sorri —, senti sua falta...
        — Você nem imagina o quanto eu também senti...
        — O que vai acontecer comigo?
        — Terei que me reunir com os outros Siefes, eles precisam dar a permissão para você voltar a terra e cumprir com a profecia — seu tom de voz era desanimado.
        — Parece que não é tão fácil assim...
        — Não... eles até são gentis, mas descordam uns dos outros, nunca entram em um acordo.
        — Verei o papai?
        — Talvez, não sei quando vão aparecer, foram resolver um problema no hemisfério Leste do universo, ventos rebeldes.
        — Então o papai virou algum tipo de deus?
        — Digamos que é como você.
        Ali eu não sabia como o tempo funcionava, muito menos quanto tempo passara desde que cheguei. Esperei com minha mãe até que o Siefe chegasse junto com meu pai.
       A princípio me assustei, o Siefe era diferente de qualquer ser humano, embora tivesse alguns traços. Seus olhos eram como arco íris, de diversas cores diferentes misturadas.
        Tinha cabelos brancos e orelhas pontudas. Era muito semelhante aos elfos descritos em alguns livros de história, mas tinha uma suavidade sem igual em suas expressões.
        Meu pai me olhou confuso, não acreditando que eu estava ali. Percorreu com os olhos da minha mãe para mim e quando obteve a confirmação, correu e me abraçou.
        Naquele lugar não existia noite, e em nenhum momento senti tristeza ou saudade da terra. O Siefe no qual seu nome era Amael, agia com uma gentileza que nenhum humano seria capaz de reproduzir.
         Não sentia fome, mas fui obrigada a comer. O gosto era infinitamente melhor que qualquer coisa que já comi, embora não tivesse encontrado nenhum serviçal desde que cheguei.
         Meu lugar favorito era o jardim, a sinfonia de pássaros cantando me prendiam ao lugar. Minha mãe aparecia o tempo todo, oferecendo coisas para comer e beber.
         Porém, repentinamente ouvi um raio cortar o céu e uma sensação diferente tomar posse de mim. Minha mãe se virou para mim e anunciou a chegada de Zuriel e Samael, os outros dois Siefes celestiais.
         Um vestia vermelho e o outro azul, que me fazia distinguir quem era quem. Zuriel era o Siefe do fogo, e Samael o da água, ambos com beleza angelical.
        — Essa é sua filha? — perguntou o Siefe do fogo —, diferente.
        — Zuriel, tenha modos — advertiu Samael —, ela é filha da nossa amiga, seja educado.
        — Ela não parece em nada com Riviera, veja os cabelos, os olhos, tem a mesma característica do Farring.
        — Você vê só os cabelos e os olhos? Olhe para dentro da existência dela, tem a mesma essência de nossa amiga.
         Zuriel me observou, e de repente senti ele vasculhando dentro de mim, saiu e concordou com Samael, balançando a cabeça devagar.
         — Ela tem a mesma essência — disse ele.
         — Eu acabei de dizer isso seu cabeça oca! — respondeu Samael irritado —, porque nunca me ouve?!
         — Repete o que disse, peixinho! — Zuriel cruzou os braços. 
        O chão do palácio tremeu e tratei logo de apaziguar as coisas, ou o que vieram fazer seria perdido em meio a briga que estavam prestes a ter, e algo me dizia que não seria algo legal de presenciar.
        — Por favor, não briguem, não vieram aqui para discutir se pareço ou não pareço com minha mãe...
        Os dois olharam para mim, com um brilho colorido se apagando em seus olhos, concordaram com a cabeça e depois saíram andando. Minha mãe tocou meu ombro e os seguiu, fiz o mesmo.
         Amael era o mais calmo entre seus irmãos, Samael presava mais pelas boas maneiras, mas perdia a paciência facilmente, diferente de Zuriel, que nem sequer tinha. Meu pai sentou ao dono do palácio do céu e Riviera ao meu lado.
