Duas semanas haviam se passado desde que tentaram me substituir, e durante esses quatorze dias, quase nada aconteceu. Mantive os meus afazeres e continuei fazendo o que eu sempre fazia.
Os meus "negócios" estavam aumentando. As mercadorias, que antes eram dividias entre cinco pessoas semanalmente, hoje eram divididas entre quinze. Acho que o meu confronto com aquele burro do caralho chegou no ouvido das pessoas, e com isso, a confiança no trabalho que eu fazia, então eu passava cada vez mais tempo dentro daquela sala e as vezes tendo que resolver problemas com os filhos da puta que se achavam donos da razão.
Minha parceria com o policial novo estava indo bem. Ao contrário do que eu imaginava, ele não era tão cuzão assim. O homem gostava de dinheiro, e enquanto eu molhava a mão dele, ele agia a meu favor, então eu sempre fazia uma nota mental de continuar com isso, lhe alimentando para que ele pudesse fazer o que eu precisava, como repassar a droga algumas vezes, ou fingir que não estava vendo nada e abafando situações como a de um dos meus rapazes ter sido pego.
Caique estava trabalhando num supermercado na favela. Acontece que nessas últimas semanas, ele realmente percebeu que não tinha ninguém. Ele queria sair da minha casa, caçar um rumo na vida, mas com suas contas bloqueadas, ele não conseguia. Ele tentou contato com os seus "amigos", mas depois de três dias tentando, se deparando com lamentos, viu que não tinha ninguém, ainda mais com a notícia de que seu pai teria que se aposentar por ter ficado paraplégico em um "acidente de carro". Acho que ele sabia que se vazasse qualquer informação a meu respeito, corria o risco de amanhecer com a boca cheia de formiga, ou simplesmente ser encontrado dentro de um córrego qualquer.
Enquanto eu fazia notas do meu rendimento semanal, Luan entrou na minha sala, preocupado. Fechei o notebook e o encarei, esperando que ele desembuchasse logo o que tinha para falar.
— Fala caralho. — Digo quando vi que ele não iria dizer nada.
— Uma de suas mulheres vai meter o pé da favela.
— Eu não tenho mulher nenhuma Luan. Está falando das mães dos meus filhos?
— Sim.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Eu achei que iria querer saber que sua filha mais velha ia se mudar...
— O que eu posso fazer? A mãe dela tem a guarda total. E por mais que me doa ficar longe dela, é o melhor. Não tenho nada a oferecer como pai Luan.
— Não é verdade Jão. Vejo você com as crianças do orfanato de vez em quando... Elas gostam de você.
— Porque não moram comigo. — O encaro. — Não sou boa influência pra criança não.
— Tudo bem... Eu só achei que deveria saber. Não sei se ela planejava te contar, mas se não, pelo menos agora você sabe.
— Obrigado pela informação.
Quando Luan sai, olho para o notebook outra vez, voltando a trabalhar.
Eu sentiria falta da Joana, mas o que eu poderia fazer? A mãe dela nunca deixou com que eu passasse mais de dois dias com a menina, isso quando ela precisava sair ou viajar, porque quando ela estava em casa, eu nunca podia nem ver a minha filha, nem ao menos pedir sem arrumar confusão com ela e com a mãe dela, outra cuzuna que eu não suportava.
Pensei em mandar mensagem para a Marta, perguntar sobre a mudança, se iria para muito longe, mas eu preferi deixar pra lá. Se ela achava melhor não me contar, tudo bem. Eu não era boa companhia para ninguém, que dirá para uma menina de doze anos. A única coisa que eu esperava da Marta é que ela respeitasse a nossa filha, porque o momento iria chegar, eu sabia que iria só de observar a menina, e seria questão de tempo até ela saber, isso se ela já não desconfiasse de alguma coisa.
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Conflitos Interpessoais
RomanceLeonardo teve tudo o que queria sendo braço direito de quem comandava a favela, mas a doença de sua mãe o trouxe de volta a realidade, lhe obrigando a iniciar uma nova vida. O racismo se torna constante logo nos primeiros dias, e lidar com essa ques...