parte 36.

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eduarda: ele não te merece garota

eduarda: acorda

eduarda: maria pq você não responde?

eduarda: sua merdinha

São dezenas de mensagens da Eduarda. Ela realmente não sabe a hora de parar. Obviamente não contei pra os outros sobre Rafael, então eu apenas ignoro quando me perguntam algo relacionado. E pra ser sincera isso tem me deixado menos irritada.

Seria ainda pior lidar com o julgamento de todo mundo. Eduarda é uma bocuda mesmo. Se arrependimento matasse...

Meus tios vieram nos visitar, coisa que praticamente nunca acontece. Eles passaram metade do jantar falando sobre conta de luz com a minha mãe. Na outra metade ela simplesmente deu um relatório da minha rotina.

Esperei que saíssem da cozinha e fui preparar um ovo mexido rapidamente. Comi com iogurte, tentando fazer riscos no prato com o garfo. Depois de lavar a louça, volto pro quarto e reviro meu guarda-roupa.

Acabo achando um diário do fundamental um, todo empoeirado e com as bordas das páginas amareladas. Abri o cadeado com a chave e comecei a folhear, parando numa página aleatória. Pra minha surpresa a letra não tá tão ruim, consigo entender a maioria das palavras.

"Querido diário, hoje tive aula de artes e todas as meninas pediram muito que eu desenhasse [ilegível] no caderno delas. Foi muito [ilegível] mas eu me senti um pouco importante. Cheguei em casa morrendo de fome mas minha mãe disse que meu almoço seria as sobras de ontem. Tudo bem, acho que ela quis economizar um pouco de dinheiro e [ilegível] comi mesmo assim.

Amo muito minha mamãe, mas ela me trata meio mal depois que meu pai foi embora. Ele [ilegível] mas acho que era porque eu sou uma menina malcriada. Você acha que eu mereço? Não sei. Queria roupas novas! Que nem as do comercial da atriz da novela. Talvez eu peça isso no natal. Tomara que não seja [ilegível] como o do ano passado."

Termino a leitura da página chorando. Apenas uma criança tola e inocente. Eu não fazia ideia do que iria acontecer, e eu nem tô falando de desilusão amorosa.

Meu celular começa a tocar, eu levo uns segundos pra pega-lo mas assim que viro o aparelho, vejo o nome da avó do Rafael. Junto as sobrancelhas, confusa. Faz tempo que ela e a tia dele não entram em contato comigo.

— Alô? — atendo.

— Maria, que bom que é você. Por um segundo pensei que tinha mudado de número. — ela suspira aliviada.

— Sou eu, sim. — sorrio sem a menor vontade.

— Eu nunca mais te vi por aqui. Rafael não me conta muita coisa, você sabe. Mas queria saber se vocês ainda são amigos.

— Olha, dona-

— Desculpe a indelicadeza. Eu só...me preocupo com você. — ela diz suavemente num carinho inexplicável.

— Rafael e eu nos afastamos, na verdade. É só isso que posso dizer sobre. — abaixo a cabeça.

— Ah, tudo bem. Você quer vir lanchar aqui qualquer dia desses?

— Ir aí? — pergunto, procurando um jeito simpático de negar definitivamente.

— Um dia que o Rafael não esteja. — ela acrescenta.

— Eu não sei. Muita coisa aconteceu, e eu acho que se ele souber que eu fui aí, vai ficar muito irritado.

— Mas Maria, não se preocupe. Você tá muito tensa, querida. — ela tenta me acalmar.

Como ela sabe que eu tô uma pilha de nervos?

— Desculpa, senhora, mas eu não vou. E é melhor não nos falarmos mais. Adeus.

— Mas-

Desligo antes que ela termine. Coloco o celular debaixo do meu travesseiro e aperto os fios do meu cabelo, extremamente ansiosa e desesperada. Minha vida tá uma merda e minha tristeza não tem fim. As decepções não tem fim.

— Maria, tava falando com quem?! — ouço os passos da minha mãe e sua voz se aproximando.

— Com a puta que te pariu! — respondo com rispidez, fechando a porta na cara dela e virando a chave, trancando.

— Como é?! Garota, abre essa porta agora! Eu vou te castigar e você-

— Pode castigar. Eu não ligo mesmo... — me jogo na cama e cruzo as pernas.

— Maria. Sua peste! Maria! — ela continua gritando e batendo na porta freneticamente.

— O que tá acontecendo? — meu tio pergunta, acho que finalmente se dando conta de que minha mãe é uma tremenda vadia.

— Essa menina que não me respeita. É isso que tá acontecendo! — ela cospe as palavras.

— Maria, abre essa porta, por favor. Maria, sobrinha. — ele tenta usar uma voz mansa pra me convencer.

Coloco meus fones de ouvido e fecho os olhos. Pelo menos com o volume nas alturas, eu consigo não pensar na catástrofe que está prestes à me acontecer. Por enquanto.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora