parte 23.

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Apresso o passo ao ver que Rafael está se aproximando da esquina.

— Rafael, para! — grito antes que ele atravesse a rua. Ele se vira pra mim, mas mal consegue se manter em pé. — Onde vai? — me aproximo pra dar a ele um apoio.

— Sai de perto de mim... — ele grunhe, se afastando. — Isso tudo é uma grande brincadeira de merda pra você, não é?

— O quê? — fito ele que respira ofegante. Parece querer chorar.

— Cê fica...fica tentando me proteger, me ajudar. Tudo pra quê? Não entende que eu sou um fodido? E se eu pioro à cada dia, é por sua causa! — ele aponta o dedo pra mim, e isso chama a atenção das pessoas que passam por nós.

— Não faz isso, Rafael... — balanço a cabeça em negativo e ele fica cada vez mais agitado. Um silêncio se instala e eu tento raciocinar. — Você é um imbecil. A verdade é que não merece a preocupação de ninguém! Mas eu não posso evitar-

— Não pode evitar e quer estragar a minha vida? Eu devia te odiar, Maria. Eu devia... — ele se desequilibra e acaba se encostando no muro ao lado.

— Eu gosto de você de verdade. Não devia, não queria, mas gosto. Cê sabe disso. Acho que os outros tão começando a saber, também. Você só não quer enxergar. Beijar outra pessoa não é nada... — as lágrimas escorrem pelo meu rosto, e eu tento contar internamente quantas vezes chorei nesses últimos tempos.

Volto à me dar conta — pelo menos um pouco — da realidade quando sinto gotas frias de chuva caírem sobre mim. Rafael abaixa a cabeça e fica olhando o chão por um tempo.

— Eu odeio a minha vida. — ele murmura, passando a mão pelo cabelo úmido.

— Vem. — coloco seu braço em volta dos meus ombros.

— Não. Não. — ele se nega, com suas mãos trêmulas e sua ansiedade à mil.

[...]

Se ele fosse direto pra casa, na certa se meteria em mais problemas. Sua vó e sua tia são legais demais pra passarem por uma decepção dessa. Rafael não merece o carinho que recebe das pessoas. Eu devia me tocar disso logo.

Trouxe o garoto onde moro. Sinto certo medo ao abrir a porta da frente. Minha mãe não gostaria nada disso. Mas ao notar que ela ainda não chegou, resolvi apressar as coisas pra que ela não nos pegue "no flagra".

— Você devia tomar um banho. — falo pra Rafael depois de ver ele se jogar na cama da minha mãe.

— Não... — ele resmunga e eu reviro os olhos.

Eu não devia ter feito isso.

— Rafael, você tá sujo e fedendo. E eu também. — chacoalho seu pé e ele faz sons de desaprovação. — Venha... — com muito esforço, consigo fazê-lo levantar.

Parece que ele está no modo automático, faz a primeira coisa que dá cabeça. Entramos no banheiro e eu, com muita vergonha, o ajudo a tirar sua roupa. Evito olhar em determinadas áreas de seu corpo, e tento pensar numa solução.

— Maria... — ele pronuncia meu nome, numa voz sonolenta.

— Acha que consegue se ensaboar sozinho? — pergunto. Ele solta uma risada baixa e eu o guio até o box. — Eu vou estar do lado de fora.

Fecho a porta e fico próxima pra me certificar de que conseguirei ajudar caso ele se atrapalhe. "Você é uma idiota, Maria". Eu sei disso.

egoísta [r.l]Onde histórias criam vida. Descubra agora