Capítulo 7

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O Cara da Neve

Sabe aquilo tudo que dizem sobre o amor? Aquela história bobinha sobre um príncipe em um cavalo branco? Casais de velhinhos de mãos dadas caminhando numa praia, corações eternizados em árvores, casamentos e todo aquele furação de ilusões? Eu odeio cada detalhe disso! Estremeço diante de toda atitude romântica, filmes piégas e essa crença no impossível.

Néo, meu melhor amigo, me chama de Anne X. e de certa forma me acostumei com isso e com todas as esquisitices que temos adotado nos últimos anos, como por exemplo ele me convidar para ser sua sócia numa revista para adolescentes e eu escrever romances.
Nada faz muito sentido na minha história. Em resumo sou um drama ambulante, um erro da natureza, – como confirmariam meus pais – mas Néo diz que sou uma sobrevivente. Não vejo mérito algum em continuar existindo.


- Bom dia Anne! – disse ele pronto para uma nova história. Pronto para ilustrar cada detalhe relevante do que eu escrevo.
- Bom dia! – disse encarando desconfiada seus olhos castanhos. – Tanta empolgação numa manhã nublada de maio?
- Na verdade estou tentando me libertar do estresse por termos um prazo e nenhuma história. Maio? Mês das noivas, não é? O que a inspira...?
- Nem o dedão do pé.
- Você ainda vai descobrir o seu lado romântico.
- Antes de testemunharmos o milagre, o que acha de um café?
- Inspirador?
- Melhor que pensar em noivas.
Néo compreendia, de uma maneira distorcida, mas entendia. Saiu decidido em direção à fila em busca do nosso café – eu detestava café, mas precisava de um tempo.
Olhei para uma garota no bar colada ao seu laptop digitando compulsivamente. Queria estar tão animada quanto ela. Observei Néo ainda na fila revirando os olhos para mim e agitado pela demora no atendimento. Néo, sempre aqui, sempre perto. Tão perto! Balancei a cabeça e olhei para a garota e seu computador curiosa. E eu ainda escrevia em cadernos! O que lhe dava tanta empolgação? Olhei para o bloco em minhas mãos e arrisquei algumas palavras.

"Em um mundo de faz de conta, quando o wi-fi era um instrumento poderoso, a webcam uma espécie de espelho mágico, e-mail's um meio fenomenal de se corresponder e o bate-papo uma porta para algo chamado: VIDA VIRTUAL".

- Tcharamm. O que acha? – perguntei insegura quando Néo se sentou ao meu lado com duas xícaras fumegantes de café em suas mãos.
- Bacana, sem todo aquele melodrama que você insiste em escrever. É sobre o que?
- Um tal cara da neve.
- Um O QUE?
Sorri sem reponder. Nada mal. Se eu era a escritora com aversão a romances, Néo era o ilustrador mais literário que eu conhecia, com uma certa queda por novelas e dramas mexicanos.

"• oi Pee!! (...)
• Charles (:
• blza?
• aham
• tah taum quieta
• nada ñ
• hum... e a prova?
• acho que fui mal :(
• sabia
• q eu ñ ia me sair bem?
• Naum Pee. Q alguma coisa tinha acontecido
• Sempre tão sensível
• E vc previsível
• =P
• ¬¬'
• Charles?
• Pee?
• Queria te contar uma coisa...

- Uma conversa on-line?
- Cala a boca, Néo!
- Eu nem disse nada. Mas e daí, e o cara da neve?
Encolhi os ombros ainda observando a garota em seu laptop... o cara da neve. Parecia uma ideia legal.

"• vc gosta de uma pessoa?
• eh
• e...??
• E oq?
• tah, Pee... eu tbm gosto de várias pessoas.
• eu quis dizr romanticamente, Charles... ¬¬'
• ahhh
• ohhhhh
• e entaum?
• entao oq??
• naum sei. Tipo, oq eu pergunto?
• AHHHHH!!! Ñ sei pq insisto em flr com vc
• naum me culpe por naum ser bom nisso
• culpo qm então?
• ISSO! Boa. Qm é ele? Onde conheceu?(naum virtualmente, espero)."

Néo estava me encarando sorridente, com aquele olhar triunfante que me lançava quando "achava" que tinha uma carta na manga, um trunfo sobre mim. Encarei em revide ironicamente.
- E você diz que não curte romances, não é Anne?
Ergui minhas sobrancelhas já entediada por tanta insistência em algo absurdo. Não era só porque eu escrevia coisas piegas, bobinhas e românticas que eu era uma... romântica. Isso não queria dizer nada. NÃO É?
- Isso significa que gostou?
Ele deu aquele seu atípico meio sorriso. O famoso sorriso que faria qualquer garota esquecer do seu mundo e que sempre me fazia lembrar por que mantenho meus pés no chão.
- Ok. – disse interpretando isso como um não.
- Você é ótima no que faz e sabe disso.
Revirei os olhos, mas estava contente pelo elogio.
- Seus risquinhos estão quase que interpretáveis.
Ele sorriu de novo, mas dessa vez ignorei. Não era bom prender-se por tempo demais nos sorrisos de Néo.

"• VC... eh claro q ñ conheci ele virtualmente...
• eu sei, neh, bobinha. Eu te conheço. Depois me fala mais do cara da sua vidinha do outro lado da tela. Ok? Tah, me conta sobre a prova
• tenho q sair. Depois a gente se fala. Até +. Tchau.
• ãã? Eiii Peee... como assim...?

A garota ficou olhando pra tela do computador já desligada. Que bobagem, pensou. A mãe lhe chamou no andar de baixo. Precisava de ajuda com o almoço. O mundo lá fora a aguardava. Algo que às vezes ela tinha medo de pensar quando se desconectava da sua realidade paralela. Mas lá estava se sentindo uma garota ridícula por pensar em realidades paralelas, será que algum dia precisaria escolher? Sua mãe gritou novamente. Ela sabia pelo menos que naquele momento precisava ficar por ali, algo que Charles costumava chamar de a vida sem ele, a vida real."

Néo cruzou os dedos sobre a mesa do bar. As duas xícaras de café vazias. Ele ainda me olhava. Os desenhos dele sempre ficavam ótimos. Nunca o havia visto numa crise artística. Olhei mais uma vez para aqueles olhos que continham o brilho que os meus não possuíam.
- Você sabe que eu e todas as leitoras odiamos finais tristes. E cadê o tal cara da neve nesse mundo virtual?
- Você é tão óbvio às vezes, Néo.
- E você uma romântica shakespeariana.
- Não é uma tragédia. Leia o final. Ainda não acabou...

"Às vezes esses sentimentos estranhos aparecem vez por outra nos corações alheios, os tornando mais inexistentes nos nossos, talvez um ponto reluzente na escuridão, um fato nada concreto. Sinônimo da insegurança constante aliada a suspeita de que algo talvez devesse acontecer, pra variar.
E no meio dessa procura entre os dois paralelos dizem que existe um tal "cara do sol" , aquele que ilumina nossa vida nos dias mais nublados. Só que na maioria das vezes esse alguém tão especial e único, poderoso, radiante, brilhante... talvez seja só isso, muito brilho e pouco conteúdo.
Mas digamos que entre esses dois paralelos exista um tal "cara da neve", mais real nos dias frios(tristes), possível... DISTANTE, mas de qualquer ilusão.
Porém a lenda continua. E faz da existência de tais criaturas um mistério.
Mas veja da seguinte forma:
Olhe mais detalhadamente. Lembre das lições que tirou da vida. Esse tal cara do sol é um sonho bom nos dias tristes, o remédio para curar a dor... o cara da neve. Ahh... o cara da neve... é um conto que pode virar realidade. E talvez, apenas talvez... você pudesse pensar mais a respeito disso. (:"

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