parte 17.

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Ponto de vista: Rafael

Chegou sábado, e parece que as horas não passam. Não queria ir pro colégio e ajudar nessa maldita coleta de doações. Eu odeio o natal, afinal de contas. Minha tia me obrigou, não tive muita escolha, pois ainda tenho dezessete anos.

Minha vó está estranha. Parece que esconde toda sua preocupação comigo. Não é tão difícil reparar nos detalhes quando só se tem os parentes por perto.

A consulta no médico foi péssima. Me senti uma criança do maternal ao entrar na sala junto delas. Falei o mínimo possível, e agora que já passou, me arrependo. Deveria ter dito tudo o que acho. Enfim, ontem passei o dia me sentindo mal e mega ansioso. Exagerei na bebida dessa vez.

Sempre que tomo o primeiro gole, prometo à mim mesmo não ultrapassar os limites, mas o álcool parece dominar meu corpo e a minha mente. Não consigo parar. Me conter. Aguentar.

— Você nunca traz nada, Rafael. Só tá aqui por obrigação? — os caras comentam do meu lado.

Não devia ter sentado junto deles na arquibancada.

— Me deixa em paz. — suspiro.

— Nossa. Que nervosinho. — eles riem, mas batem nas minhas costas do jeito mais babaca possível pra dizer que se é amigo de alguém.

Hoje não tô com paciência alguma. O que é contraditório sendo que eu já olhei em todas as direções desde que cheguei, à procura de Maria. Não respondi sua mensagem, e tenho quase certeza de que ela tem se comunicado com minha vó por telefone.

Qual o meu problema? Ela se aproxima e eu me sinto péssimo, daí ela se afasta e eu fico pior.

A diretora deu um sermão em quem só vem pra ocupar espaço e não traz absolutamente nada de casa ou das ruas. Depois ela conversou um tempão com uns alunos mais novos. Enquanto isso minha sala se juntou pra falar sobre a festa de hoje à noite.

Claro que não falei com minha família sobre isso. Minha tia e minha avó na certa não me deixariam ir, mas eu vou. Já tenho até a desculpa perfeita pra sair de casa.

Festas são excessões para tratamentos como o meu. Vai ser como fumar um cigarro na Cracolândia.

— Então tá combinado? — uma menina pergunta como conclusão depois do falatório.

— Meu pai não deixaria mesmo. Não tem porquê falar pra família, né?

— Óbvio que não. Espero que nenhum de vocês estrague tudo.

— E eu já vou logo avisando que quem vai dançar primeiro com o Pereira vai ser eu. — outra menina diz jogando o cabelo pra trás.

— Grande merda. — João revira os olhos. — Ninguém quer saber se você vai dar pro dono da festa ou não.

Depois disso uns grupos se separam e eu volto à me sentar no último degrau da arquibancada. Todos vão se afastando aos poucos e não demora pra eu sentir uma mão tocar meu ombro.

— Oi. — Maria se senta ao meu lado e sorri.

— O que é? — me inclino pro lado, assustado com essa aproximação e o que ela causou no meu peito.

— Você não vai na festa, eu imagino. — seus olhos tremem.

— Vou. — respondo olhando pra frente.

— Mas Rafael, você acabou de ir ao médic-

— Quem te contou isso? — arregalo os olhos. Não é possível que ela esteja se intrometendo tanto na minha vida.

— Sua vó. Mas não é culpa dela. Eu liguei e perguntei por você. — ela se explica.

— Por quê, Maria?

— ...Eu me preocupo, só isso. — ela demora à responder.

— Isso não é da sua conta. Eu vou nessa festa, e se você contar pra alguém, todo mundo da sala vai ficar pegando no seu pé por meses.

— Eu não ligo. Você vai pra beber, né? — ela junta as sobrancelhas, como quem sabe o que se passa na minha mente. — Rafael.

— Mano, para. Para. — levanto. — Você não é minha babá. Some da minha vida.

Sua feição entristece e ela não move um músculo.

— Tá bom. — ela olha pra baixo, coça o nariz e sai andando.

Observo sua postura introvertida se afastar aos poucos, e sinto uma vontade imensa de pedir desculpas. Passo as mãos pelo meu cabelo, andando de um lado pro outro, pensando no que ela pode fazer depois disso.

De qualquer jeito, nada vai me impedir de ir nessa festa.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora