AS AULAS INICIARAM no dia seguinte e, felizmente, os trotes eram proibidos dentro dos pavilhões de estudo. Do lado de fora, Sarah conseguiu se esquivar muito bem daquele costume irritante. Ia do alojamento para os pavilhões de estudo e vice-versa, sem qualquer desvio. Era monótono, mas seguro. Manteve-se isolada no refeitório do alojamento, não fez amizades e ficou afastada dos grupinhos que logo se formaram. Mas seus ouvidos eram excelentes, e logo tinha informações completas sobre a garota dos saltos estratosféricos que a atropelara.
O nome da veterana era Anabel, e era considerada a garota mais bonita da Escola de Entre Rios. Tinha dezoito anos e entrara no ano anterior. Vestia-se com impecável elegância, sempre no rigor da moda. Seus saltos muito altos eram famosos; aliás, como ela conseguia se equilibrar em saltos tão altos no piso irregular do campus era um dos mistérios mais discutidos na Escola. Dizia-se que seus cabelos louros e brilhantes não eram daquela cor ao nascimento, mas ela era loura há tanto tempo e seu cuidado com a longa cabeleira era tamanho que ninguém tinha certeza de nada. Seu carro prateado era sempre o modelo do ano, presente anual de pais abastados para sua única filha. Anabel desfilava pelo campus acompanhada por seu séquito de amigas louras, que se esforçavam para se apresentar tão impecáveis quanto sua maravilhosa líder. E é claro que, com essas credenciais, Anabel ditava a moda na Escola de Entre Rios. Se ela usava cintos largos, em menos de dois dias todas as elegantes estavam com cintos largos. Se ela decretava que inverno era época de joias prateadas, o dourado desaparecia do campus. As reles mortais usavam lindas bijuterias; Anabel usava joias. Ela adorava joias, e as usava com a naturalidade de uma princesa. Afinal, ela era a princesa da Escola de Entre Rios. Ou a rainha, talvez. Só não era uma rainha acompanhada por um rei devido a outra de suas características marcantes: a encantadora, rica e charmosa Anabel também era uma das alunas mais brilhantes de Engenharia de Espaço, e seu rei em potencial não gostava de concorrência.
Assim como Anabel era a menina mais linda, Rafael era O Cara. Rafael, o Rafa, tinha dezoito anos e um metro e noventa de altura, o que deixava até Anabel e seus saltos pequena perto dele. Era o capitão do time de futebol, recusara vários convites para o time de basquete, praticava remo, mergulho, natação e iatismo. Seus cabelos eram bem pretos, lisos e rebeldes como seu dono. Os olhos cor de avelã eram inesperadamente doces e derretiam corações femininos ao natural, só por existir. Era o tipo de cara que parecia não poder ser melhorado, e todas as garotas pensavam isso até a primeira vez em que ele bebesse demais. Esse era o pior defeito de Rafael: ele ficava idiota quando bebia, apto a executar qualquer besteira que seu cérebro alcoolizado julgasse divertida. Quando estava sóbrio, o que acontecia na maior parte do tempo, Rafa era um dos alunos mais promissores da Engenharia de Espaço. Como Anabel.
Anabel e Rafael entraram juntos na Escola de Entre Rios e todos, inclusive eles mesmos, compreenderam imediatamente que tinham sido feitos um para o outro. Eles se apaixonaram, trocaram alianças de compromisso, discutiram sobre qual dos dois era o melhor em Engenharia, Rafa encheu a cara, disse o que não devia, e Anabel o fez engolir as alianças – as duas e literalmente. Ele era grande, mas ela estava furiosa. Depois disso eles se ignoraram, ficaram juntos, discutiram, se ignoraram de novo, ficaram mais uma vez, reiniciaram o namoro (sem alianças), discutiram por motos (paixão de Rafa), joias (paixão de Anabel) e principalmente por Engenharia, e brigaram mais uma vez. A turma da Escola, que acompanhava aquela novela com entusiasmo, entusiasmou-se ainda mais quando Rafael conseguiu pintar a cabeleira de Anabel de roxo, assegurando que a única forma de se livrar da tinta seria tosando os cabelos. Anabel se recusou e ostentou orgulhosamente a cabeça roxa durante uma semana, até os químicos contratados por seu pai conseguirem remover a tinta. Regularizada a questão capilar, Anabel dedicou-se a uma elaborada vingança que culminou com Rafa, tão encharcado de vodca que seria temerário riscar um fósforo perto dele, desfilando nu pelo campus. Rafael precisou de toda a sua dignidade para retornar às aulas. Assim, entre paz, guerra, vinganças, retaliações e armistícios, se passou o primeiro ano de Anabel e Rafa que, sem a menor dúvida, se adoravam, mas pareciam incapazes de se entender.
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Olho do Feiticeiro
FantasyJá há dias o brilho e as cores do Talismã se intensificavam. Rei, rainha e princesa se revezavam na vigilância até que, depois de seis longos anos de silêncio, o Talismã abriu-se ao contato. O Rei chamou a esposa e a filha; assim, os três integrante...