Capítulo 9

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- Dill?

Não fiz questão de olhar quem me chamava. Minha cabeça estava latejando, minha vida uma bagunça, minhas notas um lixo - dois zeros em uma mesma semana -, minha amizade com a Julia apenas estranha. É. Eu era um babaca.

Estava concentrado demais tentando escolher uma canção decente que pudéssemos cantar no final do ano e compor outra. As faixas estavam bem na minha frente, mas escolher esses clássicos que iam desde The Beatles à Snow Patrol não era fácil. Os nossos gostos musicais variavam. Sara gostava de música black, Julia de rock, Pedro curtia pagode, Diego música eletrônica e eu curtia qualquer coisa que não fosse funk. Nós tínhamos um problema. Nosso desacordo era algo natural, mas o fato de pertencermos à mesma banda dificultava um pouco as coisas.

Tocar não era exatamente um problema, iríamos treinar na minha casa na próxima semana. Até lá sem preocupações, sem estresse e sem maiores problemas. Até parece.

- Sabe escrever poemas, Céli? - perguntei ainda encarando o papel que estava em minhas mãos.

- Só se for poesia sem rimas. - respondeu ela se sentando a meu lado.

- Valeu. - disse finalmente pondo minhas coisas de lado.

- E ai? - disse num tom alegre demais. Céli ainda não sabia lidar direito comigo. - Como estão as coisas com Julia? - perguntou enquanto sentava-se a meu lado no banco da praça.

- Me diz você o que ela disse. Garanto que falam um monte de babaquice.

- Só quando o assunto é você.

Eu não respondi. Estava preocupado, mas detestava assumir.

- Você não tá com uma cara boa hoje.

Meditei a respeito, mas não lhe daria uma resposta satisfatória mesmo que quisesse. As pessoas normalmente não costumavam me entender. Suspirei enquanto encarava o lago à distância. Ir na praça à noite durante o inverno não vinha se revelando uma boa ideia.

- Deixa para lá. - respondi. - E o que quer saber?

- Já?

Eu simplesmente detestava cerimônias.

- Então. - falei sem rodeios. Eu precisava falar. Isso me acalmava. - Descobri que Pedro tem um tique no olho esquerdo quando fica nervoso, não encara ninguém nos olhos e canta mal pra caramba! - Céli abafou o riso. - Acho isso muito suspeito. Ah! Por falar nisso, ele tem andado durante toda a semana sem a mochila azul. Na verdade sem mochila nenhuma. O que não nos ajuda. - suspirei desanimado e prossegui. - Sabe, ele tem um comportamento meio que comum... é um idiota. E aquelas suas camisas de surfista são ridículas. Mas acho que nada disso ajuda muito, ou ajuda?

- Se eu estivesse afim dele, talvez. Numa investigação realmente não ajuda. - respondeu Céli sorrindo como se me compreendesse.

- Detesto aquele idiota perna-de-pau! - informei como se fosse alguma novidade.

- Desculpa, Dill, mas eu estaria sendo hipócrita se dissesse que ele joga mal. - disse Céli escolhendo as palavras para que não me ofendesse. - Andei pensando sobre isso. Ele melhorou bastante nos últimos meses.

- Como sabe? - perguntei irritado.

- Sou repórter esportiva.

- Então acha que ele é um fenômeno?

- Não é melhor que você se é o que quer saber. Mas isso é o que me intriga nessa história. Por que o treinador trocaria um jogador de confiança como você por um de segunda categoria como Pedro?

Aquela não era uma pergunta fácil. Nem a vida de Otávio um livro aberto. Mas nada é tão secreto que não se possa descobrir e nada é tão óbvio que se possa enxergar. O que precisávamos naquele instante era tempo, o que eu previa não termos. Infelizmente eu estava total e completamente envolvido naquilo. Céli e Dillan contra o caso playboy bronzeado. Eu ainda me sentia ridículo.

- O que me intriga mesmo é o que é a tal B.E.

- Eu já estou mais curiosa em saber o que fez com que a família dele viesse pro Rio Grande do Sul.

- O tal banco, ora! - disse eu como se a desconfiança dela fosse desnecessária.

- Há algo além. O pai do Pedro não é mais sócio daquele banco, mas pense... como eles mantém uma mansão, cinco empregadas, dois jardineiros, um caseiro e uma governanta sendo gerente de um banco?

- Como sabe de tudo isso? - perguntei espantado.

- A diarista lá de casa conhece uma das empregadas da família.

- E você já viu a mansão?

- Já. É enorme... grande demais para um homem falido.

- Não acha estranho o fato de um carioca tão bem de vida estudar num colégio público?

- Ou o fato dele chegar na escola, assumir o seu lugar e não querer repercussão. Nunca perguntei, Dillan, mas como exatamente você torceu o tornozelo?

- Por quê? Que importância tem isso agora?

- A entrada de Pedro na escola foi muito estranha e o fato do jogo em que você se machucou estar tão difícil pra você e logo em seguida tudo ficar tão fácil pro Pedro é outra coisa esquisita. Foi simplesmente curioso o outro time ter amolecido quando você saiu.

- Acha que a torção no meu tornozelo foi proposital? - perguntei compreendendo onde ela queria chegar.

- Acho.

- Isso significa que o outro time foi comprado e que Pedro pagou por isso?

- Exatamente.

- Nunca pensei nisso antes.

- Dillan, você disse que o Pedro chega sem mochila, né?

- Sim, mas o que tem nisso?

- Todos os outros chegam de mochila nos ensaios?

- Acho que sim. Quer dizer... é acho que todos. Então onde acha que vai parar a mochila de Pedro? - perguntei mesmo já sabendo a resposta.

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