SEXTA-FEIRA.
Rafael acordou com uma tremenda dor de cabeça e a certeza de que precisaria dar muitas explicações no campus. Resolveu fazer um café bem forte, mas o cheiro o nauseou. Contentou-se com uma bolacha salgada e óculos escuros. O dia parecia estar cintilante demais.
Ao chegar à Escola, foi informado que deveria ir imediatamente à coordenação. Recebeu uma advertência formal, um sermão histórico e o aviso de que sua aprovação estava por um triz. Saiu de lá pensando em Sarah e em como faria para descobrir quem era o cara com quem ela estava agora. Essa era a única explicação possível para ela fugir tanto! Os dias de perseguição infrutífera cobravam seu preço, juntando um gosto amargo ao seu amor pela garota. Rafael ainda pensava no que sentia como amor, quando, na verdade, já era metade amor, metade orgulho ferido. Nunca uma garota o havia tratado assim. Nunca!
– Quando eu descobrir quem é esse desgraçado, ele me paga! – rosnou Rafael, saindo da coordenação. Deveria ir para suas aulas, mas resolveu curtir seus problemas no Bar do Berto, que avisou, logo na entrada, que não serviria nenhuma gota de álcool.
– E se você pegar minhas garrafas de novo, vai levar uma na cabeça, Rafa! – advertiu Berto, seu vozeirão reverberando pelo bar.
– Ok, ok, desculpe a confusão de ontem! Berto, você sabe de tudo dentro do campus. Quem é que está com Sarah? Por quem ela me trocou?!
– Eu já disse: ela não está com ninguém! Quando é que vai meter na sua cabeça dura que seu charme falhou com essa?! Por que não volta lá pra Anabel?!
– Porque ela também não me quer mais!
– Como que não quer mais, Rafa?! Ela não ficou com ninguém durante todo esse semestre!
– Nem comigo! Fiquei à volta dela por semanas e semanas, e ela nem me enxergava! Só enxergava aquele calouro metido!
– Que calouro metido?
– O da moto superincrementada! O famoso Enrique não sei das quantas! Foi por causa da moto DELE que Anabel me largou!
– De onde você tirou isso?! Anabel nem conhece aquele garoto, eu nunca vi os dois juntos! E, mesmo se ela conhecesse, não ia largar você por causa de uma moto!
– Não ia, mas largou!
– Rafa, quando você vai se convencer que o mundo não gira em torno de motos?!
– Ah, mas claro que não. Tudo que é garota caindo feito mosca na sopa por causa da minha moto, e quer me convencer que a dele, que dá de dez na minha, não é o sucesso da mulherada?!
– Rafa, tem dias em que você é insuportável! – decretou Berto, indo cuidar do seu trabalho.
* * *
ENRIQUE NEM SONHAVA que ele e sua moto eram detestados pelo cara mais falado do campus. E, mesmo se sonhasse, não se preocuparia. Afinal, há muito tempo as coisas não estavam tão bem!
Com o doutor Janson supervisionando seus horários, havia novamente tempo para a moto, para partidas amistosas de basquete e até para perambular pelo campus. Apesar de todas essas aparentes distrações, seu rendimento no laboratório aumentou incrivelmente. Quanto aos sonhos, o doutor Janson tinha razão: discutir os aperfeiçoamentos dos reatores de fusão com o psicólogo era suficiente para a ideia se considerar do lado de fora, deixando de perturbar seu sono. Enrique dormia como uma pedra e acordava rindo, cheio de ideias e inspirações para atordoar todo o povo do laboratório, exceto o doutor Janson, que parecia imune a atordoamentos de qualquer tipo.
Carl Janson era um homem espantoso e Enrique estava fascinado por ele. Seus conhecimentos eram incríveis e Enrique, surpreso, via-se aprendendo coisas sobre Aerodinâmica, sua especialidade e paixão, com um psicólogo! Era pitoresco, bizarro e um tanto hilariante, e as crises de riso de Enrique se tornaram novamente frequentes no laboratório, quase sempre desencadeadas por alguma inesperada aula que recebia do doutor Janson. O psicólogo não se importava de ser alvo das bem-humoradas gargalhadas do seu paciente-pupilo-protegido. Enrique não sabia mais como se catalogar, e não se preocupava mais com isso. Bastava saber que o doutor Janson estaria ali, acompanhando seu trabalho, suas folgas e seus passeios.
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Olho do Feiticeiro
FantastikJá há dias o brilho e as cores do Talismã se intensificavam. Rei, rainha e princesa se revezavam na vigilância até que, depois de seis longos anos de silêncio, o Talismã abriu-se ao contato. O Rei chamou a esposa e a filha; assim, os três integrante...