21. O PROGRAMA DA NOITE

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ANOITECEU E ESFRIOU. Enrique quis ceder sua jaqueta para Sarah, ela avisou que já estava de jaqueta. Não precisava ficar com duas enquanto ele ficava sem nenhuma. Discutiram sobre a distância a que o estacionamento ficava e a possibilidade de uma linda garota teimosa congelar até chegar lá, e Sarah resolveu a discussão desafiando-o para uma corrida até o estacionamento. Sem esperar resposta, largou na frente e deixou o indignado Enrique bem para trás. Chegou ao carro e fez questão de se encostar a ele de braços cruzados, pose displicente de quem chegou faz horas.

– Isso não valeu! – protestou ele, rindo e abraçando-a. – Você trapaceou!

– Pode ser, mas não tem ninguém com frio aqui!

– Não tem mesmo! Vem, vamos entrar antes que o frio volte!

Entraram, mas Enrique não deu a partida.

– Você escolheu o programa do dia e foi ótimo. Posso escolher o programa da noite?

– Depende. O que você entende como programa da noite?

– Ai... Não foi uma escolha de palavras muito feliz, não é? – Ele se encolheu, o que fez Sarah rir.

– No Norte, programa da noite quer dizer acender uma fogueira e assar umas frutinhas estranhas. Na Capital, você estaria me convidando pra ir a um motel e, em muitos outros lugares, programa da noite é jantar, dançar ou passear. Então, vamos ver. Eu não quero acender uma fogueira e assar frutinhas e, como não estamos na Capital, acho que não é caso de motel. Jantar é uma boa ideia, eu não sou muito boa dançando e já passeamos bastante. Espero ter respondido ao que quer que você tenha pretendido perguntar.

– Oh, obrigado pela resposta completa. Eu estava convidando pra jantar.

– Ótimo, é uma boa ideia.

– E estava perguntando se posso escolher o lugar.

– Claro que pode.

– E você responde com muita naturalidade a convites pra motéis.

Saiu direto, sem ele pretender. Sarah avaliou qual seria a resposta adequada aos costumes dele: desaforada? MUITO desaforada? Ou devia sentar a mão direto?

Enrique branqueou, olhando apavorado para a garota. Ela não o olhava. Olhava para frente, louca de vontade de enquadrar aquele moleque desaforado.

– Eu-eu... Sarah, me desculpe, eu não queria dizer isso!

– Pouco mais de doze horas de namoro e três desculpe. Acho bom você cuidar mais do que diz. Quanto a motéis, se quer fazer alguma pergunta sobre isso, pode fazer.

– Não, eu não quero.

– Quer saber quantas vezes eu estive em um motel?

– Não, eu não quero! Me desculpe!

Sarah virou bem devagarinho para Enrique, tão perigosa quanto uma cascavel de três metros encurralando um filhote indefeso. E disse, com firmeza:

– Não tenho problemas em dizer quantas vezes estive em motéis.

– Sarah, pare com isso! Eu não quero saber, ok?!

– Orgulho de macho é coisa séria, não é? Eu tenho quase dezoito anos, Enrique! Acha que nunca estive num motel?!

– Eu não quero saber disso! Eu não quero saber o que você fez, quando você fez e nem com quem! Nós...! – Ele respirou bem fundo, procurando se controlar. Recomeçou a frase, arrancando as palavras corretas de dentro de si e lutando para acreditar nelas, enquanto seu orgulho de macho estrebuchava de fúria só de pensar em outro cara tocando na sua Sarah. – Nós começamos a namorar hoje. O que conta é o que acontecer a partir de hoje. Certo?

Olho do FeiticeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora