🔹️🔷️Carta 1🔷️🔹️

5K 284 33
                                    

1 semana após o fim

O fim. Duas palavrinhas curtas, de poder inenarrável. Síntese de dor, de sofrimento, de uma amargura agora eterna. De significado que ludibria tantos, que têm em face que o fim acaba com algo.
Mas o fim, não é o fim.
O fim sempre será um novo início.
O meu fim, na verdade é apenas a porta para um novo mundo. Para um novo início.
Início este que tentei de todas as formas renegar, mas que o mundo insiste como minha sentença.
Pelos meus cálculos de engenheiro, 3 segundos eram o suficiente, Luna. 3 segundos eram a linha tênue que separavam a minha vida do fim.

3 segundos mudam a vida de uma pessoa.

3 segundos me mataram por dentro.

3 segundos destruíram os próximos 30, 50 ou 80 anos que terei em minha mais nova miserável existência.

Se eu tivesse reagido, se eu tivesse corrido, eu teria evitado. Eu teria a alcançado, teria dito a verdade, teria te impedido.

3
S
E
G
U
D
O
S

Quando estou sozinho, o que aconteceu com frequência na última semana que se passou, esses três segundos me assombram. Eu teria dito que te amava, teria a beijado. Juro que você teria sentido o meu amor, teria que acreditar em mim. Porque, meu Deus, como eu a amo.
Eu a vi rolar da escada. Eu ouvi cada vez em que o ventre que carregava o nosso filho bateu nos degraus insensíveis da escada do hotel.
Se eu tivesse reagido 3 segundos mais cedo, você estaria comigo agora. Eu estaria sentindo o nosso filho chutar.

No dia do fim, eu não derramei uma lágrima. Sim, eu fiquei sentado na sala de espera daquele hospital e escutei as palavras robóticas do médico. "Eu sinto muito, o bebê não resistiu."

Não me lembro de como voltei para a casa naquela noite. É como se uma parte de minha memória tivesse sido apagada.
Quando acordei no dia seguinte, segui para a sala de estar e me sentei.
Eu te aguardei por 12 horas.
Me lembro perfeitamente da mancha de vinho que irritantemente se destacava no branco imaculado da parede. Às vezes, eu sorria, apenas por lembrar de como você amaldiçoa aquela mancha todos os dias, que fora produzida no dia em que bebemos demais. Se lembra? Você cambaleou pela sala, escorregou no tapete e a taça se espatifou na parede; tentamos de todas as formas removê-la, mas apenas conseguimos a diminuir.

Às vezes, eu estremecia enquanto esperava pacientemente, mas não tinha um porquê.

Com o passar das horas, eu já não estava mais tão paciente.
Na 8° hora após acordar, eu quebrei o relógio. Você sempre passa no apartamento depois do trabalho, para matar a saudade que o dia provocava. E Deus sabe como é a minha hora preferida do dia; convenientemente o horário em que nosso Enrico está mais agitado, espancando a minha mão. O danadinho vai querer investir em carreira de UFC.
Mas já estava na hora, estava passando da hora. E eu me recusava a acreditar que você teria me deixado sozinho. Aquele maldito relógio estava mentindo. Ele queria me levar á loucura, queria me desesperar, mas eu não ia deixar isso. Não me conformei enquanto não o transformei em pó, Luna. Em cada maldito momento eu te aguardei, querendo que você chegasse logo porque eu precisava vê-la. Me sentei na poltrona mais uma vez e aguardei a sua chegada. Mal podia esperar para sentir Enrico em minha mão. Mal podia esperar para te contar de um sonho bizarro que eu tive, envolvendo festa e hospital, ao qual eu nem gostava de pensar.

Por volta da 11° hora, aquela mancha estava me levando a loucura. Peguei uma bucha e sabão, e comecei a esfregar a parede.
Eu esfreguei aquela mancha como se minha vida dependesse daquilo. Pensei "Ela odeia essa mancha. Vai ficar tão feliz quando chegar e não a encontrar."

Eu arranquei toda a pintura de uns 7 cm da parede, mas a mancha ainda se estendia por uma parte.
Eu esfreguei e esfreguei. Nunca esfreguei tanto em toda a minha vida.

Lágrimas De Vidro - LIVRO 2 - Duologia Em Busca Da FelicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora