04. ABRIL

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ABRIL CHEGOU TRAZENDO um pouco mais de frio, muito Sol e céu azul. Trouxe também a metade do semestre e o início das correrias para recuperar notas, o que fez desaparecer os itens voadores que importunavam Sarah. Depois de alguns dias de calmaria, a garota se convenceu de que os ovos podres precisavam estudar. Bem feito.

Havia um segundo problema, que até então ela acreditava estar relacionado aos ovos podres: desde o tsunami no seu quarto, encontrara-o remexido várias vezes. As coisas nunca estavam exatamente no lugar em que deixava. Nada desaparecia e, portanto, não adiantava protocolar a ocorrência. Aquela invasão à sua privacidade irritava demais, exigindo bastante do seu mantra de calma.

Mas o problema do quarto remexido persistiu. O enfeite da porta do guarda-roupas estava virado mais uma vez, a cadeira mudou de lugar, a almofada estava virada.

— Beleza. Então são duas equipes me aborrecendo, uma lá fora e outra aqui dentro! — A garota, mãos na cintura, tamborilava os dedos contra o corpo. — Mantenha a calma, Sarah. Mantenha a calma! Está melhorando! Vai passar!

O que só ia piorar eram os contatos da mãe, que fazia questão de relatórios diários. Afinal, eram mais de dois meses na Escola de Entre Rios, onde o Olho do Feiticeiro garantia que Sarah encontraria seu companheiro. E não havia companheiro encontrado! Sarah não falou sobre seu restrito caminho aula-quarto-aula. Sua mãe era terrível para ler entrelinhas e, se suspeitasse que o cristal tinha sido visto, o estouro seria... Hm. Melhor nem pensar. Era mais fácil ouvir bem quietinha, de novo e de novo e de novo, que precisava encontrar logo aquele companheiro! Um sim, mãe! que misturava obediência e aborrecimento costumava encerrar as conversas.

Ainda tinha dois meses e meio, mas a verdade, admitiu Sarah, é que precisava MESMO encontrar aquele cara. Apesar dos trotes do início do semestre e da perturbação causada pelas amigas de Anabel, a princesinha de Durina já passeara por toda a área de Humanas do campus, consciente de que, se ele estivesse próximo, ela pressentiria. Não houvera pressentimento algum. Ele não estava por ali.

Apesar do risco de algum ovo retardatário, era hora de expandir sua área de buscas.

Com a máquina fotográfica a tiracolo e a tranquilidade de quem não precisava de nota alguma, Sarah decidiu se aventurar na parte do campus das Ciências Biológicas. Os alunos das Humanas e Exatas eram rivais tradicionais; os alunos da Bio só davam de ombros e seguiam seus estudos.

Apesar de estar usando as fotografias como pretexto, Sarah realmente gostava de fotografar flores, árvores, pássaros e borboletas, itens bastante escassos no Império Atlante em geral e no Palácio de Durina em particular, porque Durina era um Palácio sem área emersa. A garota dava preferência a jardins bem bonitos e floridos, e caprichava nas fotos.

O jardim da Bio não estava apenas bonito. Estava estupendo! Suas flores reluziam como joias ao Sol do final de tarde, tão lindas que Sarah deixou a questão do companheiro de lado e se concentrou nas fotos. Abaixou-se e começou a clicar as flores, encantada com os efeitos de luz. Daí a pouco estava deitada de costas, com a cabeça enfiada no canteiro, aproveitando transparências de pétalas nos últimos reflexos do dia. Rastejou cada vez mais para o meio das flores até só seus pés ficarem para fora. As fotos ficariam maravilhosas! E a mãe, se a visse perdendo tempo assim, ficaria furiosa... Ainda bem que ela não estava ali, pensou Sarah, sorrindo. De costas mesmo, começou a rastejar de volta para o gramado.

***

— EI, LAGARTA ESQUISITA, quer que eu puxe você pra fora? — perguntou uma voz masculina e bem humorada. Sarah não reconheceu a voz e não podia ver quem era, submersa por camadas de flores e folhas, mas não hesitou em responder:

Olho do FeiticeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora