Capítulo 05

54 6 0
                                    

Eu já não podia mais afrouxar a gravata, caso contrário, pareceria um relaxado que nunca havia vestido um terno na vida, o que era a verdade, mas eu não poderia deixar transparecer esse tipo de comportamento nervoso diante do meu primeiro emprego digno.

Parecia que eu estava sentado naquela cadeira a horas, e praticamente já havia conseguido contar quantas portas o armário da cozinha tinha e somado o número a quantos eletrodomésticos esse cômodo possuía, e olha que eram muitos. Geladeira, fogão, liquidificador, batedeira, aquele negócio que faz suco da Polishop, aquela fritadeira que não usa óleo, também da Polishop. Tinha uma cafeteira, um micro-ondas, uma chapa elétrica, e com exceção da geladeira e do fogão, que eram de aço, o restante era tudo da mesma cor, o preto... E eu acusando minha mãe de ter TOC só porque ela queria ter colheres, facas e garfos tudo da mesma cor.

― Bom Dia. ― Escuto uma voz atrás de mim, e então me levanto.

― Bom Dia. ― Digo ao pegar na sua mão.

― Leonardo, não é? ― Ele estava sério.

― Sim. É um prazer. ― Digo.

― Pode se sentar... ― Ele diz. ― Seu tio me passou algumas informações a seu respeito. Eu queria ter uma conversa com você sobre elas. ― Ele não parava de me encarar.

― Claro. ― Que merda, vou me fuder.

― Ele comentou comigo que você costumava a usar drogas...

― Sim...

― Com quantos anos começou?

― Por volta dos dezesseis, quando comecei a trabalhar lá no morro.

― Entendo... E o que te fez parar?

― Minha mãe está com câncer... ― Eu o encaro. ― Eu não queria dar mais trabalho a ela, que vivia preocupada com o que eu estava ou não fazendo na rua.

― Sim. Essa é uma ótima motivação. E qual igreja te ajudou a fazer a recuperação? ― Caralho.

Eu nunca cheguei a ser um viciado em drogas. O que eu mais fazia era fumar uma maconha de vez em quando, para ficar de boa e relaxar, e cheguei a poucas vezes cheirar pó, mas eu fazia isso quando tinha que passar ele pra frente, e como existia um boato no morro de que alguém estava vendendo o pó misturado com vidro moído, acabei me vendo nessa situação de ter que experimentar para que o cliente pudesse confiar no produto, mas tirando isso, eu estava de boa, por isso consegui largar esse mundo com facilidade, sem contar que o dono da boca é amigo meu, então foi tranquilo sair sem ter ninguém pra tretar comigo.

― A Assembleia de Deus. ― Que ele me perdoe por isso.

― É uma ótima igreja. Eles possuem vários projetos para recuperação de jovens usuários.

― Sim. ― Sorrio. Pelo menos eu sabia mentir bem.

― Seu tio também me disse que você traficava... Você era dono do morro onde mora?

― Não. ― Eu, dono do morro? ― Eu trabalhava para ele.

― Entendo. Então você realmente abandonou essa vida?

― Pode ter certeza disso, graças ao bom Deus. Não precisa se preocupar.

― Fico feliz em saber que você foi salvo.

― Graças a Deus... ― Não sei por que continuo dizendo isso.

― Bem, já acertamos essa história, então agora eu queria resolver com você sobre sua apresentação. ― Ele me olha de cima a baixo.

Conflitos InterpessoaisOnde histórias criam vida. Descubra agora