parte 16.

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— Mãe. — chego no quarto dela com as mãos pra trás e em uma delas a agenda.

— O quê? — ela pergunta, se esforçando pra não revirar os olhos.

— O professor de geografia deixou um bilhete na minha agenda. — digo de uma vez sem olhar pra sua reação.

— E eu com isso? — ela diz naturalmente.

— É uma advertência.

É quando ela começa a rir. Riu tanto que eu pensei estar sonhando. Belisco levemente meu braço só pra checar. Aparentemente estou acordada.

— Advertência, Maria? Você tem o quê? Nove anos? — ela fala em meio às gargalhadas mas após uns segundos, fica séria. Completamente séria, o que me assusta. — Me dá.

Entrego rapidamente. Ela lê com calma e depois me olha por cima das páginas.

— Eu conversei durante a aula. Não foi bem minha culpa. Não quis atrapalhar o professor. Ele é meio rígido, os outros são-

— Cala a boca. Cala essa boca! — ela me interrompe gritando. Mamãe levanta da cama nervosa e lança a agenda no meu rosto. Por impulso, eu desvio e só depois vejo o objeto amassado no chão. — Pensa que eu não sei das suas saídas às escondidas? — ela vem até mim devagar.

— "Às escondidas"? Mas você quase sempre tá em casa quando eu saio.

— Você não avisa pra onde vai e que horas volta. Eu sou sua mãe, caralho! É meu dever saber.

— Eu...Eu não sabia que fosse tão importante. — gaguejo, meu corpo levemente inclinado pra trás. Um mecanismo de defesa, eu nunca sei se vou apanhar ou não.

Considero minha mãe mil vezes melhor que meu pai. Ela agride os objetos, os móveis, mas não à mim.

— Faça-me o favor, Maria. Eu não quero ter que receber do nada um policial na minha casa dizendo que a minha filha assaltou uma joalheria, ou um garoto dizendo que te engravidou, ou o que quer que seja!

— Mãe, calma. Eu prometo que vou te contar tudo. — garanto à ela, esse seu ato demonstrou afeto e eu gostei. — Hoje na escola, eu procurei o-

— Foda-se. — ela sai do quarto sem me ouvir.

— Droga. — murmúrio querendo chorar. Saio do cômodo antes que ela volte com uma garrafa de vidro pronta pra me atingir. Nunca se sabe.

Lembro da paleta de maquiagem que emprestei à minha colega. Ela fez questão de me acompanhar até em casa depois da aula só pra pega-la.

Checo as mensagens do grupo da sala e vejo que estão falando da tal festa do Pereira. Aparentemente é amanhã às nove horas da noite. Todos estão empolgados falando de quem vão pegar ou qual roupa usar. Procuro o nome de Rafael no meio do chat mas ele não mandou nada.

Acho que já está na hora de salvar seu contato. Estamos bem. Bem melhor que antes, pelo menos.

eu: oi

Mando a primeira mensagem. O tempo passa e ele não visualiza. Desisto depois de meia hora e vou deitar. Cochilo um pouco mas logo acordo lembrando que ele faltou a aula. Talvez eu deva ligar pra vó dele e perguntar se ele está bem.

— Oi, Mariazinha. — ela atende toda simpática.

— Oi, o Rafael tá bem? Ele faltou a aula hoje.

— Tivemos que levá-lo no médico pra fazer uns exames. Ele teve uma recaída e bebeu muito outro dia, escondido da gente.

— Ah, não. Ele passou mal? — passo minha mão pelo cabelo, aborrecida.

— Ele fez pose de quem tava bem, mas eu o fiz ir conosco. Não sei o que fazer com esse menino, Maria. Às vezes acho que seria melhor interna-lo.

— Não! Ele precisa de atenção. Eu sei que é difícil achar uma solução, mas vocês não podem sair do lado dele. Eu adoraria ajudar mas ele sempre nega.

— E naquela vez que ele te acompanhou até em casa? Vocês não conversaram? — ela pergunta e eu me dou conta de que o loiro não comentou do nosso momento de "paz" na frente da minha casa.

— Um pouco. Mas...Bom, eu vou tentar falar com ele amanhã na coleta de doações, certo?

— Muito obrigada, querida. — ela agradece e eu pude sentir que sorriu.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora