🔹🔷Epílogo🔷🔹

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Dylan corre pela praia, o balão em formato de dinossauro em sua mão. Meu filho ri enquanto Isabela corre atrás dele, o erguendo em seu colo e fazendo cócegas na sua barriga.
Sorrio ao ver a cena, de pé na área externa da nossa casa em Ibiza.
A maior parte da família de Mário está aqui. Os pais dele, que agora são praticamente nossos vizinhos, estão há alguns metros de mim, encarando as crianças brincarem na praia, assim como Elliot, Jude, Edith e Lucio, tios de Mário. Kate e suas filha, Elena e Anna, estão brincando na areia, enquanto Amanda, Meghan e Andrew se juntam a Isabela e correm pela areia brincando com Dylan, Laura (a filha de Elliot), Alice e a pequena Claire (filhas de Edith e Lucio). Bryce não apareceu, para a sorte de Isabela — que permanece com Guilherme. Mário foi buscar mais um algodão doce da pequena comemoração de mais cedo, e eu me encosto na pilastra branca da casa.
É o segundo aniversário de Dylan conosco. No primeiro, todos os acontecimentos ainda recentes demais, o clima não era o mais agradável para se comemorar, mas preparamos um bolo (eu, Isabela, Mário e Nana — que demorou algumas semana até conseguir digerir tudo o que tinha acontecido após a viagem para Ibiza) e fizemos uma chamada de vídeo com a família de Mário. Dessa vez, todos fizeram questão de se reunir para comemorar. É a primeira vez que a maioria deles vê Dylan.
Não sei como foi a reação de Amanda ou Andrew ou os pais de Mário quando descobriram sobre Dylan — Mário me poupou da tarefa de contar a qualquer um deles, mesmo que eu tenha me oferecido para fazer isso com ele. Tudo o que recebi foi o amor e a emoção de quando conversei com eles após receberem a notícia, e todos se apaixonaram por Dylan no mesmo momento.

Os dias na UTI foram complicados, embora sem complicações. Mas ter um filho, um ser pequenino que, de repente, se tornou tudo para você, em um quarto de hospital é algo que eu não desejaria para nenhuma mãe e nenhum pai. Mas, semanas depois, quando a medula começou a fazer seu papel e Dylan alcançou a cura, passei o dia inteiro grudada a ele e Mário.
O período de adaptação também não foi o mais fácil. Dylan sentia falta de Mariah, e isso era bem visível nas noites em que nada o acalmava. Mas ainda mais difícil foi tomar a decisão de não deixar a memória de Mariah se apagar da mente de Dylan. Ela o criou por quase 3 anos e, apesar de toda a merda que ocorreu antes e depois disso, ela deu sua vida para o proteger. Então sempre mostramos fotos dela a ele, mesmo que ele ainda não entenda nada muito bem. Conforme Dylan for crescendo, decidiremos a melhor forma de contar a ele a verdade — até o ponto em que for beneficia-lo mais do que prejudicá-lo. Tudo isso parece problemas distantes demais desde a primeira vez que o ouvi me chamar de mãe, em um momento aleatório antes de dormir — mas que me fez chorar até conseguir dormir também.

Ás vezes, ainda sinto falta da Beatrice que achava conhecer. Outros dias, depois que o luto, a mágoa e todos os sentimentos mais nobres se amenizaram, tenho tanta raiva que tudo o que desejo é que ela esteja viva para que eu a mate com minhas mãos por tudo o que ela tirou de mim, coisas que jamais poderei recuperar, como os primeiros anos de vida de Dylan. Também repasso nossa última conversa em minha mente, um lupin eterno que é a única prova de que nada foi mentira, de que Beatrice, uma das pessoas que eu mais amava no mundo, realmente fez tudo aquilo... E esses são os dias que mais doem, quando o peso da traição me faz querer derreter até não sentir nada. Mas nenhum desses dias foi pior do que a noite daquele dia maldito, quando, depois de acalmar minimamente meu coração com Mário no banho, nos deitamos na cama e finalmente dei a ele as respostas que sei que ficavam martelando em sua cabeça. Vê-lo chorar naquela noite, agarrado à mim, foi uma das piores cenas que presenciei na minha vida, porque, assim como eu, ele percebeu que não havia algo concreto para onde direcionar a raiva. Havia apenas o ego de Beatrice, seu julgamento psicótico e todas as verdades que joguei em sua cara naquele dia, enquanto ela me segurava no chão. Culpar sua doença não ajudava, porque afastava ela da culpa por seus atos, então tudo o que restava amaldiçoar era o fato de, por uma coincidência, termos a deixado entrar em nossa vida e se alastrar por ela, o que, por sua vez, fazia com que culpássemos nós mesmos. Perdi a conta de quantas vezes me perguntei "por que nunca percebi nada?" ou "por que a deixei entrar em minha vida tão facilmente?". Mas a verdade é que Beatrice não era o tipo de pessoa que fazia algo pela metade. Mesmo se tivéssemos tomado todos os cuidados, se tivéssemos tido todas as ressalvas, ela ainda acharia uma brecha, porque era parte de sua amaldiçoada personalidade.
A mágoa, a culpa, a raiva, o luto e a tristeza são coisas com as quais tive que aprender a lidar após inúmeras sessões de terapia — coisa que tanto eu como Mário e Isabela, que também cultivou seus traumas depois daquele dia, mesmo tentando não demonstrar, estamos finalmente fazendo. Foi um passo importante para o meu autoconhecimento e para alcançar a capacidade de lidar da melhor maneira possível com os meus sentimentos, sem sufoca-los ou tampouco deixar que eles me sufoquem.
Também não sei o que ocorreu com o corpo de Beatrice. Se a polícia encontrou alguém para quem informar sua morte, onde ela foi enterrada e nem mesmo se teve um funeral. Por algum tempo me questionei se seria pior ter uma última lembrança dela com aquela expressão sinistra no rosto ou com os olhos fechados pela última vez, mas jamais terei essa resposta.

