parte 26.

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Ponto de vista: Rafael

Hoje já é terça e eu não consigo tirar a manhã estranha de domingo da cabeça. Ao chegar em casa, não precisei falar muita coisa. Minha avó agiu como se estivesse orgulhosa de mim e me entendesse completamente. Ela disse que falou com a Maria por telefone e ela confirmou a "noite de estudos".

Exatamente como ela tinha contado antes. Minha tia disse que eu tô liberado pra sair, somente se for pra casa da Maria ou se ela estiver envolvida. Por algum motivo elas confiam piamente naquela menina. Agora eu sei porquê ela é do jeito que é. O pai a abandonou e ela mora com a mãe narcisista. Não foi difícil deduzir depois daquele vexame.

As coisas ficaram claras e se tornou cada vez mais difícil não gostar dela.

Alguns detalhes da festa foram surgindo aos poucos na minha mente depois de estar totalmente sóbrio. Maria e outra garota da minha sala se beijando. Eu beijando uma garota desconhecida que não lembro o nome, eu me enchendo de bebida, Maria correndo atrás de mim na rua, nós dois discutindo enquanto uma chuva se inicia.

Gostaria que tivéssemos nos beijado. Fiquei pensando nisso depois de me masturbar algumas vezes imaginando ela. Meu desejo só aumenta a cada dia, e isso tá me matando.

Minha terapeuta nova disse que eu odeio ser amado e querido pelas pessoas. Que eu prefiro ser inacessível e incompreendido. Basicamente, que eu sou um babaca vitimista.

Por isso o que sinto pela Maria me magoa tanto. De acordo com a maldita análise da psicóloga, eu gostaria que Maria me odiasse tanto quanto eu finjo odiá-la. Assim eu teria um "motivo" pra ir atrás dela.

Já é terça de novo e eu não vejo mais sentido nisso tudo. Já li que masturbação uma vez por semana é o ideal, pois não acumula nada dentro do corpo. No meu caso, eu não dou espaço algum pra nada, literalmente nada se acumular.

Uma punheta, duas punhetas, "ver Maria", "não pensar na Maria", três punhetas, quatro punhetas...

— Oi. — encontro ela encostada na parede do pátio na hora do intervalo.

— Oi, Rafael. — ela me olha com brilho nos olhos e um sorriso belíssimo. Uma belíssima atuação, porque no fundo eu sei que ela não é uma pessoa feliz. — Você tá bem?

— Podemos sair hoje? — vou direto ao ponto.

— Eu não posso. Você sabe o porquê. — ela se entristece.

— Não sei, não.

— Minha mãe. Ela não quer que eu me aproxime de menino nenhum. Na verdade, de ninguém.

— Você saiu escondida pra festa. O que te impede de sair de novo?

— Tá bom. Eu me viro. Onde quer ir? — Maria acaba aceitando, mudando totalmente sua postura.

— Na minha casa? — levanto uma sobrancelha, dando uma sugestão. Pura enganação, ou vai ser na minha casa, ou vai ser na minha casa.

— Legal, adoro sua vó e sua tia. — ela recupera a empolgação.

— Então, elas não vão estar em casa. Vão fazer caminhada e geralmente demora um pouco. Você pode ir umas quatro da tarde?

— Posso. Eu vou. — ela garante. — Você resolveu ser legal comigo, agora?

— Não começa. — solto uma risada sem graça.

— Fala. — a garota me olha esperando que eu diga algo. Isso me assustou.

— Estamos de bem. Você não quer isso? — provoco e ela fica sem reação.

— Entendi. Eu quero. — ela me olha de cima à baixo rapidamente.

— Então eu te espero. — falo antes de dar as costas e ir em qualquer outra direção.

Minha lógica é: se eu fazer o que meu instinto animal quer tanto de uma vez, talvez eu me livre dessa sensação horrível que é querer a Maria. Ou querer o corpo da Maria. Sei lá. É complicado tentar desvendar esse enigma que é o interior humano.

As coisas podem ir de mal à pior, definitivamente. Porém só irei saber de certeza depois das quatro.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora