🌈Confrontos Passados

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🌈 Música do capítulo: Yellow - Coldplay

S/n Pov

    — Afrodite era uma deusa muito adorada pelos gregos em virtude de sua beleza bidimensional, porém a própria deusa temia perder toda a sua veneração se surgisse alguma dama mais bela que ela. Para a má sorte da mortal Psiquê, a jovem se equiparava em formosura com a deusa. Então Afrodite mandou seu filho Eros, mais conhecido na mitologia romana como Cupido, que assim como a mãe gozava de uma das faces mais belas que poderiam existir, para dar fim à ameaça. Quando Eros conheceu Psiquê, descobriu que a jovem era na verdade uma princesa e que dispunha de tanta beleza exterior quanto interior. Eles se apaixonaram e casaram, porém com a condição de que a mortal jamais pudesse ver o rosto do deus que só retornava para a ver no palácio nos céus quando anoitecia.
    "Influenciada por suas irmãs invejosas que plantaram a semente da discórdia, Psiquê quebrou a promessa que fez ao marido e acendeu uma vela enquanto o mesmo dormia. Eros, furioso, saiu voando em fuga, deixando sua esposa sozinha. Após perder a casa, o marido e o conforto, Psiquê recorreu à deusa do amor, que secamente lhe deu algumas tarefas que supostamente lhe trariam sua vida de volta. Por ironia, a última tarefa consistia em descer até o submundo, onde nenhum mortal poderia sair depois de entrar".
    — Que garota culta! — O coração ambulante me encarava do banco passageiro dianteiro.
    — Cala a boca, Taehyung! Agora que estava ficando bom! Deixa ela terminar — reclamou Jungkook se remexendo todo indignado com a interrupção.
    — Aish! Tá! Desculpa! Continua, S/n.
    Arrumei o babado da saia do meu vestido e me ajeitei no banco. Sentia que alguém me vigiava e meu instinto me levou ao retrovisor. Não vi nada, apenas tive certeza de que aquele estranho estava me estudando enquanto dirigia. Não havia um pingo de suspeita nele, mas sabia que algo estava errado. Tae se virou mais uma vez, incentivando-me a continuar:
    — E Psiquê o fez. Ela deu a própria vida para ter seu amor de volta. Foi até as profundezas obscuras do submundo e...
    — E aí? O que aconteceu depois? — Tae inclinou o pescoço para trás pela terceira vez.
    — Se você deixar ela terminar o conto você vai saber. — JK juntou o cenho com os dedos.
    — Tem razão. Desculpa de novo.
    — Certo, onde estava? Ah, sim, Afrodite, vendo o esforço da jovem para encontrar seu filho, retirou Psiquê do submundo e abençoou o casal. Eros, ao saber do sacrifício de Psiquê, retornou e segurou novamente sua amada em seus braços. Psiquê dizia que o amor deles era o maior que existia, pois ela finalmente havia o visto em sua forma verdadeira e o amou ainda mais por isso. Sua relação não mais tinha segredos, tornando-se um exemplo para todos, inclusive para os próprios deuses.
    — Que sutil maneira de nos convencer de que mentiras são tóxicas pro nosso relacionamento, pirralha. — JK levantou uma sobrancelha e sorriu galanteador.
    — O quê? Não, não, não... Você entendeu errado!
    — Ela quis dizer que muitas vezes o sacrifício é visto como algo ruim, mas que no amor a gente tem que insistir se for o que realmente queremos.
    — Isso! Precisamente! Tae prestou mais atenção que você, senhor reclamão!
    Jungkook agarrou minhas bochechas, apertando-as de forma que me obrigasse a parecer um peixe, daí me beijou com raiva. O taxista é que nos interrompeu, buzinando e dizendo sem parar "No kissing, no kissing!". Até aquele momento estávamos nos comunicando em coreano e aquele indivíduo trabalhador que vos dirigia devia pensar que éramos kamikazes ou algo do tipo. O homem era muito sério e cheirava a meia suja. Eu tinha um mau pressentimento sobre ele e aquele chapéu-coco estranho que usava.
    — Vocês estão a fim de ver um filme na Netflix depois da V live? — sugeriu Tae.
    — Tem um tal de 365 que me interessou bastante. — JK terminou sua fala mordendo os lábios e me analisando com o olhar, totalmente depravado.
    — A-acho que por hoje deu pra mim — respondi desviando o olhar para o dilúvio que acontecia do lado de fora.
    — Ainda tá com corda, Jungkook? Dá uma segurada aí — pediu Tae, sua cara desgostosa.
    — S/n sabe que estou brincando. Só quero uma coberta, uma cama, um escurinho e um corpinho para eu esquentar.
    — Até que não é um plano ruim. — Virei para Jungkook segurei sua mão.
    — Ótimo! Fiquei de vela. Sabia que não devia ter vindo na frente.
    Mal dá tempo de começarmos a rir de Tae. O táxi parou e o taxista cobrou a pequena corrida. Tae abriu a porta e teve dificuldade para se levantar, pois estava enfiado entre as sacolas. JK saiu e o ajudou, puxando e o levantando.
    — Toma aqui, JK — Tae entregou sua carteira com pressa por conta da chuva —, e paga o moço. Se você me devolver e estiver faltando "a quarter", além do preço que deu naquela telinha, eu vou saber!
    Caminhou ensopado para o hotel sem antes dar o direito de JK responder, os braços tensos de carregar tanta coisa.
    Entreabri a porta e recebi um olhar ameaçador do taxista, o que me fez aquietar no banco novamente e esperar. Tenho cara de gente que dá calote? Até parece que sairia correndo para não pagar aquele valor insignificante!
    Jungkook murmurou alguns desaforos enquanto fuçava na carteira de Tae, pegando o valor certinho.
    — Tae é realmente o garoto Chanel. — JK vira a pequena carteira de couro, revelando o símbolo da marca. — Pelo menos ele gosta de coisa boa. — Suspirou. — Aqui está. — Esticou o braço e permaneceu assim até uma mão surrada esmagar as notas.
    O homem estranho encarou Jungkook. Meu amado engoliu em seco, fechando a porta da frente e partindo para abrir a minha, um cavalheiro. O garoto fez força, mas observei o pino travando a porta. Ele colocou o rosto no vidro embaçado, apoiando-se em concha e me pediu para abrir. Sorri ao ver sua carinha e me virei para o completo estranho com a finalidade de pedir a ele que destrancasse minha porta.
    O que veio a seguir fez minha pressão baixar. Pude sentir a temperatura do meu corpo se esvaindo como um líquido de recipiente sendo derramado. Primeiro a minha cabeça, depois o tronco e pernas, deixando-me completamente fria como se meu corpo tivesse passado horas mergulhado em um lago congelado.
    — Diga a ele para ir embora — ordenou o taxista. A sua voz era cavernosa e parecia bastante gasta com os anos de vida.
    O metal moldado em formato cilíndrico exerceu pressão contra minha testa, não deixando muita escolha a não ser me virar numa calmaria enlouquecedora e obedecer. Ainda sentindo o contato da arma na minha cabeça, encontrei um Jeon pálido na janela.
    Eu tremia freneticamente e o pedia através do olhar que não fizesse nada, afinal não sabíamos quem aquele homem era ou o que era capaz de fazer. Minha preocupação era JK querer agir conforme sua índole heróica e tentar me resgatar. Ou foram minhas lágrimas negras que tingiam meu rosto, marcando-o com desespero, ou a cena que ele presenciava que o convenceu a se comportar. Jeon tornou seu olhar ainda mais obscuro ao ver o homem empurrar minha cabeça com a arma como um segundo aviso. Conseguia ver Taehyung de relance parado a uma boa distância num abrigo contra os pingos densos. Ele tentava espiar o que acontecia, mas JK estava parado na frente em total inércia. Eu não podia gritar. Não podia fazer nada. Eles também não poderiam me ajudar. Eu seria levada.
    — 휴대폰 (hyudaepon).
    Não tinha como saber se Jungkook havia me entendido, mas o garoto se afastou, acabando dolorosamente com nosso contato visual, e andou apressadamente para o hotel, os cabelos negros molhados grudando na sua pele.
    — Boa garota — o sequestrador me "elogiou".
    A boca daquele estranho era sebosa. Seu coração devia ser podre como os dentes, encardido em amarelo e cheio de gordura. Ele deu partida, levando-me junto rumo a um destino desconhecido que aparecia no seu GPS. Observei deploravelmente meus amores sumindo dentre os carros que passavam em alta velocidade.

❝𝐂𝐨𝐥𝐨𝐫𝐬 ❼ ❞Onde histórias criam vida. Descubra agora