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Tentei convencer Gilbert de pedir que o cocheiro parasse a carruagem, mas ele insistiu que aquilo não foi nada de mais, mesmo que o cheiro de vômito tenha se impregnado na carruagem e feito Josie abrir a janela da carruagem e por a cabeça completamente para o lado de fora.

Eu estava morta de vergonha e sinceramente. Eu não sei o que deu em mim, mesmo Gilbert tentando lidar com aquilo como se fosse algo normal, tanto ele quanto eu sabemos que não é. Queria poder fugir daqui e passar algum tempo longe de todos. Principalmente da minha própria cabeça.

- Anne, me escute. - disse Gilbert firme, mesmo com a cabeça para baixo enquanto limpava o vômito das roupas com lenços de tecidos descartados com cada vez mais frequência pela janela -, está tudo bem, eu tenho certeza.

- Eu sinto tanto, Gil. - digo querendo chorar - Eu não consigo. Eu não vou conseguir participar da coroação.

- Você consegue sim. Você é mais forte do que acha que é, só se subestima.

- Eu estou tão cansada...

- Anne... - ele toca meu rosto.

Josie tira a cabeça da janela e dá um tapinha no teto, fazendo o cocheiro parar.

- Vou sair daqui antes que eu vomite também. Vou sentar com o cocheiro.

- Mas Josie...? - a pergunta para na minha boca, ela sabe do meu medo, duvido que eu consiga ficar tão perto de um estranho por um longo tempo, nem consigo imaginar como é para ela.

- Eu sempre estou preparada. - diz puxando um pouco a manga do vestido e mostrando uma adaga presa no antebraço, então ela sai.

Suspiro.

- Anne -, ele me chama novamente - não importa o que aconteça, qualquer coisa que você faça será suficiente para...

- Suficiente para você, não para mim, não para a Escócia. Eu não consigo ser rainha, só de estar na corte já acho um peso enorme, muito menos rainha. E de dois reinos para tornar tudo ainda pior.

- Eu não disse isso.

- Mas essa é a verdade. O meu melhor não pode ser o suficiente apenas para você, precisa ser melhor para mim e acima de tudo para dois povos. Eu te amo, mas não sei se consigo ser o que você e essas pessoas precisam que eu seja. Vou ser uma péssima rainha, as pessoas vão me odiar e isso vai contaminar a sua imagem. Uma hora você vai se cansar disso e vai me mandar embora com toda a razão. No seu lugar eu também me mandaria embora...

- Anne! - ele solta o lenço e segura meu rosto com força, como se quisesse me manter no lugar mesmo contra a minha vontade - Isso não aconteceu, isso não vai acontecer. É coisa da sua cabeça. Isso é ansiedade.

Eu me afasto de seu aperto na hora, me encolhendo o mais longe dele que pude.

- É contagioso? Posso te passar isso?

Ele abre um sorriso triste e percebo que seus olhos brilham sob a luz do sol que entra pela janela.

- Se fosse contagioso você teria pego de mim.

- Como assim?

- Eu também tenho isso. Quando eu tinha onze anos minha mãe descobriu que eu tinha, ela disse na época que era normal para herdeiros, mas está tudo bem.

- Eu posso morrer?

- Não, você não vai morrer.

Pela hesitação em responder tenho a impressão de que ele é mentira. Eu posso morrer sim. há quanto tempo eu tenho isso? Desde que eu entrei no palácio?

- Diga a verdade, Gilbert. - digo sentindo meus braços fracos, aperto os punhos com mais força.

- Você não vai morrer por isso, Anne. - ele repete firme.

- É mentira.

- Eu estou vivo e até que eu morra posso te garantir que isso não vai te matar.

- Você jura que isso não pode me matar?

- Eu juro que isso não vai te matar.

- Gilbert. - sinto meu peito apertar.

- Está tudo bem. - ele me garante, segurando minhas mãos sem tirar os olhos dos meus.

Quando ele abre meus punhos sinto o ar gelado bater em minhas mãos, estavam suadas, mas nos pontos que eu havia apertado parecia que o frio era mais intenso. Tentei abaixar a cabeça para olhar para as minhas mãos, mas Gilbert não permitiu, abaixou a cabeça e me beijou calmamente, tentando me acalmar. Logo depois ele me aperta contra o peito, esquecendo que ainda estava fedendo, mas me mantive ali, de olhos fechados até a carruagem parar e eu perceber os sons do lado de fora. Chegamos no porto.

O cocheiro abre a porta segundos depois, mas Gilbert me empurra mais firme sob o peito.

- Um segundo. - ele pede e a porta é fechada novamente - Você consegue ir até o navio? Se fizer isso vai poder entrar na cabine, tomar um banho quente e terminar o seu livro.

- Porque eu iria querer ler um livro agora?

- Sempre me ajuda. Pode ajudar você também, a não ser que goste de outra coisa.

Na mesma hora me lembro da pilha de livros em seu quarto, tanto no da Escócia quando no da França. Tantos livros. Quantas vezes ele não precisou ler para esquecer o que pensava?

- Eu adoraria ler com você. - digo.

Desculpem a demora

A Falsa Prometida - ShirbertOnde histórias criam vida. Descubra agora