Meses após a morte de Beatrice, quando já havíamos conseguido legalizar Dylan como nosso filho por meio de testes de DNA e várias sessões na justiça, antes mesmo que ele saísse do hospital, tomamos a decisão de nos mudar. Chicago não era mais o lugar de antes, jamais seria, então, por cima da dor de deixar Isabela (que queria começar sua vida sozinha, mas não tão distante do namorado) e Nana para trás, nos lembramos da conversa que tivemos em um avião, voltando dessa mesma ilha quase 2 anos atrás, e repetimos que Ibiza parecia um bom lugar.
Mas a parte mais difícil de todas foi convencer Pascoal que não havia como ele me fazer ficar, então deveria contratar outra pessoa. A nova diretora de redação é maravilhosa e, mesmo há quilômetros de distância, não deixei de consumir o conteúdo da revista que me deu a oportunidade de mudar minha vida.
Conseguimos empregos em Ibiza — atualmente sou diretora de redação de uma revista local que, embora ligeiramente menor que a Black Diamond, me rende um salário quase igual e me permite ter tempo com Dylan, o que é a melhor parte. Depois, vendi minha casa, sem muito apego, uma vez que as memórias ruins mascararam as boas de tal forma que, depois do fatídico dia, não consegui colocar meus pés para além da porta principal. Jamais conseguiria morar naquele lugar novamente, por mais terapia que fizesse, então deixei que outra família construísse suas memórias felizes ali.
Mário também vendeu seu apartamento, onde estávamos morando juntos — pouco a pouco minhas roupas ganharam espaço no armário dele, e não tínhamos mais ressalvas quanto ao nosso relacionamento depois de tudo o que passamos, então o processo foi incrivelmente natural.
Enfim compramos a casa em Ibiza, de frente para a mesma praia da casa dos pais de Mário, e, mesmo contra a vontade dela, ainda pude ajudar Isabela a conseguir seu primeiro apartamento. Ela também conseguiu um emprego, enquanto eu e Mário resolvíamos a papelada para nos mudarmos.

Apenas 1 mês depois, estávamos no aeroporto, prontos para deixarmos aos Estados Unidos e sem previsão para retornar. Por cima dos momentos de despedida e do choro antes de pegar o avião, uma pequena lembrança se destaca... Enquanto esperava Mário comprar um lanche no aeroporto, observando as pessoas que passavam, entediada por ter que esperar até o horário de embarque, um rosto chamou minha atenção.
Depois de mais de 1 ano, a última coisa que eu esperava era ver Daniel mais uma vez. Ele não parecia diferente em nada: o mesmo cabelo exageradamente arrumado, a mesma postura, até a barba permanecia igual. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes, e o que vi ali foi apenas surpresa e uma leve curiosidade. Por um instante, eu não tive reação... Não até ouvir a voz de Mário, se sentando ao meu lado e reclamando do quão grande a fila estava. Olhei para ele, me entregando um pacote com a minha comida, mas Mário não notou nada enquanto se voltou para o próprio lanche. Quando me voltei para Daniel novamente, ele estava olhando entre mim e Mário. A curiosidade não desapareceu do seu rosto, mas eu tinha certeza de que eu não estava espelhando aquilo. Foi quando notei que, mesmo sendo pega desprevenida, ele não era capaz de provocar nada em mim. Não me importava o que havia acontecido com ele, com a mãe, a irmã ou o pai, tampouco se havia encontrado outra pessoa ou se tinha filhos. Também não ligava se ele era aparentava ser o mesmo homem pelo qual acreditei ter me apaixonado e que me machucou de uma das piores formas. Porque, apesar da aparência, nos curtos segundos em que nossos olhares ainda permaneceram conectados, não havia nada além de um estranho ali. E isso não tinha nada a ver com ele — Daniel podia ser exatamente o mesmo, com toda a classe, falsidade e artifícios, mas eu já não era mais a mesma pessoa que ele conheceu... Nenhum de meus sentimentos e nenhuma parte minha o reconheceu. Então, quando Daniel finalmente se virou de costas e caminhou para algum lugar que jamais saberei, eu tive a certeza de que aquela era uma ferida curada em minha história, e me senti estranha, mas compreensivelmente, feliz por vê-lo, mas também por provavelmente nunca mais encontrar seu olhar de novo.

Dylan cai de bunda na areia ao lado de Kate e as meninas, mas logo ele começa a brincar com a areia também. De onde estamos é possível ouvir as risadas incrivelmente altas das crianças.
Sinto uma mordida de leve em minha orelha. Me viro, batendo no peito de Mário. Ele apenas ri, se encostando na pilastra ao meu lado e mordendo um pedaço do algodão-doce verde, que combina com os dinossauros.
Nunca contei a ele sobre ter visto Daniel. Quando vejo Mário encarando a praia, observando nossa família ali, o sol se pondo e pintando de laranja a tinta branca que cobre nossa casa, sei que não é necessário dizer nada disso... O passado está distante, enterrado. Pela primeira vez, não por termos medo de rever o que está ali, mas sim porque tivemos a coragem de encarar nossos demônios e aprender a lidar com eles. Quando chegamos à Ibiza, a estranha sensação de estar em casa foi a primeira coisa que chamou minha atenção. Mas, quando olho para tudo o que temos agora, percebo que poderia chamar qualquer lugar no mundo de lar, contando que tivéssemos esses momentos.

Lágrimas De Vidro - LIVRO 2 - Duologia Em Busca Da FelicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora