🔸🔶Capítulo 34 - Um chão sob nossos pés (FINAL)🔶🔸

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Então, se nós caírmos
Vamos cair com estilo
Nós não vamos deitar onde caímos
Nós vamos continuar correndo ferozmente
Como uma criança

Just Like a Child - James Morrison

Há movimentos na sala, mas sinto como se estivesse afogando, meus ouvidos consumidos pela água imaginária.
Não estou mais olhando para Isabela... Estou deitada no chão, encarando o teto, sem conseguir respirar.
O rosto de Mário aparece em minha visão, os olhos vermelhos, a boca se mexendo como se ele estivesse falando algo.
Mas não há nada... Nada além de Isabela.
É como se um filme passasse em minha cabeça enquanto os segundos se arrastam. Não me lembro de muitas coisas da minha infância — as memórias que tenho são pequenos flashs, de natais ou brigas dos nossos pais. Mas há uma memória mais lúcida do que todas as outras, de quando eu tinha 6 anos: me lembro de pegar um pequeno bebê no colo, os fios de cabelo tão louros que parecia ser careca. Não lembro do rosto do bebê Isabela perfeitamente, mas lembro de achá-la a coisa mais linda que já havia visto na vida. E me lembro da alegria... Tão genuína, tão sincera. Não importava se nosso pai havia ido embora, se só me restavam poucas pessoas naquele momento... Eu era irmã mais velha, e isso era tudo o que eu precisava.
Me lembro de cada vez que ela vomitou em mim enquanto ainda era um bebê, e de cada aniversário dela. E quando a mamãe se foi, Isabela era tudo o que eu tinha. Me lembro das vezes em que ela sentia falta da mamãe e ia para o meu quarto, chorando até dormir. Me lembro de ser forte por nós duas, e de não me importar com isso, porque aquele pequeno pedaço de vida que eu chamava de irmã era tudo de mais importante que havia em minha vida desde o dia em que ela havia nascido... E não sei se algum dia disse isso a ela. Me lembro de quando contei a Isabela que estava grávida, da alegria dela. E de como ficou destruída quando acreditei ter perdido Enrico.

Mas também me lembro dos dias sombrios. Os últimos dias passam em minha cabeça como um lupin... Todas as desconfianças, as acusações silenciosas... Tudo o que dizemos uma para a outra e tudo o que deixamos de dizer, a forma como nos distanciamos. A desconfiança imperdoável que depositei em Isabela. Me lembro de suas últimas palavras. "Eu te amo. Desculpo você e peço perdão".
A desculpa que Isabela concedeu não vale de nada agora, não quando esse sentimento se apodera do meu corpo até que eu tenha que arfar. Toda a dor física fica para trás. Estávamos brigadas, nossa última conversa de verdade foi regada de raiva, mágoas e acusações. Eu não posso ter a perdido...

Só percebo que estou chorando quando Mário passa as mãos pelo meu rosto. Ele parece gritar agora, mas as palavras simplesmente não se encaixam na minha mente.
Ainda vejo Isabela, em momentos distintos, o sorriso em seu rosto, a luz que irradiava dela em todos eles. E vejo Isabela há apenas alguns instantes atrás, toda a garra dela ao brigar com Beatrice, ao tentar nos salvar.
Me sinto patética deitada no chão, sangrando e chorando e morrendo por dentro. Patética porque Isabela lutou até o último segundo, porque aceitou cair contanto que levasse Beatrice consigo, e eu não sou digna do que ela fez... Porque não consigo olhar para baixo, porque meu cérebro se nega a apreender as palavras de Mário, porque tudo em mim grita para apenas desistir, para que eu apenas chore até o mundo ao meu redor desaparecer. E isso não é algo que Isabela faria — é muito menos do que ela merece.

Unindo todas as forças que me restam, ergo as mãos até o rosto de Mário. Olho em seus olhos, e tento interpretar suas palavras.

— Você precisa me escutar — ele diz, desesperado, a voz rouca e urgente.

— Tudo dói — murmuro, e um espasmo percorre o meu corpo.

Só percebo o que Mário está fazendo quando sinto o meu tronco deixar o chão frio. Ele me segura sentada, abraçada em seu corpo quente, como se isso pudesse ajudar de alguma forma.

Lágrimas De Vidro - LIVRO 2 - Duologia Em Busca Da FelicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora