Prólogo: O Cara Certo

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Vamos lá. Vamos falar de física, porque essa parte é importante – crucial, eu diria. 

De todas as coisas que aprendi a calcular com notória facilidade, a única que jamais poderia equacionar foi o que me tornei. Indo contra todas as prerrogativas de ser a astronauta que deixaria o planeta na primeira oportunidade, fui dar aulas de física no ensino médio.

Encontrei minha vocação, mas aquele tanto de gente que eu chamo de família e que adora me perguntar toda hora que hora eu vou casar ficou um tanto quanto consternada desde o primeiro dia. Minha aprovação na universidade transformou o simples almoço de domingo na gaiola das loucas. 

— Ana Maria, essa filha sua perdeu o juízo?!

, era o que eu ouvia. Quem escolhe uma graduação que permite diploma em "licenciatura ou bacharelado"? Deus os livre! Os jovens da minha geração eram engenheiros, médicos, jornalistas, pessoas com profissões realmente importantes – ou assim eles dizem. Luis Gustavo, gay e ator, figurava entre os mais tradicionais entre os netos, mas não a Alice. Alice é um caso perdido! A nova geração é assim mesmo, faz o que quer e trepa com todo mundo, e tá tudo bem, mas quem escolhe estudar física?! 

E, pior, ensinar física?

Foram anos e anos de estranhamento e nenhum respaldo pela minha decisão, principalmente quando minha nota do vestibular teria me permitido entrar com folga em um curso de mais prestígio social. Todos davam a entender que conheciam a estrada de tijolos amarelos que levaria os jovens ao estrelato, por mais vazia ou superficial que ela fosse, mas ninguém entendia como dar aulas de física faria isso comigo. Ninguém se importa quando digo que não é bem o estrelato ou a riqueza que eu pretendo, e sim mudar o mundo. Ser feliz.

— Mas feliz com física?

As opiniões pioraram um bocado no meio do caminho, quando curti a ideia de seguir pela licenciatura, inspirada pelos incríveis mestres que tive. Eu virei persona non grata na mesa de Natal quando comecei a carreira na escola pública. Anunciei a conquista da vaga de emprego em uma reunião familiar e foi como presenciar a morte do Mufasa em O Rei Leão. Ninguém queria acreditar que isso estava acontecendo.

— Ela vai ser professora? De escola? Do estado? Coitada! – diziam, como se eu não estivesse na sala. Mas estava.

— Alice era mais promissora da família. É uma pena que nem tudo saia como o planejado...

Não que eu não tivesse habilidades ou não fosse uma boa cientista, porque eu tinha e era. 

Eu sou. 

Mas o que posso fazer se meu sonho de me lançar em foguetes foi interrompido por uma paixão avassaladora pela educação, mais do que me apaixonei antes por qualquer coisa – ou alguém? A sala de aula era meu habitat natural. Amei a ideia de lecionar antes mesmo de colocá-la em prática, ainda no primeiro estágio, e amo essa ideia até hoje. Quando as coisas apertam, e elas podem apertar bastante, o que me mantém alerta é saber que existe algo a ser ensinado e, mais que isso, a ser aprendido. Sempre existe algo novo depois de tudo isso que a gente já conhece. Eu aprendo muito com pessoas de quinze a dezoito anos, faixa etária que a maioria dos adultos ama desprezar, e me considero uma pessoa de sorte. Estar entre jovens me faz ser mais jovem, ainda que minha parca produção de colágeno insista em mostrar o contrário.

Preciso dessa energia para trabalhar bastante, pensar aulas diferentes, lidar com recursos escassos em ambientes por vezes precários e, sempre que der, escrever artigos científicos que podem ser entendidos por crianças de oito anos. Me fazer entender é meu melhor atributo – e por isso pode ser que esse prólogo seja o mais longo que você já viu. Poucas coisas na vida me deixam tão feliz quanto olhar no fundo dos olhos dos alunos e ver algo confuso se transformar em compreensão.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora