Capítulo 17

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Eram cinco da manhã quando acordei com o barulho de tiro no matagal nos fundos da minha casa, e desde então não consegui dormir, mesmo meu celular estando programado para despertar uma hora depois.

Minha mãe e Leornã também estavam de pé, com medo de terem que correr caso aconteça alguma coisa, e como não foi apenas um tiro, estavam com toda a razão, já que não fazíamos a menor ideia de o porquê aquilo havia acontecido.

Como me levantei mais cedo, tomei banho mais cedo e fiquei aguardando o horário para que eu pudesse descer, torcendo para que eu não fosse revistado novamente e acabasse perdendo o ônibus, porque por mais que eu fosse para o ponto um pouco mais cedo por causa da última vez, a gente nunca sabe.

― Que dia é sua folga? ― Minha mãe pergunta. Ela estava na mesa comigo.

― Não sei. ― Sorrio.

― Você trabalha todo dia...

― Infelizmente sim mãe... ― Dou um meio sorriso.

― Isso é quase um trabalho escravo Leonardo. Nunca vi trabalhar sem ter pelo menos um dia de folga...

― Você ficou um tempo trabalhando sem folga... ― A lembro.

― Sim, isso é verdade, mas eles me pagavam bem pelo menos.

― Mas o seu serviço era exaustivo, ficava por conta de limpar tudo... E eu só dirijo e fico sentado na cozinha fazendo fofoca quando ninguém precisa de mim.

― Eu sei...

― Foi o único que eu consegui, então vou ter que me contentar, por mais que seja de segunda a segunda. ― Essa era a verdade.

― Você devia ter estudado meu filho, feito cursos... ― Ela toma mais um gole do seu café.

― Sim, eu sei mãe, mas eu não fiz, e agora é praticamente impossível.

― Trabalhando do jeito que você trabalha é impossível mesmo. ― Ela sorri. ― O problema meu filho, é que a gente tem que se fazer valer ainda mais nesse mundo, porque sempre vão tentar nos desmerecer, e com isso, teremos que sempre nos mostrar melhor a cada dia que passa.

― Sim.

― Olha pra mim. Sou uma mulher estudada, que fez faculdade, e que não consegue trabalhar na área que mais ama por falta de oportunidades. Não é que eu não corri atrás do meu sonho de ser professora, eu corri, e corri muito, mas eu dei com muitas portas na cara, ainda mais naquela época, e eu não podia ficar sentada esperando quando eu tinha dois filhos para criar, ainda mais com o inútil do seu pai desaparecendo no mundo.

― Eu sei que foi difícil para você.

― Foi, e ainda é. Como nunca pude exercer minha profissão, hoje ninguém me contrataria por falta de experiência, sendo que ninguém quis me contratar quando eu realmente precisava... É a triste ironia do destino. ― Ela sorri.

― As mesmas pessoas que jogam na sua cara a falta de experiência, são as mesmas que não quiseram te dar as oportunidades.

― Exatamente! ― Ela bate na mesa e sorri. ― E agora cá estou eu, com meus cinquenta e poucos anos, doente, sem emprego, sem salário...

― Tá toda ferrada. ― Começo a rir.

― Toda fudida. ― Ela também começa a rir.

― Tem que rir pra não chorar né. ― Acabo de tomar meu café.

― Já chorei tanto nessa vida por causa de tanta coisa, que hoje, qualquer coisa que vier eu estou encarando com um sorriso no rosto, inclusive esse câncer.

Conflitos InterpessoaisOnde histórias criam vida. Descubra agora