60. SENIRA

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A parte emersa de Senira era um gigantesco e perfumado jardim. Os Tronos não ficavam em um protegido Salão de Tronos; ficavam ao ar livre, abraçados por uma árvore milenar. A tradicional escadaria estava lá, mas seus degraus eram cobertos por relva e flores.

Lila transportou-se certeiramente para a base da escadaria, dispensou a armadura prateada com um pensamento e subiu correndo até os Tronos de Senira.

Deitado no patamar diante dos Tronos estava o seu pai.

Senira transportara seu Rei de volta para o Palácio quando ele estava a um momento de seu último suspiro. Para Durina, isso era estar morto. Para um integrante da Linhagem de Senira, isso ainda era estar vivo e, se um Rei de Senira chegava vivo ao seu Palácio, vivo ele continuava. A fabulosa capacidade de cura e regeneração era um dos segredos mais bem guardados da Linhagem; agora, o Palácio investia todo o seu poder na recuperação do Rei. Um incrível casulo de ventos, raios, perfumes e energia cercava o homem. Em seu peito, o ferimento aberto não sangrava mais, marcando o local do golpe: em cheio nos grandes vasos que abasteciam o coração. Para qualquer outra Linhagem, um ferimento mortal. Mas não para Senira, porque Vida era o seu poder maior.

A Rainha estava sentada ao lado de seu companheiro, cedendo e partilhando força. Apenas esperou enquanto Lila chorava e colocava para fora todo o perigo, tensão e sustos das últimas horas. Abraçou a filha e, de sensibilidade para sensibilidade, parabenizou-a pela coragem, habilidade e sangue frio.

Lila afinal parou de chorar, abraçada à mãe. Seus pés delicados e descalços já estavam dentro da área de cura, tocando com afeto o corpo do pai. Era com os pés que o Rei tritão de Senira e sua filha trocavam os carinhos mais divertidos, e agora Lila usava esta forma para, como a mãe, auxiliar na recuperação do Rei ferido.

– Ele conseguiu, não é? – sussurrou a jovenzinha. – Ele não deixaria de conseguir...

– Sim, ele conseguiu. O golpe foi perfeito. Isso significa que a Imperatriz e o filho que ela espera passam a ser responsabilidade de Senira a partir de agora, Lila.

– E se... E se o herdeiro for um Rei Vermelho, mãe?! O que vamos fazer?!

– Reis Vermelhos são raros, querida. E o filho mais velho de um Rei Vermelho nunca foi um vermelho também. É como se os vermelhos fossem usurpadores... Então o dourado de Relana reage, retomando a Linhagem para si.

– Mas os segundos filhos de um Rei Vermelho quase sempre são vermelhos. – Baixinho, Lila repetiu a lição bem aprendida. – E matam seus irmãos mais velhos se não são mortos antes...

A princesinha estremeceu só de pensar. Os vermelhos repugnavam Senira.

– Sim – confirmou a Rainha, com doçura. – Felizmente para Relana, um Rei Vermelho é selvagem o suficiente para matar seu próprio filho, quando este é um vermelho que começa a olhar para o Trono. Um Rei Vermelho sabe que só está seguro enquanto não houver outro vermelho desejando seu lugar. Mas, graças ao golpe do seu pai, não haverá mais príncipes de Relana nesta geração. O único filho do tirano será o que ele já gerou. O preço de nossa interferência é proteção absoluta ao principezinho de Relana que vai nascer, o único herdeiro da Linhagem. A vida dele se torna nossa responsabilidade, porque a vida dele é a vida de Relana. Nosso dever só cessa quando ele tiver seu próprio filho para dar continuidade à Linhagem.

– Mas, mãe... E se ele for um vermelho?! – insistiu Lila, aflita. – Eu vou ter que passar minha vida protegendo um vermelho?!

– Infelizmente sim, minha querida.

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