parte 37.

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Sempre pensei que no dia que eu explodisse com a minha mãe, minha vida mudaria de vez. Agora eu sei disso. Ela me mandou pra casa do meu tio e disse ser por tempo indeterminado. O que significa que ela só vai me receber de volta em casa quando der vontade. Talvez quando eu deixar de ser um estorvo pra ela, ou seja, nunca.

O Cristiano é até legal. A esposa dele me intimida um pouco, não sei dizer o porquê. Mas eles não atiram objetos em mim, então me dou por "satisfeita". Essa é a parte menos conturbada da minha vida atual.

— Maria, você não vai comer? — ele pergunta assim que chega na sala e me vê enrolada nas cobertas, em cima do sofá.

Aqui é onde eu durmo, já que não tem outro quarto além do deles.

— Não tô com fome. Falta um tempo pro almoço, tio. — digo, colocando meu celular de canto.

— Eu sei, mas não quer nem um lanche?

— Não. — nego e balanço a cabeça.

— Tudo bem. Qualquer coisa eu tô na cozinha. — ele sorri, faz um sinal com as mãos e se retira.

Suspiro e me afundo nas almofadas. O que eu tô fazendo aqui? Não sei meus objetivos, não sei o que fazer pra essa tristeza passar, não sei como superar. Achei ter dado um ponto final naquilo, mas ainda me sinto presa ao que sinto por ele.

Ultimamente a minha parte favorita do dia é dormir. Nem que seja só um cochilo rápido. Daí quando eu acordo é como se eu tivesse viajado pra longe e perdido tudo o que aconteceu aqui. Não penso em nada, não lembro de nada. Às vezes passo a noite acordada só pra depois ficar como um zumbi por horas.

Acho mais eficiente que muitos métodos terapêuticos. Porém meio viciante.

[...]

— Maria, estamos indo. Você vai ficar bem aí? — tio Cristiano pega sua mala de trabalho e vai até a porta, acompanhado de sua mulher.

Ela só fala comigo quando convém.

— Sim. — afirmo. — Pode ir.

Eles saem acenando simpaticamente. Hoje é quarta, dia de educação física. À essa hora minha turma deve estar se alongando no ginásio, seguindo os comandos do professor.

Seis da noite, estou na sala vendo televisão e comendo salgadinhos. Uma angústia crescendo cada vez mais dentro do meu peito, minhas pernas tremendo constantemente e meu semblante entediado.

Senhor, não paro de pensar nele. Já é parte da minha rotina. Venho tentado não reparar no Rafael durante as aulas, mas é impossível não notar que ele está mais feliz. Isso de certa forma me deixa feliz também, mas não é o bastante. Eu queria ser a pessoa que faz ele feliz, que o ajuda.

É um pensamento errado, mas enfim. Estou no fundo do poço.

Tempo depois, me assusto com o toque do meu celular. Saio do banheiro com preguiça e vou até a sala pega-lo. É, ainda tenho o número do garoto. Seu nome aceso na tela faz meu coração palpitar.

Atendo mas não digo nada. O que ele quer?

— Maria, eu sei que você tá aí. — ele fala primeiro, no seu tom provocador de sempre.

— Claro, eu acabei de te atender. — rebato num tom baixo.

— Minha vó me contou sobre a conversa de vocês.
Ela tá preocupada, e eu também.

— E? — dou de ombros.

— E eu quero saber como vão as coisas na sua casa. Ela disse que você claramente não tava bem.

— Pra quê quer saber disso? — não consigo ser grossa, apesar de tudo.

Droga!

— Venha aqui hoje. Agora, de preferência. A gente vai conversar.

— O quê? — arregalo os olhos.

— Você vai me fazer ir aí? Acho que sua mãe não vai gostar. — seu tom está confiante.

— Eu não moro mais com ela. — falo rapidamente. — Olha Rafael, isso não é problema seu. Me deixa em paz.

— Uau, as coisas mudaram mesmo.

— É, eu sei. — mordo o lábio forte. — Mas você te-

— Cale a boca e venha pra cá. Por favor? — ele me interrompe.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora