Capítulo 18

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O carro que Emma arrumou já estava buzinando quando comecei meu ritual para sair de casa: olhei o aparador com o passaporte, peguei o passaporte, coloquei na bolsa, abri a porta, olhei de novo o aparador, saí, fechei a porta, abri a porta, olhei o aparador e meti a mão na bolsa para ter certeza que o passaporte estava comigo.

Quando cheguei ao fim da escada, meti a mão na bolsa de novo, só para garantir.

Considerei contar a Emma que vi Hélio no bar e que ele deixou escapar que Rodrigo estava muito feliz, obrigado por perguntar. Também pensei em comentar sobre a cara feia que Lucas fez para ele, mas preferi não falar nada disso. Fiquei em silêncio, ouvindo trocá-la animadas informações com o motorista sobre como o dia estava lindo para mudar vidas e o trânsito estava nos brindando com uma de suas melhores performances. Em questão de minutos já estávamos na frente da casa de Erica, colocando sua bagagem no porta-malas do táxi. O motorista não parava de olhar para mim, sentada no banco atrás do carona. Só faltava me reconhecer e também me contar que não sabia onde Rodrigo estava, mas que, provavelmente, estava comemorando muito.

— Estou animada, acreditam? Mal posso esperar para chegar em Paris.

Erica soava tão animada quanto dizia estar, mas seus olhos estavam vermelhinhos. Não deve ter sido fácil se despedir dos meninos; essa era a primeira vez em que ficavam longe por tanto tempo. Logo ela se recompôs, entrando no clima em que Emma e o motorista se encontravam: alegria e empolgação. Pena que eu não consegui acompanhar.

— Eu estou animadíssima. Sonhei que o avião caía e achei o desfecho digno para minha história! O que acham?

O motorista ficou espantado ao perceber que eu não falava de brincadeira. Eu estava cáustica. Ele me sacou.

— Você pode ser menos dramática, por favor? – disse Emma, tentando passar rímel com o carro em movimento. — Você sabe mais que todo mundo nesse carro que existem mais chances de a gente morrer indo pro aeroporto do que dentro do avião.

O motorista pareceu ter um estalo, ou se sentiu bem incomodado em perceber a verdade: é bem mais fácil morrer em um desastre de carro a caminho do aeroporto do que durante um voo. Sua expressão era puro medo. Ou talvez ele só estivesse muito triste nesse momento por ser motorista, e não piloto.

— E se você estiver fantasiando sua morte, por favor, tire a gente dessa! Eu tenho bastante coisa pra fazer ainda – lembrou Erica.

Não sei quanto tempo se passou nessa pequena viagem da cidade até o aeroporto. Por mais que as meninas tagarelassem, eu não conseguia tirar a minha cabeça de ontem. De Hélio. Do que Hélio disse. Do olhar de Lucas.

Será que ele me defenderia mesmo, ainda que eu não precise que ninguém me defenda?

Bom, uma vez ele chegou a me dizer algo estranho quando, depois de cinco cervejas e um rompante de ciúmes, Rodrigo saiu do Bar Irlandês batendo o pé e me deixando para trás.

— Ele sempre faz isso?

— Só quando está bêbado e chateado – respondi.

— Ele é um babaca.

— Ele é um cara bom, Lucas. Só está meio bêbado. E chateado.

— Pois nem se eu estivesse muito bêbado e chateado te trataria desse jeito – respondeu, mas se corrigiu antes que qualquer conclusão pudesse ser tomada: — Eu não trataria nenhuma mulher desse jeito.

Teoria do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora