(Continuação)

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Há dois meses eu não via Sara Martins. Mais obviamente desde o início das férias. Há séculos não nos cruzávamos na escola ou sequer trocávamos uma palavra. Ah! Acabei esquecendo de relatar a triste história da união e separação dos meus pais, do meu nascimento e da minha queridairmãzinha e é claro que não estou falando de Laura, na verdade Sara também – e infelizmente – é minha irmã desde aquele dia chuvoso em que minha mãe dera a luz a essa indescritível criatura.

            Bem, certo, vamos pular algumas partes desnecessárias. Silvio Martins e Helena Flores – meus pais - se casaram em um lindo dia ensolarado em agosto de 1986 e eu, o belo Dillan, nasci anos depois. Um ano se passou e foi a vez de Sara. Tudo correu incrivelmente bem até eu completar três anos, na mesma época em que meu pai arranjou um emprego em uma transportadora que o prendia metade do ano em viagens entre as filiais e minha mãe entrou em depressão. O divórcio aconteceu e minha família feliz desmoronou ladeira a baixo.

            Levou um tempo até conhecer Julia, a nova vizinha e amiga de Sara, pelo menos até o surto de catapora no bairro, Sara ser a primeira infectada e eu e Julia nos descobrirmos obcecados por videogame e balas de goma verde. Foi então que nos tornamos grandes amigos e Sara a patricinha solitária da escola. Na mesma época minha mãe nos apresentou Marcus, um cara velho e mal humorado e então eles se casaram.

Quando se é um garoto que não costuma ter como companhia um bando de outros garotos grosseiros e turrões e se tem o hábito de andar por ai com uma garota pequena, sardenta e com cabelos desgrenhados a gente começa a ser muito zoado. Foi só então que entrei pro time de futebol da escola na esperança de ser menos difamado. De certa forma deu certo, eu era bom com o lance do futebol e respeitado. E respeito para um garoto com menos de dez anos significava que outros caras não iriam mexer com ele sempre que decidisse dar uma volta com a melhor amiga.

 Numa dessas tardes, na volta do treino, Marcus me interrogou sobre minha bicicleta. Olhei para ela, estava jogada no meio da garagem. O que era estranho porque eu costumava guardá-la em um canto – não sabia guiar. Ele havia arranhado o seu carro e ficou transtornado com a minha irresponsabilidade e alguma coisa a mais. Fiquei calado, o que imagino que deixou o cara mais frustrado, então ele me agarrou pela camiseta e me deu um tapa no rosto.

No dia seguinte fui morar com o meu pai. Não voltei a falar com Sara porque eu tinha certeza, de alguma maneira, que ela havia armado tudo. Evitei minha mãe a partir de então por não se livrar imediatamente do meu padrasto. Sara deixou de visitar meu pai quando ele se casou novamente. Eu e Julia apesar do passar dos anos continuamos sendo amigos. Mamãe se divorciou de Marcus, Sara fez novas amizades e nunca aprendi a andar de bicicleta.

- Dillan! – ouvi Marcelo gritar.

Imaginei que o recreio tivesse acabado, mas estava tão preso ao olhar de Sara que não escutei uma palavra do que ele dissera. Ela estava mais alta e tinha olhos e cabelos escuros. Desviou o olhar antes de nos cruzarmos sem nenhuma palavra, mas não podia dizer o mesmo de uma das garotas que a acompanhava e que sorriu timidamente na minha direção. Eu não pude evitar sorrir de volta. Não por educação, como geralmente fazia com as outras garotas.

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