Setembro... um ano antes
Ao avesso
E a pior parte em se estar apaixonada é o querer infinitamente não estar. A todos os instantes surgem diante de nossos olhos modelos perfeitos de bons pretendentes – até parece! - , pessoas incríveis e constantes enquanto você fica definhando por ter escolhido a maçã mais vermelha, da macieira mais alta em uma montanha longínqua. E o mais trágico é que é sempre assim. A vida é assim. Pelo menos a minha toda vez que me apaixono, especialmente por um cara chamado Néo, meu melhor amigo.
"Ter dezesseis anos é tipo, como ter todas as certezas. Sabe, o mundo é tão ridículo! Todo um blábláblá sobre faculdade e trabalho, casamento e filhos... todas essas notícias sobre morte e taxa de acidentes no trânsito, aquecimento global e projetos na escola – quando devia estar plantando árvores frutuosas pelo chão -. Tá não quero ser uma adolescente insensível em meio ao século XXI, nem dar a entender que odeio a humanidade. É só que... vai soar meio horrível, ok? A verdade mesmo é que eu não me importo. Não quando tenho um provão na sexta-feira – SEXTA? QUAL É? -, não quando meus pais estão no meio de um divórcio, não quando meu irmão mais velho costuma sumir frequentemente e por dias. Não quando está se sentindo a peça insignificante do tabuleiro. Não quando o malandro que ronda a sua casa de esquina lhe lança um sorriso e você acha aquele sorriso incrível, por não saber há muito tempo o que é um sorriso."
Até onde eu entendo quando a gente se apaixona por um amigo - não qualquer amigo - e isso não é nem minimamente recíproco, as coisas mudam. Tipo as cores do pôr do sol à distância ou as nuvens poeirentas que insistem em mirá-lo.
Néo agora definitivamente me evitava. Construir lembranças não se revelara uma boa ideia. Ele havia erguido uma muralha assim que toda aquela bobagem começou, mas depois que abandonei a revista parecia haver uma fortaleza entre nós. Maior que a que eu erguera com o meu guarda-roupa espalhado pelo chão sempre que tentava entrar no meu quarto.
Era ridículo uma escritora declinar aos próprios ideais? Era ridículo eu não acreditar mais em cara da neve, sol, príncipes, sapos, amor, amizade? Talvez fosse. Mas lá estava eu, jogada no sofá com um pacote de amendoim, escrevendo. Sem ilustrações."A solidão é uma coisa difícil. Meio complicado entrar numa sala de aula todas as manhãs, ignorar garotas legais que poderiam ser suas amigas e você andar a passos rápidos até o fundo da sala e ficar olhando pela janela, ver seu irmão – desaparecido – em frente a um bar do lado do colégio rindo histericamente junto com um amigo. Meio complicado a professora lhe entregar suas cartolinas recicláveis e receber uma avaliação boa por elas quando nem ao menos ligava para o mundo. Meio complicado comer restos estranhos do que poderia ser arroz ou comida chinesa ou larvas alienígenas quando chega em casa e ouve o silêncio estranho. Seu celular não toca, nenhum bilhete na geladeira, só você e você mesma. Ou se preferir, somente você e o relógio com tiquetaquear e horário irregular da cozinha."
Eu sei que ser embalada ao som de Lenka não iria melhorar as coisas. Mas ainda costumo dizer que a vida é um labirinto e o amor um mistério. Yeah. Então fiquei lá escutando The Show, a trilha sonora da minha trágica vida romântica, quando ouvi o barulho de chaves e fechadura. Olhei petrificada para a porta, Néo olhou petrificado para meu cabelo bagunçado e o amendoim espalhado pelo carpete.
- Preciso de um texto. – ele disse. Eu olhei pro caderno que tinha em mãos.
- Hum... é... talvez eu precise de alguns desenhos.
Hum... é... e eu podia ser mais idiota que isso?
"O provão havia sido ridículo! Meus pais continuavam brigando e decidindo nossos destinos. Meu irmão ainda estava desaparecido e eu ainda comia as larvas da cozinha ou, se preferir algo mais terráqueo, o macarrão instantâneo que eu mesma preparara. Não tentei mudar as coisas. Elas não podem ser mudadas. Não do jeito que planejamos na nossa mente. Eu não iria jamais ser amiga das garotas simpáticas da turma, ou fazer meu irmão voltar pra casa. Não iria mudar o mundo se usasse cartolinas recicláveis, mas também não pretendia plantar árvores. Talvez pudesse cozinhar algo melhor, talvez pudesse esquecer por dois segundos dos meus pais. Mas o que eu fiz foi simplesmente ir até a janela em frente de casa, olhar para o malandro que parecia ter lançado pouso por ali e gritar "oi". O malandro me encarou, depois sorriu e eu sorri de volta. Fechei a janela. Mais alegre, menos solitária e feliz por ter testemunhado outra vez aquele sorriso incrível. Eram de coisas assim que o mundo precisava."
Néo sorriu pra mim. Sempre soube que era aos seus sorrisos que eu me referia em todos os meus textos. Sorrisos inebriantes como o de meu amigo podiam despertar algo bom nas pessoas. Fora assim que acontecera quando nos conhecemos. Ele sorriu e o mundo se tornou mais habitável.
- Desculpa. – ele disse olhando para algum ponto além do meu cabelo desolado.
- Hum?
- Por eu ter obrigado você conhecer a Renata, a ir no meu noivado, a ignorar – ele olhou mais além do meu cabelo dessa vez – nossa amizade e por me afastar de você.
- Ok.
Eu realmente não conseguia ser menos idiota. Era um fator crônico, arraigado profundamente nas minhas entranhas.
- E eu acho que um ilustrador não consegue viver sem a sua escritora.
- Também acho. As escritoras costumam não viver bem sem um ilustrador.
- E sem os amigos?
- Elas vivem solitárias.
- E se ganharem um sorriso?
- Elas costumam acreditar novamente.
- Em amigos?
- Nas amizades.
- Amo você Anne X.
Ele me abraçou mais forte do que eu poderia imaginar e de um jeito desajeitado. Minha insensibilidade nunca me fizera entender o poder de um abraço. Mas, droga! Como eu sentia a sua falta.
- Será que dessa vez você vai chorar?
- Nem pensar. – eu o empurrei e ri.
Pode ser que escutar Lenka não seja uma boa pra garotas com um perfil romântico – é, eu sou uma romântica! -, mas é uma boa ideia quando se tem amendoim por perto. Pode ser que a solidão fique muito próxima, mas você deveria a ignorar. Pode ser que você se apaixone por um amigo, mas o mundo não acaba. Não quando se tem um belo sorriso em que acreditar todas as manhãs. E o cara da neve, pode ser inevitavelmente colocado à prova sempre que se pensa muito a respeito. Mas decidi acreditar no óbvio. O Cara, não pensa em outra garota além de você, O Cara, às vezes, se engana com garotas chamadas Renata. E esse Cara da neve-príncipe-sol-sapo pode ou não ser um grande amigo, pode ou não ser algo além disso. Mas esse Cara é O Cara, mas você precisa ser A Garota pra saber disso. E ainda costumo dizer que seria bom, incrivelmente bom, se você pensasse a respeito disso. Ou no aquecimento global. Nunca se sabe...
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Eu Nunca...
Teen FictionEu nunca... vi a Aurora Boreal Eu nunca... escalei o Monte Everest Eu nunca... corri sobre pedras chamuscadas (Nem sou maluco a esse ponto) Eu nunca... me equilibrei sobre as muralhas da China Mesmo a ideia sendo incrível! Mas existem certas coisas...