Os ônibus não estavam subindo os morros da favela há alguns dias devido a uma invasão policial doentia que aconteceu há semanas, então algumas pessoas dependiam de moto taxi para subirem ao descerem do ônibus, pessoas que tinham condições de arcar com 2 reais na ida e dois na volta todos os dias, e eu não era uma delas. A minha sorte é que eu não morava tão no alto assim, então gastar uns quinze minutos a pé todos os dias não me doia, o problema era o terno, que me esquentava pra caralho, mesmo sem o paletó.
Quando estava perto de um dos bares, Jão, ao me ver subindo, desceu a laje da casa onde estava e veio em minha direção. Parei um momento com a mão na cintura e aguardei ele se aproximar.
Ele foi um dos meus companheiros na época que eu mexia com as coisas. Geralmente a gente andava sempre junto, fazíamos os corres e o que precisasse. Nos conhecemos desde sempre, já que nossas mães eram amigas, então desde cedo a gente aprendeu a se respeitar, e mesmo não sendo amigo um do outro no começo, criamos uma espécie de laço, que mais remetia ao respeito mútuo do que a amizade, mesmo que ela tivesse aperecido com o passar do tempo.
― O que tu fez com o cabelo? ― Ele usa a arma para apontar para a minha cabeça recém raspada.
― Aponta essa merda pra lá Jão! ― Grito com ele.
― Foi mal. ― Ele ri e coloca o revólver na cintura.
― Tive que cortar por causa do trampo.
― Falando em trampo, o povo lá de cima sente a sua falta.
― Sente né... Sente o caralho. Fiquei sabendo que colocaram outro lá no meu lugar dois minutos depois que sai.
― Uai, a vaga precisava ser preenchida. Ele tá andando comigo agora, mas não preocupa não, tú é insubstituível. ― Ele começa a rir.
― Vai tomar no cu! ― Começo a rir também. ― E quem é que tá lá?
― O filho da dona Marinalva.
― Sei quem é... Então agora tem dois magrelos brancos vigiando quem entra e sai do morro?
― Posso ser magrelo pra caralho, mas boto respeito. Sei dá tiro. ― Ele tira a arma da cintura e a levanta para o alto, ameaçando atirar.
― Eu sei que sabe, eu que te ensinei essa merda.
― Então não duvida das minhas habilidades. ― Ele cruza os braços sobre o peito.
― Nunca duvidei... ― Sorrio.
― Seu irmão desceu o morro mais cedo, foi lá pra avenida...
― Não acredito que aquele infeliz deixou a mãe sozinha. Vou dar um murro naquele filho da puta.
― Pois é. Mais cedo ou mais tarde ele vai acabar levando esporro lá embaixo, a não ser que você continue querendo que o povo tome conta dele.
― Foda-se. Não vou ficar protegendo mais não. O desgraçado desejou a morte da mãe, e isso pra mim foi a gota dágua. Por mim que apanhe lá embaixo. Não vou ficar pagando para protegerem ele mais não, tenho uma dívida com o capeta e os remédios da mãe pra pagar. — O vejo ficar sério na hora ao usar o apelido pelo qual chamamos aquele demônio.
― Você é burro Leonardo? ― Ele se aproxima e fala olhando dentro dos meus olhos. ― Tá querendo morrer, desgraça?
― Jão...
― Jão o caralho! Tu tá mexendo com aquele filho da puta?
― Eu não sabia o que fazer Jão! Não tive escolha!
― Teve sim, podia ter subido e pedido o dinheiro emprestado. O povo lá de cima te arrumava.
― Eu sei, mas eu teria que fazer corre, e não quero correr o risco de ser preso.
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Conflitos Interpessoais
RomanceLeonardo teve tudo o que queria sendo braço direito de quem comandava a favela, mas a doença de sua mãe o trouxe de volta a realidade, lhe obrigando a iniciar uma nova vida. O racismo se torna constante logo nos primeiros dias, e lidar com essa ques...