        — Irmãos, como sabem, Rosemary, filha da nossa querida amiga, acabou sendo morta por um humano perverso — disse Amael e os dois concordaram com a cabeça —, sabemos que a garota tem um papel a desempenhar e precisa retornar a terra para cumprir. 
         — Você quer nossa colaboração para mandar a menina de volta? Sabe que não podemos fazer isso, imaginou o desconcerto no universo se uma alma retornasse ao seu corpo depois de ter morrido? — argumentou Samael.
         — Vocês sabem que o desconcerto seria maior se o imperador tomasse todos os seis reinos, não sabem? — perguntou minha mãe.
         — Sabemos Riviera, sabemos — disse Zuriel. 
         — Precisamos mandá-la de volta, ou o mundo que tanto precisamos proteger, sofrerá consequências de uma única decisão errada — Amael voltou a dizer.
         — A decisão errada que você julga é, não mandar a garota de volta? — perguntou Zuriel cruzando os braços.
         — Exatamente — respondeu o irmão mais velho, Amael.
         — Para mim, tanto faz — Samael falou.
         — Disse bem, para você — Zuriel continuou de braços cruzados —, não concordo com isso, as consequências de ressuscitar ela, são maiores do que ressuscitar.
        — Zuriel...
        — Irá me obrigar, Amael? Só por ser o mais velho? Você tem seu poder e eu tenho o meu, posso até ser mais novo, mas em força estamos no mesmo nível — ameaçou o Siefe do fogo.
        — Não propus um combate, apenas quero prezar pelo mundo que lutei para colocar ordem.
        — Nós, lutamos para colocar ordem — ressaltou Samael.
        — Minha resposta não mudará.
        — Ficará em paz se o mundo que era para vocês cuidarem, entrar em colapso? — perguntei a ele.
        — Vou.
        — Mesmo se milhões e milhões de pessoas morrerem?
        — Uhum.
        — Então não sei como você teve a dádiva de ser imortal e ter o poder definitivo do fogo nas mãos, pois se sentisse o que eu senti antes de morrer, mudaria de ideia — me levantei e saí.
        Repentinamente, Zuriel começou a tossir e cuspir um líquido escuro. Ele olhou para mim com expressão assustada e depois seguiu sua visão para os irmãos.
         — Estou sentindo dor... — ele murmurou —, em todo meu corpo. 
          Amael e Samael me olharam assustados, se perguntando entre si o que eu havia feito que permitiu um ser imortal sentir dor. No fundo eu não sabia como havia conseguido fazer aquilo, apenas me lembrei de tudo que sofri antes de morrer e desejei que ele sentisse.
         — Essa garota é poderosa... muito poderosa — murmurou Samael —, eu não mudo minha palavra, por mim ela pode voltar à terra.
         — Zuriel? — perguntou minha mãe —, mantém sua palavra?
         — Eu quero um tempo para pensar, estou em conflito com meus pensamentos.
         — Não temos tempo para isso Zu... — disse Amael.
         — Eu quero pensar! 
         — Tudo bem, pode pensar — disse minha mãe com sua voz calma de sempre.
         Como vi que não ia dar em nada, apenas voltei a caminhar de volta para o jardim. Eu precisava pensar no que fazer caso voltasse, não teria tanto tempo para ficar de bobeira.
         O dragão era meu próximo objetivo, mas o que me fazia pensar era se ele estava mesmo em posse do imperador. Se realmente estava, havia um motivo para aquilo.
         O imperador não prenderia um dragão considerado sagrado por nada. Se ele sabia do Trino Etéreo, eu não tinha conhecimento, mas talvez pensasse na possibilidade de usar o animal.
         Primeiro eu tinha que procurar o dragão e pegar o diadema, depois procurar os outros dois e acabar com a praga. Entretanto, o imperador estaria ao meu encalço, e era essa a minha maior dificuldade, manter o inimigo longe de mim.
          

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